1 A “Opção Beneditina” dá nome a um formidável livro da autoria de Rod Dreher no qual o autor faz uma análise do estado actual da crise na Igreja Católica (e Evangélica) na sociedade americana… decorrente da qual, e tendo como referência o estilo de vida beneditino, constrói uma proposta de vida cristã, fascinante, cativante, iluminada. É uma opção, tal como a classifica o autor,  de natureza “inconformista e contracultural” e, por isso mesmo, tão desvalorizada pelos poderes instalados, tão hostilizada pelas grandes ideologias da modernidade. O declínio da sociedade ocidental, causado pelo secularismo e relativismo contemporâneos, gerou uma nova ordem no ocidente.  Em face desta “nova realidade” tóxica, sem valores morais objectivos, fragmentada e auto-destrutiva, onde a liberdade individual é cultivada como valor absoluto, e o sentimentalismo e o materialismo são elevados à categoria de bem supremo, o autor propõe um estilo de vida comunitário, virtuoso, integral, com a alegria do jeito de ser beneditino, fundamentado na autoridade das sagradas escrituras, na sabedoria da tradição, no poder da oração e do ascetismo, na grandeza do trabalho, no valor da educação clássica e no dom da hospitalidade. É uma proposta estimulante, real, prática, que tem como referência a vida e a obra de São Bento, o grande santo cristão, o grande obreiro da reconstrução de uma Europa então em ruínas, devastada pelas invasões  Bárbaras dos primeiros séculos do cristianismo. Alerta-nos entretanto Dreher que “os bárbaros do séc XXI não vestem peles de animais nem trazem lanças; eles vestem fato e gravata, e usam smartphones”.

2 A Crise actual da Igreja Católica. A Igreja Católica, incompreensível aos olhos de muitos, vive actualmente um progressivo processo de erosão; a sua identidade desagrega-se, as divisões são evidentes, as vocações escasseiam, o testemunho vulgariza-se, a liturgia mundaniza-se, torna-se convivial, sem o seu carácter sagrado e sobrenatural. O processo de alienação e desintegração cultural acelera-se, constituindo a marca da sociedade póscristã onde estamos imersos. O veneno do secularismo infiltrou-se na vida contemporânea, e a Igreja Católica não ficando imune à realidade onde se insere vai-se mundanizando, vulgarizando, e vai-se esvaziando da sua dimensão sobrenatural, transcendente e divina que só Deus pode preencher. Recordemos São Paulo, em Romanos 12:1: “Não vos ajusteis a este mundo”. O Cristianismo é divino, infindável, não é de uma determinada época ou período; “Céu e Terra passarão, mas as minhas palavras não passarão. E passará esta geração, mas as minhas palavras não”, diz-nos Jesus. Não podemos ignorar a crise espiritual e cultural em que vivemos, mas não podemos entrar em pânico, diz-nos  o autor; por detrás de qualquer crise está sempre um convite à conversão. Resistamos, então, a esta torrente secularizante, hedonista e individualista; resistamos a este tédio paralizante. Se queremos viver com autenticidade a nossa fé não nos podemos render, adaptar; é preciso remar contra a corrente, é preciso fazer frente às forças corrosivas, manipuladoras, falsificadoras; se queremos sobreviver é preciso ser firme e corajoso perante o “egoísmo, a busca do prazer e o viver o momento”. As tentadoras promessas de liberdade total e felicidade plena conduzem o Homem, afinal, a uma profunda crise existencial, a uma crise de valores, de sentido, de morte espiritual. É este o convite e o desafio da “Opção Beneditina”.

3 O Relativismo, na sua expressão mais radical: a “Ditadura do Relativismo” (que o Papa Bento XVI profetizou), é um instrumento essencial das novas ideologias contemporâneas (particularmente a Ideologia LGBT e a Ideologia de género) e vem-se propagando e impondo na sociedade contemporânea através de uma verdadeira agenda de pensamento único, de cancelamento, de perseguição e criminalização do “politicamente incorrecto”. A liberdade de pensamento, a objecção de consciência, a liberdade de expressão e a liberdade religiosa, outrora bandeiras estruturantes da civilização ocidental… estão agora cada vez mais ameaçadas por este viés totalitário que, ainda que de forma encapotada, dissimulada e frequentemente adocicada, se vai impondo num processo galopante e, aparentemente, imparável. Como alguém importante disse, “o Homem moderno entretém-se a serrar o tronco da árvore onde está tranquilamente sentado”. Já a Igreja Católica, alvo incómodo e claramente a abater, representa a única instituição que, à escala global, ainda vai tendo a força e autoridade moral para se opor a este movimento de sentido único, de natureza totalitário; para se opor ao aborto, à eutanásia, à ideologia do género, ao ecologismo radical, ao feminismo extremista, à normalização paulatina da pedofilia, à destruição da família como célula base da sociedade.

