Quando uma mulher ganha eleições, é uma vitória para todas as mulheres… se essa mulher for de esquerda. É uma nuance importante, amiga leitora – não sei se já tinha dado conta. Voltou a tornar-se evidente este domingo, quando o PS perdeu um deputado e ganhou por magro 1% as eleições Europeias em Portugal. “Esta é também uma vitória das mulheres”, disse Marta Temido. “É a primeira vez que uma mulher ganhou uma campanha nacional”, decretou o líder do partido Pedro Nuno Santos, naquele tom épico de messias do 5.º esquerdo. E era. Que coisa extraordinária de que se vangloriar: ter tido a coragem de escolher uma mulher para cabeça-de-lista às Europeias… Quem sabe, um dia, um grande partido em Portugal poderá escolher uma mulher para cabeça-de-lista às Legislativas? Isto é, para liderar, mas liderar mesmo, o partido, o governo, o país.

Ah, esperem. Isso já aconteceu. No PSD, quando Manuela Ferreira Leite ganhou a três adversários homens nas internas de 2008 e se apresentou às Legislativas de 2009 e perdeu contra José Sócrates. Ou, mais tarde, a Assunção Cristas no CDS, que até foi ministra e até esteve de licença de maternidade quando ocupava o cargo.

Sim, os dois partidos tradicionais de direita em Portugal já foram liderados por mulheres. Esses dois antros conservadores reaccionários machistas neofascizantes. E não começaram domingo, mas há mais de década e meia. Talvez não se recorde porque, então, as vitórias não foram celebradas como sendo “de todas as mulheres”. Não eram. Eram lá coisas da direita. Só o PS, esse bastião dos direitos das mulheres, que nunca foi liderado por uma mulher, é que pode reclamar estas coisas para si. E o PCP. Aliás, à esquerda, só o Bloco tem tido lideranças no feminino e cabeças-de-lista e candidatas presidenciais abundantes (quase sempre rodando entre as mesmas três, mas não vem agora ao caso). E o PAN, admitindo que seja de esquerda, questão que nunca percebemos, mas que mimetiza fielmente, devo dizer, o comportamento político da minha gata: evasivo.

Mas, agora, o que importa é que Pedro Nuno tem razão. Não falamos de eleições internas dos partidos; falamos de eleições gerais. Este domingo, uma mulher ganhou pela primeira vez uma campanha nacional. Foram precisos 50 anos de democracia. Oh, escândalo. Oh, vergonha. E sabem quem é que contribuiu imenso para isso? O PS, que foi de longe o partido mais votado em Portugal nos últimos 30 e nunca elegeu uma mulher para a sua própria liderança.

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O fenómeno não acaba em Vilar Formoso, como a leitora de esquerda ou direita saberá. Pergunto-me se, no Largo do Rato, se terão festejado os resultados do partido de Giorgia Meloni em Itália como “uma vitória de todas as mulheres”. Ou os do partido de Marine Le Pen em França. Ou sequer a vitória das forças que apoiam Ursula von der Leyen à frente da Comissão Europeia. Mas não é modernice, não se pense; é tendência que vem de longe. Angela Merkel não contava como mulher. Margaret Thatcher muito menos. Christine Lagarde só se cruzaria com um cartaz feminista se, por acaso, fosse agredida com um. Aos poucos, as mulheres vão ocupando cada vez mais cargos de liderança – a União Europeia talvez nunca tenha sido tão liderada por mulheres como hoje – mas isso só é importante, só é histórico, só é uma “vitória das mulheres”, se as mulheres não forem de direita. Se forem de direita, até são caricaturadas com traços masculinos, de dureza, austeridade, frieza, falta de feminilidade. Thatcher era “a dama de ferro”, Manuela Ferreira Leite a sua versão portuguesa. Porque só é defesa dos direitos das mulheres, só é luta pela igualdade, se vier da esquerda. A esquerda tem o exclusivo. E que incrível vai ser no dia em que o decidir pôr em prática.

É daqueles mistérios do universo que, receio, está para durar. Estudos recentes, em diferentes países, mostram que, na geração Z, nascida entre 1990 e 2010, se vai acentuando uma clivagem: os rapazes são de direita, as raparigas de esquerda. Essa esquerda que, de resto, tende a ser hipercrítica das sociedades ocidentais e empática para com culturas particularmente repressivas com as mulheres.

Mas que sei eu? Sou apenas um homem. De direita. Nunca percebi o que as mulheres querem. Quanto mais as que o Pedro Nuno convida para cabeças-de-lista.