A reforma do mercado grossista de eletricidade na Europa, em consulta pública até 13 de fevereiro, deverá levar à reforma das atuais regras comuns para o mercado de eletricidade. Esta será, provavelmente, a maior reforma desde que estas regras foram estabelecidas, em 1996.

O redesenho do mercado elétrico é, assim, um passo importante para a promoção da transição energética na Europa. A nova configuração do mercado pretende proteger os consumidores da possível volatilidade excessiva de preços e fomentar as fontes de energia limpas, a segurança energética e a resiliência do mercado. Como qualquer reconfiguração de mercado, a mudança não é livre de risco e, também por isso, este passo não poderá ser único nem último.

A Comissão Europeia está ciente disso e, como tal, complementa este esforço com a estratégia já estabelecida no Pacto Ecológico Europeu, onde se definem claramente os objetivos climáticos da União, e no plano REPowerEU, que visa reduzir a dependência dos combustíveis fósseis russos, “reorientando rapidamente a transição para as energias limpas”. O Plano Industrial do Pacto Ecológico, anunciado há poucos dias, suplementa também este esforço. O Plano atua sobre o quadro regulamentar (uma quase novidade na atuação europeia), o financiamento para produção de tecnologias limpas (com fundos nacionais e, por isso, uma potencial fonte de assimetria interna), a melhoria de competências e ainda a aposta no reforço das cadeias de abastecimento (tentando “proteger o mercado único do comércio desleal”).

Nas palavras da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen: “A Europa está determinada a liderar a revolução das tecnologias limpas”. Estes instrumentos pretendem, portanto, responder aos muitos desafios técnico-económicos, ambientais e sociais que a transição energética implicará. Ainda assim, as respostas que se pretendem obter, com estes e outros instrumentos, necessitam de inovação tecnológica, institucional e social.

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Precisamos de responder, entre outros, aos seguintes desafios técnico-económicos: acelerar a eletrificação, reduzindo a dependência do gás natural nos sectores residencial e industrial (um dos objetivos centrais do REPowerEU); garantir cadeias de abastecimento que nos tornem menos dependentes de relações bilaterais, como a dependência atual no sector da indústria solar; criar mecanismos que fomentem a segurança de abastecimento, desenvolvendo um mercado de serviços que permita ultrapassar algumas das obstruções à penetração de energia de fontes renováveis, como a inércia e estabilidade da rede; apostar no desenvolvimento da infraestrutura de transporte, reforçando interligações e promovendo uma rede europeia de transporte; preparar a rede de distribuição para uma produção mais descentralizada, com comunidades de energia e mais autoconsumo; garantir o armazenamento de energia, em baterias (como as barragens), evitando o curtailment; e garantir que o investimento na transição é sustentável financeiramente, tirando o máximo partido do investimento realizado e potenciando formas de transição que tragam proveitos às economias locais.

Na perspetiva do desafio ambiental e social, devemos olhar a transição energética além do eixo da neutralidade carbónica e dos intervenientes no sector da eletricidade. Serão variáveis importantes na equação, mas não são as únicas. Por exemplo: não conseguiremos garantir mais produção de energia eólica e solar sem afetar paisagens, lugares e ecossistemas. Por isso, precisamos de abordar o problema, discutindo-o publicamente e percebendo que (i) não há soluções indolores ou inofensivas e (ii) há um custo ambiental (também económico) que, socializando-o na medida do exequível, devemos olhar. Devemos também discutir, sem dogmas, tecnologias atuais já maduras, como a hidroeletricidade, encarando-as como agentes facilitadores da mudança. Do ponto de vista social é também importante promover a transição mobilizando sem esquecer ninguém, criar capital social sobre o tema e gerando a necessária consciência social, admitir que o investimento canalizado para este fim é investimento não realizado noutros problemas ou setores.

A reconfiguração do mercado de energia não é, portanto, remédio para todos os males. Ter consciência disso e dos múltiplos desafios do setor ajudará certamente a construir um mercado mais “verde, justo e resiliente” – como escreve a Secretária de Estado da Energia e do Clima, Ana Fontoura Gouveia, num artigo de opinião publicado no Público a 8 de fevereiro de 2023. Mas, para além das regras comuns para o mercado de eletricidade, é necessária ação complementar que promova a inovação necessária.