A invasão da Ucrânia pela Rússia veio confirmar a necessidade de a Europa aumentar a diversidade das suas fontes de energia. A exposição energética da União Europeia (UE) condiciona, hoje, a aplicação de sanções efetivas à Rússia sem criar um caos energético na Europa. É assim esperado um novo paradigma, mais resiliente e muito pensado no REPowerEU, que se fundamenta em razões de segurança de abastecimento e geopolítica, mas também em razões de estabilidade de preços.

Existem desafios imediatos, como o abastecimento europeu de gás natural liquefeito. Aqui, a península ibérica poderia ter um papel central, embora o assunto se jogue na Europa (em particular na Alemanha) em vários tabuleiros. A par disso, a médio prazo, existe um desafio maior: o compromisso com a descarbonização. Este deverá ser o eixo principal do novo paradigma energético, com a UE a assumir o compromisso de manter alcançável o objetivo de carbono zero. Um compromisso árduo que será, este ano, reavaliado na Sharm el-Sheikh Climate Change Conference (COP-27), em novembro de 2022 no Egipto. Assim, a instabilidade energética europeia é, em si, um desafio e uma oportunidade. Esta obrigará à avaliação das ações necessárias para cumprir as metas climáticas e à definição de uma nova cadeia de valor energética.

Perante este desafio, o que poderá fazer a Europa? Não só deve reafirmar o seu compromisso com a transição energética – limpa, internamente interdependente e segura –, como deve garantir, no plano internacional, que esta transição é vincadamente integradora (como escrevi em abril). A dimensão inclusiva só se fará com uma forte solidariedade internacional, em particular junto dos países em desenvolvimento. Para isso é necessário universalizar tecnologias limpas de produção e armazenamento com elevado grau de maturidade, em particular hídrica, eólica e fotovoltaica. Para que seja efetiva e impactante, a cooperação multilateral deverá ser apoiada num sistema de incentivos que a estimule.

Assim, a União Europeia não só precisa de novo paradigma energético como precisa construir um novo acordo energético internacional. Um acordo que seja a base para uma transição justa, que ultrapasse as suas fronteiras, que vá além de interligações energéticas e que crie uma rede de cooperação. Este novo acordo deve ser um instrumento de geopolítica, de apoio a uma construção mundial pacífica e um modelo solidário internacional. Com um novo acordo alinharemos os requisitos de uma transição energética efetiva, identificados pelo Fórum Económico Mundial, com os interesses nacionais ou comunitários.

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Até agora a urgência climática era o único motor da transição energética e trouxe-nos o início do fim do carvão. Com a crise do gás (até agora a energia de transição na UE) surge um motor geopolítico e económico que ajudará a potenciar novos projetos. Estes projetos, como a ligação ao Reino Unido de um parque fotovoltaico em Marrocos ou o abastecimento a Singapura por um parque solar na Austrália, serão fundamentais para a descarbonização. Contudo, sem um novo acordo internacional de cooperação, estes vetores poderão não ser suficientes por si só. É necessário aprofundar a cooperação internacional para potenciar mais projetos verdes.

A transição justa e inclusiva necessitará, em si, de um sistema de incentivos que faça confluir num propósito comum a atuação de vários atores. Assim, na próxima COP, qualquer posição deverá explorar as vantagens competitivas de cada país, firmando este novo acordo energético. Precisamos de desafiar ao máximo o conhecimento científico europeu, o potencial de energias renováveis de África e da Oceânia ou a capacidade industrial da Ásia, para criar um propósito comum e integrador.

Paralelamente, precisamos de promover um rearranjo do mercado de carbono que verta em vantagens significativas o esforço que cada país e empresa empenhe nesta transição energética universal e inclusiva. Precisamos ainda de promover acordos bilaterais de exploração e transmissão de energia renovável. Além disso, deveríamos permitir que o carbono potencialmente evitado por investimento multilateral em países em desenvolvimento pudesse reverter, em parte e via mercado, para os países financiadores – um instrumento importante para atrair países como os EUA, China ou Índia. Tudo isto promoveria a universalização de tecnologia e conhecimento e traria ganhos impactantes para a neutralidade carbónica.