A maior força da revolução iraniana é ser realmente um movimento de massas, de base cidadã, fortemente ancorado no descontentamento transgeracional, alargado a vários estratos sociais e económicos do país e verdadeiramente generalizado mas sem um líder ou uma rede de líderes. Não há dúvida de que existem coordenadores locais, anónimos e trabalhando na escuridão sob o anonimato, organizando os protestos de forma descentralizada a partir da Internet e das redes sociais e escapando entre os dedos do regime através de VPNs, algumas das redes ou plataformas ainda não bloqueadas mas sempre com muito engenho, inteligência e flexibilidade.

Esta ausência de uma liderança interna deve ser exemplo para outras revoluções que possam surgir no futuro (por exemplo na China ou na Turquia) porque além de desorientar um regime piramidal (que só concebe a oposição como tendo um “caput” único que pode, convenientemente, ser decapitado para acalmar rapidamente toda a contestação) resulta numa grande resiliência à repressão: se não há ninguém que possam executar, prender ou torturar para que acabe toda a contestação não há outra forma de a parar que não seja o atendimento das reclamações do povo em rebelião.

A esta “Revolução sem Líder” do Irão não faltam, contudo, líderes potenciais no estrangeiro, mais ou menos protegidos (porque é sabido que o regime tem exercido pressão e violência contra alguns exilados). Estes líderes estão a trabalhar no sentido de formarem um grupo único que possa representar no exterior a contestação no interior do Irão. Os seus nomes não dizem muito ao público ocidental mas os mais conhecidos são, provavelmente, os de Masih Alinejad, Reza Pahlavi, Nazanin Boniadi, Hamed Esmaeilion e Ali Karimi e todos representam tendências diferentes, as quais, felizmente, até ao momento não têm tido uma inclinação divisionista nem dentro nem fora das fronteiras do Irão.

A greve de três dias, entre 5 e 7 de dezembro, parece ter sido um sucesso um pouco por todo o país e os bazares fechados em Teerão são um sinal eloquente disso mesmo, recordando acontecimentos semelhantes que, em 1979, levaram à queda do Xá. Apesar da resiliência dos protestos, de uma intensificação e militarização crescente da repressão, os mais de 15 mil detidos, com roubos de cadáveres (para evitar a realização de funerais), intimidação de famílias, e o assassinato de mais de 450 pessoas, das quais muitos menores e crianças, parecem indicar que as declarações recentes de abolição ou suspensão da polícia da moralidade não vão reduzir o nível de contestação. Este não irá diminuir nem através de discursos, nem sequer (o tempo já o provou) com o aumento da repressão. Talvez a redução drástica dos níveis de corrupção, a melhoria da economia e a contenção da inflação pudessem acalmar o processo, mas qualquer um destes elementos é de efeito lento e não será suficiente para reduzir a contestação do povo contra o regime. Tudo indica que os protestos vão continuar e, se continuarem, acabarão por alcançar algum nível de sucesso. Resta saber qual…

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