Para tentar combater a dificuldade que reconheço na sociedade civil em se fazer ouvir pelo poder político, mesmo quando apresenta ideias tecnicamente racionais e bem fundamentadas, tenho sido levado a escrever os artigos que publiquei aqui e no LinkedIn.

E tenho-o feito com a preocupação de apresentar, também, um roteiro que apenas pretende contribuir para o enquadramento e definição de um sistema de apoio à decisão consistente. Tenho tentado não me limitar, apenas, em historiar as situações que ocorreram e em fazer comentários e reflexões gerais.

Mas, apesar dos esforços que eu, e outros como eu, têm vindo a fazer, receio que as decisões já tenham sido tomadas, embora não divulgadas, estando-se apenas à espera de lhes dar uma roupagem e um timing que se julgue que caia melhor na opinião pública.

Tive muito recentemente acesso a um estudo, datado de Maio de 2012, que apresenta, para a 1ª fase do Aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete, um custo e prazo estimados inferiores ao custo e prazo que têm vindo a ser divulgados na imprensa para a construção da solução temporária do Montijo. Este estudo parece constituir uma tentativa honesta de evitar que a solução temporária do Montijo fosse construída em detrimento da 1ª fase de Alcochete que, como tenho vindo a referir, constitui a solução de futuro.

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O estudo, designado por “Plano Estratégico dos Transportes – A evolução Desejável do Aeroporto de Lisboa”, foi realizado por um grupo de consultores multidisciplinares, nacionais e internacionais, agrupado sob a sigla ACLA – Aeroporto Complementar de Lisboa Alcochete, que li e tive autorização para mencionar. O estudo foi entregue na data da sua realização a várias entidades nacionais envolvidas neste processo aeroportuário não tendo, aparentemente, sido discutido, interiorizado ou levado em conta.

Com base nas suas conclusões, que, como disse, estão em linha com os trabalhos desenvolvidos no âmbito do Consórcio Asterion, não consigo vislumbrar qualquer racionalidade económica, e muito menos ambiental, em preferir construir um aeroporto temporário no Montijo em vez de iniciar de imediato a solução constituída pela 1ª fase de Alcochete, que até já tinha um estudo de Avaliação Ambiental Estratégica aprovado, realizado pelo LNEC, entretanto deixado cair ou caducar.

Os argumentos que oiço à exaustão, nos jornais e nas televisões, referem a solução temporária no Montijo como mais rápida e envolvendo um investimento financeiro menor. Como tenho referido várias vezes, sempre duvidei destas duas premissas e nunca vi nenhuma fundamentação técnica que o demonstrasse. Aparentemente, há afinal uma análise técnica que contraria o que nos tem vindo a ser veiculado de forma consistente para que a solução temporária do Montijo seja escolhida e implementada.

Chegados a esta altura, não ficaria bem comigo próprio se não admitisse que posso estar errado. Pode haver estudos que não conheço, informação confidencial que não seja do interesse de alguns divulgar ao público, além de um sem número de coisas a que não tive, nem tenho, acesso e que invalidem o que tenho vindo a defender. Pode ser. Mas, como cidadão, acho que tenho direito de ser minimamente esclarecido da forma como as decisões são tomadas e de como, afinal, o processo decisório é transparente e tecnicamente fundamentado. E, até que isso aconteça, não me vou demitir de tomar uma atitude responsável que é, face ao meu envolvimento técnico anterior na definição de uma solução aeroportuária para Lisboa, informar da sociedade civil numa questão de futuro que a todos afeta.

Bem sei que este governo, e outros anteriores, têm desenvolvido capacidades acrescidas para nos fazer de parvos e de irresponsáveis. E, aparentemente, muita gente gosta de ser parva e irresponsável. Todos os escândalos que se têm verificado, há mais ou menos tempo, na justiça com nomeações dirigidas, da embrulhada das armas de Tancos, no combate aos incêndios e as histórias do SIRESP e dos aviões da Força Aérea, das maternidades e urgências fechadas, da insuficiência da vigilância policial, na defesa de um SNS inoperante e tantas outras questões, e a forma como são desculpados e contados à opinião pública fazem-me duvidar que alguma vez alguém nos conte uma história transparente sobre este processo de decisão aeroportuária.

Não havendo uma informação clara e objetiva por parte dos decisores políticos à população, de comparação do Montijo com a 1ª fase de Alcochete, não me parece muito atrevimento perguntar qual a razão da escolha do primeiro face ao segundo. Porque se está a defender a solução temporária do Montijo com tanto afinco, nomeadamente, por comentadores pelos quais tenho respeito, enquanto tal? Estão mal informados? Há interesses a defender que não se quer/pode divulgar? Qual a base de fundamentação técnica que leva o ministro Pedro Santos a dar o espetáculo que deu com o seu controverso e revogado despacho, o que leva Luís Montenegro (e Carlos Moedas) a ter uma posição sobre Montijo ou Alcochete, o PCP a defender Alcochete e os outros partidos a não dizerem nada? Falam por populismo e eleitoralismo? Ou porque, como têm que dizer qualquer coisa todos os dias, preferem optar pelo que julgam que lhes vai conseguir maior taxa de aprovação na próxima sondagem que vier a ser divulgada?

Por favor poupem-nos e, principalmente, ajudem-nos a entender as opções que vierem a ser tomadas. Nem todos somos parvos e irresponsáveis, mas somos sensíveis a processos de decisão sérios, honestos e transparentes. Já que não conseguem ou não querem fazer as tão necessárias reformas na Administração Pública, pelo menos tenham uma abordagem racional ao que vai ser feito de novo.