É incontornável refletir sobre o tema quente do momento na Educação: a “luta” dos professores.
O ano letivo abriu as portas na presença ameaçadora de uma “nuvem cinzenta” que paira sobre o sistema educativo — a escassez de professores. Durante algum tempo foi assunto explorado pelos media, mas rapidamente foi ultrapassado por um problema que se apresenta cada vez mais revigorado e persistente — a “luta” dos professores que se estreou com duas greves (em 2 e 18 de novembro) de características convencionais.
Enquanto a maior parte das forças sindicais em negociações com a tutela optou por dar tréguas, um sindicato apresentou sucessivos pré-avisos de greve, que mereceram adesão imediata no mês de dezembro, todavia, assumindo contornos atípicos e uma duração indeterminada, o que surpreendeu tudo e todos, dado os seus predicados, e que voltou a inovar quando, na passada 4.ª feira, foi alargada ao pessoal não docente.
Percecionando a perda de terreno nas reivindicações e, principalmente, os moldes da organização da “luta”, outros sindicatos arrepiaram caminho e convocaram greves ao 1.º tempo letivo dos horários dos professores, concentrações, manifestações, acampamento… numa corrida contrarrelógio, tendo em conta o desvio do protagonismo para outras instâncias.
Parece que estamos a assistir a um concurso entre sindicatos de professores, ávidos dos holofotes dos media, numa altura em que são dispensáveis tiques de vaidade inibidores do sucesso da causa coletiva que diz respeito aos professores, não consentindo egos exacerbados e atitudes de sobranceria da parte dos organismos que os representam, muito menos das suas lideranças. Percebe-se uma nítida divisão sindical, à qual se contrapõe a união da classe docente. Quem lucrará com a continuação desta dicotomia?
Alicerçada no pretenso novo processo de contratação de docentes (uma vez que o ministro reafirmou que este não passará para as autarquias), a meu ver, esta “luta” deverá focar-se nos problemas de base que afetam sobremaneira os professores, e que, de forma reiterada, tenho vindo a expor, considerando a urgência de serem expressos na agenda de trabalhos das reuniões de negociações futuras:
- “6 anos, 6 meses e 23 dias” foi o slogan que alguns sindicalistas, durante anos, ostentaram na lapela, num sinal claro de reivindicação pelo tempo retirado aos professores. Ora, ao deixar de o fazer, veiculam a intenção de dar o assunto por encerrado; erro crasso de quem tem obrigação de continuar a introduzir este assunto no topo da agenda de trabalho;
- o atual modelo de avaliação de desempenho dos docentes e diretores é um processo fraturante, perturbador da paz e da estabilidade que deve vigorar nas escolas, por ser injusto e discricionário, inadequado e aberrante, levando à instalação de suspeições e de um mal-estar generalizado, afirmando-se um constrangimento deveras preocupante para os professores, confrontados com barreiras fantasiosas, fabricadas exclusivamente para impedir a progressão aos 5.º e 7.º escalões da carreira e, assim, a possibilidade de atingir o escalão máximo (10.º);
- a baixa remuneração auferida pelos professores impõe atualização, tendo em conta a responsabilidade e a exigência que a profissão acarreta, facto a que acresce, ano após ano, a diminuição do respetivo poder de compra;
- a ausência de apoios para os professores colocados a dezenas/centenas de quilómetros das suas habitações, quer no que respeita à deslocação, quer no tocante à estadia, contrariamente ao que acontece (e muito bem) com outros funcionários públicos;
- a incomensurável carga burocrática que envolve o trabalho docente e que arrasa com a energia e o horário destes profissionais, desviando o foco da ação do professor de quem deve ser a sua prioridade: os alunos. Para além do elevado número de discentes e turmas atribuídos a alguns professores, estes sentem dificuldade em conciliar a sua vida profissional e familiar atendendo ao exorbitante número de horas que despendem semanalmente (incluindo fins-de-semana) e à quantidade imensa de TPC (trabalhos para casa) que carregam diariamente para suas casas.
Faço votos para que prevaleçam o bom senso e a vontade férrea que permitam à tutela e aos sindicatos o regresso à mesa das negociações, no mais curto espaço de tempo possível, empenhados em lavrar um pacto para a Educação que, outrora, se pedia que existisse entre os governos e os principais partidos da oposição, mas que neste momento é imprescindível ser estabelecido entre as entidades em confronto. Aconselho a necessária presença do Ministério das Finanças, sem o aval do qual se afigura impossível chegar aos consensos almejados, percebendo-se que a presente demanda passa pela tomada de medidas que valorizem e dignifiquem a carreira docente, respondendo afirmativamente às reivindicações dos professores, mas, igualmente, realizando um maior investimento nos recursos humanos das escolas e na Escola Pública, algo que aquele ministério, independentemente da cor governamental, tem desprezado de forma categórica.
Haverá humildade suficiente, de parte a parte, para repensar um futuro melhor para Portugal?
Professor; diretor
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.