1 De crise em crise
Este século tem sido rico em crises, desde a crise financeira de 2009 até à razia da atual pandemia, pelo que, no termo deste infernal 2020, é já possível diagnosticar os principais padrões de reação do Estado português a estes infortúnios. Na verdade, poderá dizer-se que acabamos por implementar as decisões que os outros tomam, mas com a diferença de serem muito atrasadas no tempo o que agiganta os prejuízos políticos, sociais e económicos de forma exponencial, tal como se comprova por exemplos marcantes.

2 Slow motion na crise da dívida e da banca
Quando surge de forma evidente a crise dos mercados em 2009, e a generalidade dos Estados toma medidas radicais, Portugal foi continuando a acreditar que era episódio passageiro pelo que bastaria aprovar sucessivos PECs, também muito por influência de quem dirigia o Banco de Portugal. Quanto à recuperação da banca, ainda hoje não se completou a de alguns bancos colapsados desde 2008, ao contrário de exemplos estrangeiros, como o do Lloyds Bank do Reino Unido, recuperado ao fim de menos de dois anos, aliás, pela mão de um português, Horta Osório, cuja experiência e competência parecem não interessar aos dirigentes portugueses.

3 Slow motion nas escolas
Logo que surge a pandemia, numerosos Estados apressaram-se a melhorar os meios de ligação digital para todos os seus alunos dos ensinos básico e secundário. Em Portugal tivemos anúncio de tal programa pelo Primeiro-Ministro, em Maio passado, e agora pelo Ministro da Educação, prometendo 100 mil computadores para as escolas. O problema é que não chegou nenhum, pelo que é natural que comecem a chegar quando a pandemia já tiver passado…

4 Slow motion na Saúde
Todos nos recordamos do início da pandemia, quando já se tinham generalizado os controlos fronteiriços, designadamente nos aeroportos, e Portugal nem sequer controlava os voos vindos de Itália que era então o principal foco pandémico. Ao longo destes meses, as medidas foram sempre tardias e não planeadas, tal como aconteceu no episódio da vacina contra a gripe, que até justificou a crítica de Rebelo de Sousa.

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5 Slow motion na Justiça
Os atrasos da nossa Justiça são já proverbiais, arrastando-se por anos e décadas, mas recentemente tem-se generalizado a prática de aplicação de graves sanções, incluindo a perda de emprego ou a detenção ao longo de meses, ficando os suspeitos à espera não só do julgamento, mas até de saberem se irão ser ou não ser acusados ao longo de anos e sem prazos conhecidos ou que devam ser respeitados. Os atrasos na Justiça fiscal e comercial também conhecem exemplos aparatosos que afastam muitos investidores. Em suma, ignora-se a máxima inglesa, justice delayed, justice betrayed.

6 Slow motion na TAP
O colapso do mercado de transporte aéreo exigiu reestruturações rápidas e radicais na generalidade das companhias aéreas, as quais foram sendo tomadas e implementadas entre Março e Junho de 2020, mas tal não aconteceu com a TAP. A reestruturação levou 10 meses a ser elaborada e prevê-se que surja em Março de 2021, ou seja, 12 meses depois de surgir o problema. Curiosamente, nos debates havidos tudo se discute, desde o número de aviões aos despedimentos, mas ninguém se interroga porque será que a TAP é a única transportadora, a nível mundial, que será reestruturada com um ano de atraso, o que gera custos para os contribuintes e problemas adicionais gravíssimos para a empresa.

7 Darwin e o Estado português
Todos nós conhecemos muitos outros exemplos, desde a Segurança Social à construção de hospitais, que confirmam a tese do ESTADO SLOW MOTION, pelo que convém recordar a máxima de Darwin: os organismos que melhor resistem, não são os mais robustos, mas sim aqueles que se adaptam melhor e mais rapidamente às mudanças! Ora, este estilo slow motion não estará a contribuir para que a remuneração média da hora de trabalho em Portugal seja a segunda mais baixa da UE em paridade de poder de compra? Será possível ter um roadmap de desenvolvimento, num mundo em mudança cada vez mais rápida, com esta lentidão do nosso Estado? Esperemos que o novo ano nos desperte a todos para este desafio!