O PS e o PSD vêm a regionalização como um ato de solidariedade com o portuguesinho que mora lá longe. Só que o portuguesinho que mora lá longe, numa terra em que toda a gente se conhece e que não votou no bloco central ao longo dos tempos, foi vendo o Presidente da Câmara da sua terra ganhando cada vez mais poder por decreto do Governo ao longo dos anos e já tem medo na sua terra de dizer em quem vota, tem receio de fazer o seu negócio sem a bênção da câmara municipal, tem cautela antes de concorrer às eleições da associação, tem terror de não conseguir emprego se pensar de forma diferente do partido vigente, não ousa reclamar do preço da água com o presidente da empresa municipal, que é simultaneamente presidente da concelhia do partido que manda, não se atreve a tirar satisfações com o administrador do hospital que também é presidente da sua junta de freguesia, de tentar saber o porquê do atraso da ambulância com o chefe dos bombeiros, que não tem curso da Escola de Bombeiros mas que é funcionário da câmara, de pôr o seu pai na IPSS que teve um jantar de campanha pago pela câmara ou de pôr uma notícia no jornal local, que não passa de um orgão instrumentalizado politicamente pela autarquia… e por aí fora.
Fui mais de uma década autarca em Lisboa e fora dela. Sei bem a importância das funções sociais de um autarca da linha da frente mas também sei bem que existem duas realidades completamente distintas no país, as citadinas e as rurais. Experimentem viver em cada uma delas e depois digam-me se não estou certo quanto ao sentimento de alheamento de Lisboa e Porto em relação à repressão política e ao controlo social vividos nas cidades mais pequenas… ainda achando que a descentralização não se fez e falando nela como quem faz ou preconiza um ato de solidariedade.
No que toca à corrupção e à multiplicação de “tachos” na implementação da regionalização, não os abordo neste texto porque muita gente irá relacioná-los no futuro.
No entanto, acho que os antigos regedores tinham muito mais a queixar-se de centralização do que muitos dos protagonistas locais, que são insaciáveis de poder e que usam lugares autárquicos para catapultarem familiares para lugares governativos à custa de um aparelho partidário.
Boas razões têm os professores para se assustarem com os sinais do Governo em querer “engordar” as autarquias, desta vez na área da educação. Quando as pessoas (professores, comerciantes, etc.) começam a sentir que o exercício dos seus políticos conterrâneos não é de confiança, o que pensarão então daqueles políticos que vivem nos palácios lá na capital.