A última edição do Barómetro da Saúde Oral da Ordem dos Médicos Dentistas, mais uma vez, faz o retrato da realidade portuguesa, relacionada com a oferta de cuidados de saúde dentários:

“Relativamente à dentição, os dados não apresentam diferenças significativas face às edições anteriores, com apenas 32,3% dos portugueses a terem a dentição completa e a percentagem de portugueses com falta de dentes que não têm nada a substituí-los a situar-se nos 48,1%.”

“Entre os menores de 6 anos, 65,2% nunca visitaram o médico dentista, sendo que este valor é inferior ao verificado nas duas últimas edições do Barómetro..”

“Atualmente, 55,9% da população portuguesa não sabe que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) disponibiliza a área de medicina dentária e apesar deste valor ter vindo a reduzir consecutivamente desde 2017. Nesta edição a tendência inverteu-se. Em acréscimo, ainda que 44,1% dos portugueses tenham conhecimento, isso não se reflete na utilização do SNS para tratar de problemas de saúde oral.”

“Entre quem sabe, apenas 6,9% recorreu ao SNS nos últimos 12 meses para medicina dentária, sendo que quem utiliza são, sem surpresa, sobretudo os indivíduos de classes socais mais baixas. Um terço indica que se não tivesse sido atendido no SNS não teria recorrido ao privado por motivos económicos e apenas 39,5% consideram realizar tratamentos complementares no setor privado.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“A importância do acesso a serviços de medicina dentária no SNS e da comparticipação do Estado nas consultas do setor privado é assim ilustrada, sendo reconhecida pelos portugueses…”

Em  conversa com um Professor de finanças, confidenciou-me, que numa das suas aulas fez uma pergunta aos seus alunos: como avaliam o nível socio-cultural e económico de um individuo? Todos  responderam que era pelas linguagem utilizada, pela forma de vestir e por aí adiante… Ao que o professor respondeu: Não! É pelo estado dos dentes.  Ou seja a população reconhece, que o mau estado dos dentes tem uma correlação direta com o estado de pobreza.

Mas confesso que já chega às classes mais altas, nomeadamente à classe média que  na verdade e se formos realistas, quase não temos Portugueses que se enquadravam neste padrão, hoje trabalham para fazer face às suas despesas mensais e com o decréscimo de poder de compra dos últimos anos, são forçados a mudar o seu estilo de vida e já são muitos os que vivem com dificuldades.

E pergunto: Será que temos a noção que a cavidade oral reflete vários tipos de doença e destabiliza muitas doenças crónicas? Será que temos noção que a saúde oral não representa somente estética?  Será que temos a noção que uma criança que entra no ciclo de uma dentição “doente”, será um adulto pouco saudável? – a todos os níveis.

Quando falo em pirâmide invertida refiro-me aos médicos dentistas (cerca de 17.000 inscritos, 11.000 no ativo) que não conseguem chegar à população.  O que está a acontecer com estes médicos dentistas em excesso? Emigram.

Ou seja, estamos a formar estudantes para emigrar. Uns trabalham nos centros de saúde como técnicos de saúde, sem uma verdadeira carreira como todos os outros profissionais agregados aos mesmos; outros estão em subemprego; ou seja, trabalham escassas horas por semana, chegando a levar para casa 300 euros ao fim do mês. Pagam para trabalhar.

As clinicas privadas assombradas por taxas e taxinhas, impostas por inúmeras entidades com sobreposição de funções, escontram-se asfixiadas, muitas acabando por encerrar portas.

Como todos sabem,  os médicos dentistas não estão inseridos nos hospitais, resultado disso o trabalho dos estomatologistas nos centros de estomatologia hospitalar existentes, que se “desdobram” e lutam pela comunidade. São cerca de 140 espalhados de norte a sul de Portugal Continental. Já nas Ilhas Autónomas a situação é diferente, os médicos dentistas estão nos centros de saúde e hospitais juntamente com os estomatologistas, sendo que na madeira têm uma carreira hospitalar e que a meu ver é um excelente modelo a seguir.

Costumo dizer – um SNS feito para pobres é um SNS pobre e no caso da saúde oral é ainda mais preocupante. Confesso que considero tudo isto negligencia e despreocupação dos nossos sucessivos governos, que embora tenham tentado tomar algumas medidas não têm sido as que verdadeiramente podem causar impacto na população.

Será que os nossos governantes terão a noção de quanto se pouparia no SNS se a saúde oral estivesse, de facto, a ser implementada corretamente? Muito! E assumo que se o caminho continuar a ser este,  a saúde oral, em pouco anos, será um grave problema de saúde publica.

A prevenção tem sido a politica aplicada nos países mais desenvolvidos da União Europeia. Em muitos, a saúde oral até aos 18 anos é garantida pelo Estado. Estaremos inseridos na Europa? Fica a pergunta.

Ana Sofia Lopes, Médica Dentista