A energia tem vindo a marcar, de modo expressivo, as preocupações económicas e políticas dos últimos meses. Por um lado, com a invasão russa da Ucrânia, a energia passou a ser um vetor importante de mediação do conflito. Por outro, a evolução dos preços da energia, aliada à disrupção das cadeias de abastecimento, tem sido responsável por uma grande parte da onda inflacionista – que (por isso mesmo) provavelmente persistirá.

Como resposta a esta crise inflacionista a Casa Branca já veio anunciar o Inflation Reduction Act. Este projeto de lei, com uma dotação para energias limpas e mitigação das alterações climáticas de aproximadamente 370 mil milhões de dólares (cerca de 80% de um total de 470 mil milhões), é um importante impulso na transição energética nos Estados Unidos. O plano prevê o apoio expressivo para a integração de energias verdes nas indústrias intensivas em energia, desincentiva o fecho de centrais nucleares como medida de transição e dá um impulso ao desenvolvimento de energia eólica offshore e redes de distribuição e transmissão de energia elétrica. Além disso, o plano pretende assegurar uma redução significativa das emissões de metano e impulsionar a produção de hidrogénio verde. Com este plano a Casa Branca pretende atenuar os efeitos da inflação, em particular nos mercados da energia, apostando em energias verdes e mitigando danos das alterações climáticas de aproximadamente dois biliões de dólares.

Na Europa a resposta não foi muito diferente. Com a segurança energética em causa, a resposta de médio-longo prazo foi estruturada, em maio, no âmbito do RePowerEU (com uma dotação de 300 mil milhões de euros). No mais curto prazo, a resposta passou pelo adiamento do fecho de centrais termoelétricas a carvão ou nucleares e pelo desenho de medidas auxiliares transitórias, como a fixação do preço do gás para produção de energia elétrica na península ibérica. A estas medidas somar-se-ão certamente algumas outras, agora em discussão na União Europeia, que resultarão certamente em intervenções transitórias e estruturais nos mercados de energia.

No mesmo sentido ficamos a conhecer projetos e planos para transição, inovação ou segurança energética um pouco por todo o mundo, com o Canadá (e Alemanha) a apostarem no hidrogénio verde, o Japão e a Coreia do Sul a reinvestirem na energia nuclear ou a Austrália a acelerar para se posicionar como importante produtor de energia limpa.

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Os muitos planos apresentados demonstram o comprometimento da classe política com a urgência desta transição, sinalizando a necessidade de um novo paradigma e um caminho a percorrer. Contudo, muitos dos planos acenam com verbas sem considerar a componente social ou institucional necessária ao seu sucesso. A transição energética só será efetiva se conseguir mobilizar a sociedade. À capacidade social de criar valor positivo através da interação coletiva e humana, dá-se o nome de capital social. E, sem capital social nenhuma transição energética ocorrerá ou, ocorrendo, não será sustentável.

Os estudos desenvolvidos demonstram o impacto e importância do capital social na transição energética, em particular na sensibilização social para a causa ambiental e o apelo à ação política. Contudo, como sistematiza Grazia Giacovelli, existe uma dimensão do capital social que historicamente foi menos avaliada e trabalhada neste contexto. Esta dimensão diz respeito às características subjetivas (que individualmente se acredita serem partilhadas) que ligam as pessoas ao seu território. Esta componente ligada à identidade territorial pode, por exemplo, ditar o sucesso ou insucesso de processos de reconversão industrial (como os processos de reconversão de Sines ou Matosinhos) ou condicionar a viabilidade de instalação de novas instalações produtoras de energia (como parques fotovoltaicos ou eólicos in ou offshore).

Este capital social influenciou, direta e indiretamente, a construção do sistema energético português, de que são exemplo o investimento em energia hidroelétrica, a recusa da energia nuclear ou a aposta nas energias renováveis dos anos 2000. O capital social constitui, assim, uma característica específica de cada região que carece de um estudo singular da cultura local.

A transição energética precisa, para lá do redesenho dos mercados ou de uma dotação orçamental significativa, de um plano social que contemple educação, sensibilização e capacitação da sociedade. Os vários planos apresentados podem ser condicionados pela capacidade de trabalhar e mobilizar o necessário capital social. A perceção social acerca de reformas e a sua aceitação são condição imprescindível para o sucesso de qualquer plano. É necessário que as reformas considerem o enquadramento social e institucional atual e tenham capacidade de mobilizar os diversos intervenientes. Adicionalmente, o indispensável empoderamento dos cidadãos para a tomada de decisão consciente e responsável, estimulando o compromisso social e individual, pode garantir o sucesso da transição energética.