No meio dos festejos, polémicas e recriminações que pautaram esta edição dos Jogos Olímpicos, o incidente mais pícaro talvez seja o caso de Sharon Firisua, uma maratonista das Ilhas Salomão que, devido a peculiaridades burocráticas, se viu a participar na prova dos 100 metros, apesar de não ter tarimba como velocista. De fora ficou a especialista nacional nessa distância, Jovita Arunia, que agora ameaça nunca mais competir, por estar desgostosa com a decisão – pouco salomónica – de a excluírem da delegação a Paris.
Na verdade, quem corre por gosto não cansa – mas não é preciso exagerar, como a protagonista de uma notícia insólita em tempos divulgada. Chamava-se Lee Adianez Rodríguez, tinha 12 anos e consta que “corre[u] uma meia-maratona por engano”. Aos jornalistas, a organizadora do evento explicou que, nesse dia, se realizavam duas provas de corrida – uma de cinco quilómetros, outra de 21 –, com partida quase simultânea na ponte Broad Street, situada no estado de Nova Iorque; e que a inesperada fundista se terá juntado à prova mais longa, julgando ser a sua, só se apercebendo do lapso já a corrida ia a meio. Com meio caminho andado, foi até ao fim, completando a prova no 1885.º lugar (entre 2111 concorrentes). Ignoro se os planos curriculares das escolas têm apostado mais no ensino da ginástica do que da geografia, mas este incidente deixou sucessores: veja-se o caso de Michi, jovem de 14 anos que também se equivocou e, em vez da prova de 10 quilómetros, correu a maratona de Munique; e veja-se o caso de Omar Ahmed, já com idade para ter juízo, que venceu uma meia maratona em Bristol, sendo desclassificado pela prosaica razão de não estar inscrito. Todos estes episódios talvez deixem perplexos os adeptos da lei do menor esforço. E trazem à memória – nem que seja por antítese – a história de Fred Lorz. Mas começando pelo princípio: quem foi esse cavalheiro?…
Fred Lorz (na fotografia, com o dorsal número 12) foi um pedreiro, atleta nos tempos livres, que participou na prova de maratona dos Jogos Olímpicos de 1904, em St. Louis. A avaliar pelo relato da Smithsonian, pouco os distinguiria, nos primórdios, de uma feira ambulante. A mais exótica das atracções terá sido Félix Carbajal, um carteiro cubano que apareceu à boleia, em traje formal (calças e sapatos incluídos), após ter perdido todo o dinheiro da viagem a jogar aos dados. E o exotismo de Carbajal prosseguiria durante a prova, que terminaria num honroso 4.º lugar, mesmo não se coibindo de paragens regulares feitas pelos mais bizarros motivos: para meter conversa com transeuntes, num inglês macarrónico; para palmar dois pêssegos aos passageiros de um carro, parado à beira da estrada; para surripiar maçãs, num pomar a meio do percurso; e para fazer uma sesta, dominado pelas cólicas (as maçãs estavam podres). Se a este juntarmos os dois nativos de uma tribo sul-africana que correram descalços (e foram perseguidos por cães vadios durante um troço da prova equivalente a uma milha), eis o retrato deste cortejo carnavalesco. E já nem é preciso englobar atletas de outras modalidades, como o ginasta George Eyser, que ganhou seis medalhas (três de ouro) mesmo tendo uma perna de pau.
Porém, é Fred Lorz que agora interessa. Rezam as crónicas que desistiu da prova ao fim de 15 quilómetros, exausto e desidratado; e pediu boleia, até ao estádio, ao seu treinador. De facto, devagar se vai ao longe – e de carro também. Quando já se aproximavam do destino, o carro avariou e Lorz não teve outro remédio que não fosse seguir a pé. Assim que Lorz, ainda equipado, entra no estádio, o público começa a incentivá-lo, julgando tratar-se do líder da corrida. Ao ouvir os aplausos das bancadas, Lorz espreita o furo; desata a galope pela pista afora, cortando a meta num gesto de triunfo; e ouve a ovação do público, em delírio pela vitória de um compatriota. A filha do Presidente Theodore Roosevelt prepara-se para coroar o campeão. E eis que, neste engano de alma ledo e cego, chega o verdadeiro líder da corrida, Thomas Hicks, quase inconsciente (graças a uma mistura explosiva de estricnina, claras de ovo e conhaque, que lhe provocara alucinações).
Descoberto o embuste (à semelhança de Joasia Zakrzewski, em 2023), Lorz pede desculpa, assume a piada e saúda o vencedor. E, já sob a ameaça de uma sanção disciplinar vitalícia, viria a ganhar a maratona de Boston no ano seguinte, após ter provado que quem corre por gosto não cansa, mas quem apanha boleia também não.