1 O CASO RECENTE
Nos últimos dias, o debate sobre a aceitabilidade ou não de vultuosa compensação pela rescisão contratual de administradora sobre a qual surgem informações contraditórias relativamente à causa e fundamento da rescisão tem suscitado interessante debate sobre quais os princípios que devem reger a atual administração da TAP, a qual, como se sabe, passou a ser empresa pública e beneficiária de vultuoso apoio estatal de mais de 3500 milhões de euros.Ora este debate revela não haver ideias claras sobre os princípios e exigências éticas que devem nortear a sua gestão pois parece poder inferir-se que os deveres de informação e de cumprimento ético não serão prioritários. Mas será assim?
2 OS DEVERES DAS EMPRESAS PÚBLICAS
O Decreto-Lei 133/2013 com as posteriores alterações introduzidas em 2014 e 2016 estabelece o seu regime jurídico incluindo o Artigo 45º relativo ao seu dever de transparência que surge reforçado face às restantes empresas e ainda os Artigos seguintes sobre prevenção da corrupção e sobre deveres éticos:
Artigo 46.º
Prevenção da corrupção
- As empresas públicas cumprem a legislação e a regulamentação em vigor relativas à prevenção da corrupção, devendo elaborar anualmente um relatório identificativo das ocorrências, ou risco de ocorrências, de factos mencionados na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 54/2008, de 4 de setembro.
- O relatório referido no número anterior é publicitado nos sítios na Internet das empresas e da Unidade Técnica, para efeitos do n.º 1 do artigo 53.º
Artigo 47.º
Padrões de ética e conduta
- Cada empresa adota ou adere a um código de ética que contemple exigentes comportamentos éticos e deontológicos, procedendo à sua divulgação por todos os seus colaboradores, clientes, fornecedores e pelo público em geral.
- As empresas públicas tratam com equidade todos os seus clientes e fornecedores e demais titulares de interesses legítimos, designadamente colaboradores da empresa, outros credores que não fornecedores ou, de um modo geral, qualquer entidade que estabeleça alguma relação jurídica com a empresa.
Assinalou-se a negro deveres específicos que devem ser cumpridos.Estas exigências compreendem-se em resultado não só da dimensão pública das suas atividades mas também dos recursos, direitos ou prerrogativas públicas em que se fundamenta a sua existência.
3 O MISTÉRIO TAP
Na verdade os Relatórios da TAP relativos a 2020 e 2021 permitem extraír as conclusões seguintes :
- 2020
Este relatório refere preocupações éticas ao referir atividades visando a “prevenção da corrupção e do suborno”, em especial: a participação em iniciativa da UN Global Compact, a participação na Plataforma Portuguesa para a Integridade e a especificação de riscos específicos sobre “Ética e Compliance” na Matriz de de “Corporate Risk Management”
- 2021
Neste ano, já com a nova administração, a plena natureza pública e a atribuição dos elevados apoios públicos , não se encontra qualquer referência à dimensão ética salvo quando se relata a atividade dos Revisores Oficiais de Contas!
Em suma, será importante perguntar:
- Sendo a TAP atualmente empresa pública tão apoiada por recursos públicos porque não deve cumprir com o dever do Artigo 47º de adotar e divulgar um Código de Ética ?
- Sendo a TAP atualmente empresa pública tão apoiada por recursos públicos porque não deve elaborar o relatório sobre ocorrências e riscos previstos no Artigo 46º?
- Atendendo aos deveres referidos e à semelhança da prática adotada por empresas privadas, não seria essencial constituir Comissão de Ética na TAP?
Poderá referir-se que o cumprimento destes deveres não resolveria o problema em debate o que poderá ser ou não verdade mas a liminar e absoluta omissão sobre qualquer preocupação ética no Relatório de 2021 permitirá inferir ilações sobre a importância dada ao respeito pelos princípios da ética pública por empresa que já não existiria sem o vultuoso cheque dos contribuintes.