4 Construir uma espécie de “aldeia cristã”. De acordo com ”A Opção Beneditina”  a renovação da espiritualidade e prática cristãs passa pelo desenvolvimento de três pilares fundamentais: o reforço da comunidade familiar – a Família, o reforço da comunidade paroquial – a Paróquia e o reforço da comunidade educativa –  a Escola. Quando a família, a paróquia e a escola agem isoladamente, quando se desagregam e dissolvem, quando perdem a sua identidade e o fim último para que foram criados… o testemunho cristão e a sua transmissão à geração seguinte fica ameaçada, correndo o sério risco de desaparecer por completo (quem já não sentiu esta realidade no seio da sua própria família ou da sua própria paróquia?). O indivíduo nasce numa família, frequenta uma escola e, pelo Batismo, passa a pertencer à Igreja. São “pequenas”comunidades estruturantes, complementares e insubstituíveis,  mas na medida em que se organizam e ordenam em prol de um bem comum superior. É absolutamente prioritário reforçar e consolidar, de forma equilibrada e integrada estas diferentes, mas complementares e mutuamente iluminadas dimensões É muito importante, então, que as famílias e seus membros, que as paróquias e seus paroquianos, que as escolas e seus estudantes, pais  e comunidade educativa em geral… tenham consciência desta realidade, e assumam, sem receio, que são verdadeiramente católicos, que são inconformistas, contracorrente e contra culturais. Há ideias, opções, prioridades que decidida e inequivocamente não defendem, não acreditam, não promovem, não fazem ou fazem-no de maneira diferente. E não há que ter hesitação ou qualquer tipo de timidez. Já o Papa Bento XVI antecipava profeticamente uma igreja no futuro, constituída por pequenos grupos de crentes, muito empenhados, muito comprometidos, que vivem intensa e criativamente a sua fé. Ora aí está um bom exemplo do que é “estar no mundo sem ser deste mundo”.

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5 A qualidade da vida comunitária.  O testemunho de um pastor resistente da inanarrável tortura na Roménia comunista (citado por Dreher em “A Opção Beneditina”) diz-nos que: “ há dois tipos de cristãos: os que creem sinceramente em Deus e os que, com a mesma sinceridade, creem que creem. Só é possível distinguir como actuam nos momentos decisivos”. Os grupos paroquiais não servem, essencialmente, para manter os seus membros activamente “entretidos”, sem qualquer preocupação evangelizadora, sem qualquer tipo de rigor, de disciplina e obediência; sem regras e limites e sem qualquer tipo de compromisso sacramental. Os grupos paroquiais ajudam os seus membros a actuar, também, nos tais momentos decisivos…

A promoção de uma cultura de responsabilidade, de disciplina e obediência são, ao contrário, sinal de maturidade, de vitalidade, de consistência e robustez. “As culturas podem alterar-se ou formar-se a partir do zero, numa só geração”, dizem-nos; é preocupante! É importante, igualmente, que os filhos tenham um “bom” grupo de amigos, amigos que partilhem no essencial os mesmos princípios e valores. São Tomás de Aquino definia a amizade como “querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas. Só se é verdadeiramente amigo das pessoas que estão caminhando para o mesmo lugar, e que têm os mesmos valores e princípios”. É reconhecida, na construção do carácter das crianças e adolescentes, a enorme influência das denominadas “boas e más companhias” (cultura de grupo). Não se trata de discriminar ou desprezar seja quem for, trata-se sim de construir e a aprofundar sólidas amizades com pessoas que partilham e comungam valores estruturantes, essenciais, fundantes.  Os bons amigos ajudam-se, também, nos tais momentos decisivos…

