“Se, no primeiro acto, se pendura no palco uma pistola, ela irá disparar no último. Para evitar isso, não a pendurem” (Anton Chekhov)
A crise em torno da Ucrânia, das relações entre a Rússia, por um lado, e os Estados Unidos, NATO e União Europeia, por outro, aumenta, assiste-se a uma concentração anormal de tropas de ambos os lados da fronteira russo-ucraniana e a retórica tem cada vez mais de militar do que de diplomática.
As acusações vindas dos dois lados parecem copiadas a papel químico. Washington acusa Moscovo de estar a preparar a invasão da Ucrânia e a preparar uma provocação para justificar esse acto. Moscovo, pelo seu lado, acusa Washington de estar a armar e incentivar a Ucrânia a recorrer à força contra as suas duas regiões separatistas: Donetsk e Lugansk. As diferenças estão apenas nos pormenores ou nas gaffes. Por exemplo, Serguei Narishkin, chefe dos serviços secretos externos russos (SVR), descobriu na Ucrânia destacamentos de “jiadistas”, enquanto Liz Truss, ministra britânica dos Negócios Estrangeiros, vai acumulando erros nas disciplinas de Geografia e História da Europa do Leste.
Claro que nenhuma das partes apresenta provas reais das acusações, limitando-se a pedir à opinião pública que acredite nas palavras dos dirigentes.
Isto causa enorme nervosismo na Europa, mas particularmente na Ucrânia. Além do receio face à política externa agressiva do Kremlin, declarações e decisões dos países ocidentais como a retirada de familiares do pessoal diplomático de Kiev também em nada ajudam a manter a moral entre a população ucraniana. Isto está a provocar indignação entre os dirigentes da Ucrânia, obrigando o Presidente Volodimir Zelinski a apelar frequentemente à calma.
A única coisa verdadeira e real é a seguinte: o aumento brutal do número de militares e armamentos nos prováveis campos de combate, ou seja, na fronteira entre a Bielorrússia e a Ucrânia e entre este último país e a Rússia.
É também real a correlação de forças entre as partes do conflito. Ela é altamente desfavorável a Kiev. Moscovo domina totalmente no mar e no ar, mas as forças armadas ucranianas poderão oferecer séria resistência nas operações terrestres. Não se pode igualmente desprezar a vontade dos cidadãos ucranianos de lutar pela sua liberdade e pela independência do seu país. Além de conseguir chamar a atenção do mundo com o seu ultimato, Putin conseguiu mais uma “vitória”: criar mais um vizinho que irá olhar com desconfiança para a Rússia.
Aliás, neste campo, o autocrata russo tem obtido outros “grandes êxitos”. Por exemplo, levou países como a Finlândia e a Suécia a pensar na adesão à Aliança Atlântica.
Moscovo transformou-se numa espécie de Meca da diplomacia mundial: Orban, Macron, Truss, etc., mas os resultados das conversações são quase nulos. O grande aspecto positivo desta maratona consiste na continuação do diálogo, o que é sempre melhor do que o confronto militar.
O grande dramaturgo russo Anton Chekhov (1860-1904) trouxe para a dramaturgia o princípio da “Caçadeira de Chekhov”. Segundo este, cada elemento da narrativa deve ser essencial e os elementos desnecessários, que não terão qualquer importância nos acontecimentos seguintes, devem ser retirados para não enganarem as expectativas dos espectadores.
Este princípio pode parecer pouco ou nada ter a ver com a actual situação, mas, na realidade, é de extrema importância e deve estar presente na política e na diplomacia em casos de crise, quando no terreno há um grande número de armamentos.
“Se, no primeiro acto, se pendura no palco uma pistola, ela irá disparar no último. Para evitar isso, não a pendurem” – escreveu o genial Chekhov.