Curiosamente não vi até agora ninguém, quer político quer dos chamados opinion makers, abordar um dos temas que me parece essencial e de extraordinária atualidade para a próxima legislatura: a Questão Democrática.

Os Regimes Democráticos assentam em dois princípios essenciais: O Governo da Maioria e a Alternância de Maiorias.

Alternância de Maioria não significa que ela tenha que acontecer em todas as legislaturas. Uma Maioria pode durar uma, duas, três, quatro ou mais legislaturas se for essa a vontade popular expressa em votos nas eleições. O que é necessário é que exista sempre uma alternativa que em eleições possa ser escolhida e que as instituições como os Tribunais, Procuradoria Geral da República, Polícias, Provedor de Justiça sejam de facto independentes. Fundamental é a liberdade e independência dos Órgãos de Informação sem prejuízo de poder haver alinhamentos assumidos.

A Presidência da República num Sistema Semi Presidencial como o nosso embora possa pertencer a um elemento alinhado com o Partido do Governo deve contudo ser exercida com isenção e independência. Nem deve ser subordinada ao Governo nem deve ser oposição ao Governo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nos tempos do Bloco Central Marcelo Rebelo de Sousa lançou corajosamente a Nova Esperança, coadjuvado por Santana Lopes e Durão Barroso. Este movimento, que teve como órgão de expressão e combate O Semanário, existiu por dever cívico de apego à Democracia e lutou com sucesso por dois objetivos : Conseguir eleger um Presidente da República que fosse um Civil, acabando de vez com a tutela Militar, que tinha mais de meio século, e possibilitar a Alternância Democrática.

Havia um fundado receio de que um Regime de Bloco Central englobando os dois maiores partidos do Centro e tendo na oposição apenas dois pequenos partidos marginais, abafasse a sociedade e se enredasse num a teia de cumplicidades de interesses do seu pessoal político e administrador que se auto-protegeria no Poder relegando por muitos anos a possibilidade de alternância e de controlo político. Desta Luta civicamente empenhada em que alinharam muitos então independentes como Cunha Rego e Pacheco Pereira, resultou a eleição, no PSD, de Cavaco Silva e o apoio a Freitas do Amaral para a Presidência da República. No seguimento foi rompido o Bloco Central e entrámos de forma perduradora num regime de alternância Democrática. Freitas do Amaral ficou a escassos votos da eleição servindo de consolo aos que conceberam estrategicamente a sua candidatura que o objetivo principal, que era o de finalmente (ao fim de mais de 50 anos) eleger um civil para a Presidência da República , tivesse sido alcançado e que, embora perdendo, a onda da sua candidatura fez perceber que era possível um Governo não socialista com maioria absoluta na Assembleia da República; o que se veio a realizar escassos meses depois, permitindo ao País um importante período de estabilidade e desenvolvimento.

Da luta da Nova Esperança resultou a morte definitiva de Blocos Centrais e a consolidação definitiva da Alternância Democrática.

Estando este pilar assegurado existe ainda uma vertente do nosso Regime Democrático que necessita de ser reparada e consolidada. A questão do Governo da Maioria.

Julgo que em resultado dos preceitos constitucionais, que referem que “o Presidente da República designará o Primeiro Ministro ouvidos os partidos e tendo em conta os resultados das eleições”, se extrapolou abusivamente que caberia em qualquer das circunstâncias ao Partido mais votado formar governo mesmo que sem maioria. As eleições passaram a ser uma espécie de jogo em que para se ganhar bastava ter o maior número relativo de votos. Passou-se a respeitar o partido mais votado como se tratasse do partido com maioria absoluta.

Houve de facto nesta última legislatura circunstâncias especiais que justificaram e possibilitaram que tal acontecesse :

– Vínhamos de um governo de 10 anos do mesmo Partido e era real um certo sentimento opressivo , talvez porque já houvesse uma distanciação entre o Partido do Governo e a sociedade. Mega jantares de adesão ao Partido do Governo de muitos quadros da administração reforçavam a ideia de partido de Estado (este sentimento foi muito bem explorado pela imprensa que respondendo à arrogância com que se sentia tratada assumiu empenhadamente o papel de quarto poder sendo de alguma forma responsável pelo sucesso do Guterrismo, só agora começando a desvanecer-se o inevitável comprometimento daí resultante).

– Finalmente Mário Soares, que no seu primeiro mandato tinha sido de tal forma isento que foi apoiado pelo PSD na sua reeleição, sabendo que não poderia concorrer a nova eleição, aproveitou para consolidar a sua imagem de Pai da Pátria, cavalgando os ventos que ajudava a soprar, clamando contra governos de maioria na Assembleia a que chamou “ditadura da maioria”.   De tal forma esta imagem ainda hoje perdura que o PS ainda não se atreve a pedir ao eleitorado que lhe dê a maioria. Teve que ser o mesmo Dr. Mário Soares a despir a sua farda de candidato europeu supra partidário e de Pai da Pátria (que nunca foi mas que sempre soube fingir muito bem quando lhe dava jeito) para vir reclamar para o PS aquilo que quatro anos atrás denunciava e que é o normal em qualquer Democracia.