A igreja também não pode ser apenas o local onde se vai ao domingo, frequentemente cumprir um mero preceito cultural; a igreja tem de ser o centro da vida do cristão; e o Centro tem de estar no centro! A igreja não pode ser tratada como um mero bem de consumo; ela tem de promover o reforço da sua identidade cristã, partilhando valores, experiências, testemunhos, alegrias, tristezas, partilhando as suas vidas; a igreja tem de promover e testemunhar a vivência do trabalho como um dom, como um meio de santificação, como uma entrega a Deus e à comunidade; a igreja tem de recuperar este tipo de solidariedade, este tipo de convite ao trabalho em prol do bem comum. Só assim percebemos que vamos sustentados, que somos alimentados, que somos mantidos; só assim percebemos que temos mais fé do que a fé que sozinhos teríamos, temos mais entusiasmo (entusiasmo quer dizer ter Deus dentro), temos mais alegria, mais força, mais convicção, mais motivação do que aquela que sozinhos teríamos. Só assim saberemos actuar, também, nos tais momentos decisivos…

* (conceito desenvolvido pelo sociólogo Zygmunt Bauman)

6 Tradição e Identidade   Vs   Liberdade e Abertura. É necessário um permanente discernimento para, de uma forma equilibrada, colocar num dos pratos da balança, liberdade e abertura e, no outro, tradição e identidade. Não é tarefa fácil. A comunidade paroquial não se pode fechar sobre si mesma; é importante a comunidade ser aberta, generosa (hospitalidade, um dos pilares da “opção beneditina”), sem levantar muros ou trincheiras, procurando frequentemente um perfeccionismo utópico que acaba por paralisá-la. A obsessão pelo controle é uma menoridade de um certo cristianismo burguês fechado sobre si próprio que procura, essencialmente, o seu bem-estar mundano, pouco sentido, pouco profundo. Como nos diz São Paulo, “os cristãos deviam reaprender a arte de viver em comunidade”. Por outro lado, esse espírito de abertura e tolerância não pode ser ilimitado e não pode sobrepor-se àquilo que são crenças e os valores religiosos nucleares, bem como não pode ignorar a memória cultural e identidade cristã que a todos sustenta e fundamenta. Bento XVI tranquiliza-nos com uma frase extraordinária: “Não tenham medo do mundo, nem do futuro, nem da vossa debilidade; o Senhor premiou-vos de viverem este momento da História para que graças ao vosso testemunho de fé, siga ressoando o Seu nome em toda a Terra”.

7 A Educação é essencial para a sobrevivência do Cristianismo. Quem o diz é Michael Hamby, professor de Religião e Filosofia da Ciência no Instituto Pontifício João Paulo II, citado por Rod Dreher, em “Opção Beneditina”. Felizmente, ainda que permaneça uma reduzida percepção acerca das alterações profundas dos sistemas educativos contemporâneos, vai crescendo a ideia entre os cristãos, da relevância da chamada educação cristã clássica. Quem tem possibilidade de colocar os seus filhos numa escola cujo projecto educativo esteja centrado nos valores e práticas cristãs não deve, ainda que tal requeira um nível de esforço e compromisso considerável, hesitar. É contracultural, contracorrente, será certamente alvo de críticas, rótulos, e discriminações várias… mas possibilita aos alunos uma experiência e um contacto com os valores da tradição ocidental, particularmente da cultura cristã, e possibilita ainda o estudo dos grandes clássicos, e o contacto com a nossa memória cultural. E é toda esta abordagem que lhes dá referências fundamentais, consistência, densidade, solidez… que lhes permite, por sua vez, resistir às desordens da já referida “modernidade líquida” onde estamos imersos; permite fazer face a uma sociedade anticlerical que nega e hostiliza os valores cristãos, precisamente aqueles que a construíram; a uma sociedade dominada pela propaganda, pela manipulação e pelo activismo dos media; a uma sociedade cuja agitação e desorientação fez desaparecer o bem insubstituível da estabilidade interior, a qual constitui, de acordo com o padre Martin, em “A opção Beneditina”, a única que nos dá a estrutura e o tempo necessário para aprofundar o que significa ser filho de Deus.

