Habemus Presidente. No passado dia 5 de novembro, Trump foi eleito Presidente dos EUA, numa landslide eleitoral. Um verdadeiro reality check à  coligação democrata, que julgava congregar latinos, mulheres, imigrantes e os mui-liberais da Califórnia e Nova Iorque, bem como parte dos denominados  white-colar workers da Rust Belt – Wisconsin, Michigan e Pensilvânia. A realidade bateu à porta e de que maneira. O povo norte-americano votou e  clamou por Trump. O país real levou de vencida o país de Hollywood, por 312  grandes eleitores no colégio eleitoral para Trump contra os magros 226 de Kamala Harris. O magnata granjeou virar o Nevada, Arizona, Geórgia e a Rust  Belt, tendo varrido os sete swing-states. A derrota não se deve à campanha de Harris, que até foi competente, por sinal. Deve-se ao impacto da inflação no bolso dos norte-americanos, aliás, é o maior inimigo dos pobres e da classe média. Numa forma sucinta e recordando a célebre questão de Reagan no  debate com Jimmy Carter, em 1980, que perguntava aos norte-americanos se estavam melhores do que há quatro anos? A resposta retumbante foi a eleição de Donald Trump, isto é, it’s the economy, stupid. 

Neste sentido, os democratas perderam porque se limitaram a falar do aborto, dos direitos LGBT, entre outras questões pós-materialistas. Não falaram  para os 99% dos norte-americanos, que trabalham, empobrecem e veem morrer inevitavelmente o american dream. Os valores são relevantes, mas não pagam contas. É assim que o cidadão comum pensa. A situação na Ucrânia é despicienda, é uma questão europeia que não diz respeito aos EUA, que só suga recursos financeiros, enquanto os autóctones, os norte-americanos, veem-se  forçados a apertar o cinto. A questão da imigração ilegal foi nevrálgica na  mobilização do eleitorado branco e latino, inclusive. A posição conservadora nos  costumes presenteou Trump com um recrudescer do apoio no âmago dos  homens afro-americanos.

De salientar que os norte-americanos não votaram necessariamente em Trump, num indivíduo. Votaram, sobretudo, num projeto, numa concepção do  que o mundo deveria ser – os famigerados good ol’days – e que, na sua ótica, foi subvertido pela esquerda ‘woke’. É uma reação ao progressismo radical e repentino das últimas décadas. Deste modo, a vitória do magnata é o epítome da ‘revolução silenciosa’ de Inglehart, que emerge como uma reação à nova esquerda e respetivos exageros.

A propósito, o progressismo não é necessariamente progresso nem é ser do lado do bem. Esta suposta  superioridade moral radicalizou o eleitorado e fez com que quem não se revisse  se sentisse marginalizado, esquecido, não importante, a mais na comunidade, uma persona non grata. Parte do progressismo, pois existe moderação, tal como se verifica no conservadorismo, tornou-se intolerante, sectário e dogmático, violando, por vezes, o senso-comum. Ser ‘woke’ não pode nem deve ser a norma  no seio progressista, muito menos da esquerda moderna e moderada.

De  qualquer modo, na noite de 5 de novembro o mundo assistiu à prova cabal que  diabolizar quem discorda de nós não nos torna melhores, donos da verdade, mais puros, mais dignos ou com pedigree. Torna-nos mais autoritários, por isso, menos democráticos e criamos uma sociedade de terra queimada, irrespirável e propensa à radicalização eleitoral de quem não o era. Isto não implica que todos os moderados se tornem radicais, bem pelo contrário. Não obstante, fomenta que uma porção considerável dos moderados esteja disposta a apoiar um projeto  radical – ou extremista, dependendo da perspetiva – por ser renegada e  repudiada pelo lado da barricada, em tese, que afirma ter sido bafejado pela  superioridade moral.

Os deploráveis de Clinton são o povo que votou Obama e tornou a votar Trump. Se a esquerda irá tirar ilações desta onerosa derrota, é incerto. O que é certo é que Putin, Netanyahu e Orbán acordaram na manhã de 6 de novembro com um sorriso plasmado no rosto.

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