– O segundo maior partido tinha tido uma importante quebra eleitoral, estava desmoralizado, sem liderança e sem estratégia. Sabia que precisava de tempo para se recompor e para voltar a ser alternativa e que se provocasse uma crise recusando o Programa de Governo seria esmagado na repetição de eleições por um PS eufórico, em estado de Graça e com toda a imprensa no comboio. Marcelo Rebelo de Sousa entretanto eleito não só sabia isto tudo como genuinamente assumiu o patriótico valor da estabilidade. Um dos valores históricos do PSD que pouco tempo antes tinha levado Cavaco Silva a afirmar preferir um Governo Maioritário do PS se o PSD o não conseguisse. -No PCP Cunhal ainda dominava e parecia que se caminhava mais para expurgar do que para renovar.

-A proximidade do Euro impedia qualquer crise política que poria em causa a adesão europeia. Ora esta legislatura de Governo de Minoria tem que ser vista como exceção e não deve ser continuada no futuro. De facto não só as razões que a justificaram estão todas elas ultrapassadas como ficou demonstrada à saciedade os inconvenientes de tal solução:

-O Governo apesar de minoritário usou e abusou de todos os tiques de um Governo com maioria na Assembleia. Mesmos os debates parlamentares usaram das regras como se o Governo tivesse a maioria da Assembleia. Não houve qualquer cultura de humildade, nem procura de consensos, nem sequer de auscultação da oposição. Até questões tão importantes como entradas e saídas na Guerra foram sabidas pela oposição através dos jornais. Nunca houve tão poucos debates políticos na televisão como nesta legislatura…

– Por outro lado em questões tão importantes como por exemplo a aprovação do Orçamento o Governo nunca se disponibilizou para o debater consensualmente com as oposições, reclamando a sua cega aprovação em nome de ser o Partido mais votado esquecendo que o Povo não lhe deu a maioria.

– Aproveitou apenas o facto de não ter maioria para justificar a sua preguiça escusando-se a não tomar decisões ou promover e efetivar as indispensáveis reformas de fundo.

– Aproveitou este facto ainda para permitir a sua própria irresponsabilidade, e sobretudo a do seu grupo parlamentar, fazendo perder ao País muito tempo e dinheiro em questões, na quais o Primeiro Ministro sabia que podia confiar na responsabilidade da oposição para promover a sua inviabilização, como TotoNegócio, Uniões de Facto, Aborto e Regionalização. Matérias com as quais o Primeiro Ministro não concordava mas não teve para maçadas em fazer valer a sua autoridade

– Apesar de minoritário e em apenas quatro anos, o assalto aos lugares do Estado ultrapassou aquilo que tão criticava e que foi o resultado de 10 anos de Governo PSD.

-Por outro lado as oposições não podiam efetuar o seu papel de oposição, não podiam apresentar alterações orçamentais, não podiam (sem penalizar o País e se auto penalizarem) apresentar moções de censura, não podiam se apresentar a defender as suas alternativas… Não se podem constituir em alternativa!

Em Resumo um Sistema de Governo Minoritário não só não tem nada de Democrático (o País fica governado por uma minoria) como, com a diminuição na prática dos direitos da oposição, é o próprio Regime Democrático que fica posto em causa. Todas as circunstâncias que justificaram que nesta legislatura não tivesse podido ser de outra maneira estão ultrapassadas. O PS aliás aprovou no seu Congresso por quase unanimidade uma Moção dos Soaristas que claramente reconhece como possível uma Aliança de Esquerda com PCP, tendo como base a defesa do monopólio Estatal dos sectores chave como a Educação e Saúde.

Ora as eleições não são um jogo para premiar um vencedor (o mais votado); são um instrumento democrático essencial para encontrar o Governo que tenha o apoio da maioria (>50%) dos deputados proporcionalmente eleitos. Só assim será legítimo e disporá da indispensável força e estabilidade.

É saudável que os Partidos reclamem dos eleitores uma Maioria absoluta de votos. Mas se estes não lha derem têm de que retirar que a opinião soberana dos eleitores foi a de que a não deviam ter e que por estes foram assim condenados a fazer uma Coligação de Partidos para Governarem. Não podem é continuar a considerar como legítimo que apenas os votos de uma minoria dos eleitores sirvam para sustentar um Governo.

Mandará a prudência e bom senso que o Presidente da República ouvidos os partidos e tendo em conta os Resultados Eleitorais e consequente distribuição de deputados na Assembleia da República, designe para Primeiro Ministro quem lhe garanta ter apoio Maioritário na Assembleia, sem prejuízo de a primeira pessoa a quem caiba tentar formar governo e conseguir o apoio maioritário da Assembleia seja o designado pelo Partido mais votado. Obviamente se este o não conseguir deve de imediato informar o Presidente da República e endossar as responsabilidades ao segundo Partido.

Nas Democracias é assim. Uma maioria (sem entraves) no Governo e uma minoria (de mãos livres) na oposição. Assim sendo, defendo que o meu Partido, o PSD, faça desta questão um dos temas centrais e corajosamente se apresente aos eleitores para Liderar o Governo, se a área não socialista tiver maioria na Assembleia, ou caso contrário, para em nome dos seus eleitores ser Oposição, votando, como legitimamente lhe compete e os eleitores decidiram, contra Programas de Governo de outros.

Julho de 1999 António Alvim