8 É preciso colocar a educação dos filhos acima de tudo. É preciso restaurar a nossa relação com a realidade última, é preciso recuperarmos a nossa história, é preciso resgatarmos a nossa memória cultural. Diz-nos Dreher que “a melhor maneira de criar uma geração de ignorantes, sem direcção e propósito algum, sem qualquer sentido do dever, e encerrados sobre si mesmos, é privá-los do seu passado”. Todo o modelo educativo pressupõe uma determinada antropologia, uma determinada ideia de Ser Humano.  Para o cristão, qualquer teoria, reforma, ou programa educacional será incompleto, parcial, redutor… se não reconhecer a verdade fundamental da natureza humana, feita à imagem e semelhança de Deus. E este é o dado antropológico, inegociável, da educação cristã. Já o modelo educativo moderno destina-se basicamente a preparar os alunos para a competência e eficácia, para a aquisição e desenvolvimento de técnicas, para o êxito no mercado de trabalho, garantindo assim um alegado sucesso pessoal e profissional ignorando, contudo, o já referido fim último da educação. Chesterton tem uma frase iluminadora acerca desta temática: “O Catolicismo é a única forma de libertar o Homem da escravatura degradante de ser filho de seu tempo”. Uma educação sem referência a verdades religiosas e a padrões morais imutáveis; uma educação puramente secular que retira dos seus conteúdos e programas a dimensão do transcendente, amputando assim uma das dimensões mais estruturantes da natureza humana, não é cristã nem verdadeiramente humana.

9 Para o modelo cristão, a educação contemporânea parte de uma antropologia equivocada, utilitária, redutora, parcial. No modelo clássico de educação cristã o ser humano é chamado a amar a Deus e a unir-se a Ele na eternidade. Este é o fim último, é o bem supremo do processo educativo, a partir do qual, se organizam e priorizam todos os outros. Assim, para o modelo clássico de educação cristã, esta não está compartimentada e separada da vida da igreja, sendo que as aprendizagens são nela integradas e potenciadas; no modelo clássico de educação cristã é dado ao estudante uma aspiração mais elevada, mais alta, mais integral do que o mero sucesso académico e profissional; no modelo clássico de educação cristã não se separa a busca pelo conhecimento da busca pela virtude. Quando tal acontece, a sociedade passa a sobrevalorizar as competências técnicas e científicas, e de eficácia individual, em detrimento dos valores éticos e morais; o modelo clássico de educação cristã parte da sabedoria do passado para criar novas gerações com os mesmos ideais e  valores, baseados por sua vez, na sua visão antropológica; o modelo clássico de educação cristã dá ferramentas aos seus estudantes para sobreviver e afirmar no ambiente académico, tão hostil e secularizado, tão deficiente em conhecimento significativo. Se as próximas gerações não aprenderem a valorizar a herança cultural do Ocidente, a civilização ocidental cristã corre o risco de desaparecer. Uma educação que não forme o homem na sua totalidade e integralidade, e que ignore o fim último para o qual o mesmo foi criado não é, mais uma vez, uma educação cristã.

10  Cuidado com algumas escolas ditas cristãs. A genialidade de São Bento foi “encontrar a presença de Deus na vida quotidiana”. Infelizmente, em muitas escolas e colégios que se dizem cristãos, o Cristianismo não é mais do que um verniz, um adorno, uma fachada onde se disfarçam práticas de um capitalismo liberal, individualista e consumista, e onde se mascara uma educação essencialmente mundana e secularizada, cujo principal objectivo é a imagem e o estatuto de que muitas ainda se valem, vivendo à sombra de méritos pedagógicos de tempos remotos. A verdadeira Identidade católica não é apenas uma questão meramente estatutária ou de elaborados princípios teóricos, vertidos nos documentos orientadores, nos manuais, nos sites, nos panfletos e nos certificados de habilitações. É indispensável que toda a organização da escola, a sua gestão (que cria o enquadramento e o ambiente favorável às aprendizagens), o recrutamento de professores (que define o perfil de quem tem a missão de educar), a organização e selecção de conteúdos programáticos (concorrentes com o objetivo e fim último  da educação cristã), as relações que se promovem entre todos os membros da comunidade educativa, isto é: direcção, clero, professores, alunos, pais, funcionários e colaboradores (que credibiliza, dá coerência e potencia o processo de ensino-apz), e o ambiente escolar, a mística e identidade próprias (que lhe dão o “perfume”, a especificidade e singularidade, propriamente cristãs)… tenham como referência as sagradas escrituras, a tradição e o magistério da Igreja Católica. Só deste modo pode a religião cristã ser, tal como a “Opção Beneditina” o preconiza, o fundamento de toda a educação. Recorda-nos oportunamente o Papa Francisco que “a fidelidade é a debilidade bem acompanhada”.