Achei pouco ajustado escrever sobre as possíveis localizações do novo aeroporto de Lisboa enquanto não fosse concluída a elaboração do Estudo da Comissão Técnica Independente criada pelo governo PS, em sintonia com a liderança do PSD.

Agora que o estudo foi divulgado tenho estado a ouvir os mais entusiastas comentadores que temos na sociedade a opinar sobre o assunto, para além de autarcas afetados pelas soluções que foram estudadas e grupos de pressão que nem sempre esclarecem os seus interesses nas localizações que defendem.

Tal como escrevi em artigos anteriores, há três ideias simples que considero fundamentais:

  • A Portela deve ser fechada, assim que for possível. Não é que não seja agradável ter um aeroporto à porta de casa mas tal não é compatível, nem com a poluição sonora que causa aos milhares de moradores que são afetados, nem com a poluição atmosférica resultante da operação de um aeroporto internacional no meio da cidade.
  • Com base no entendimento referido antes, não posso defender nenhuma solução como as preconizadas para o Montijo, Alverca, ou locais na mesma situação porque só iriam estender a uma população ainda maior os problemas de poluição que a Portela origina com o seu funcionamento.
  • A solução escolhida deve ser flexível para se adaptar às previsões da evolução da procura, permitindo um faseamento adequado do seu desenvolvimento.

Além destas ideias, há uma realidade, incontornável:

  • A ANA/Vinci tem um Contrato de Concessão com o Estado Português que lhe dá o direito de operar todos os aeroportos nacionais.

E, por fim, há um objetivo a cumprir:

  • Minimizar o esforço financeiro dos contribuintes na solução que se decidir implementar tentado que, se existir, possa ser de alguma forma ressarcido.

Quando em 2007 o governo Sócrates anunciou que ia lançar um concurso para a Privatização da ANA e Construção de um Novo Aeroporto de Lisboa, o governo tinha um muito maior grau de liberdade para decidir o que fazer pois a ANA era uma empresa pública e a localização do NAL seria onde se considerasse mais adequado, dentro das limitações legais e sociais existentes.

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Na sequência deste desafio/indicação do governo, estive profundamente envolvido numa proposta que se pretendia apresentar ao referido concurso. Como pude constatar pessoalmente, não havia investidores aeroportuários internacionais que não quisessem estar envolvidos no processo, construindo o Aeroporto onde o Estado quisesse e assumindo a totalidade do investimento necessário para o fazer sem recorrer a dinheiros públicos.

Infelizmente, o governo de Sócrates, durante o período entre 2007 e 2011 nunca conseguiu lançar o concurso e todo o processo foi parado devido à bancarrota em que esse mesmo governo deixou o país, o que o obrigou a pedir ajuda externa corporizada pela Troika. O governo Passos Coelho, aparentemente por imposição externa, decidiu privatizar a ANA, deixando no Contrato de Concessão a obrigação da construção de um Aeroporto quando determinados parâmetros de procura e de tráfego fossem ultrapassados. Não havia qualquer referência ao local para esse novo aeroporto.

A privatização ocorreu, estando eu a trabalhar no Brasil, em aeroportos, mas recordo-me que a imprensa da altura fez eco de que o valor que a Vinci pagou pela ANA tinha superado as expectativas e constituído um excelente negócio para o Estado.

Mais tarde, a ANA/Vinci veio a propor a construção de um novo aeroporto no Montijo que, aparentemente, terá tido a aquiescência do governo de Passos Coelho, embora o aditamento que contratualizou esta localização no Montijo só fosse assinado pelo governo de António Costa, com Pedro Marques.

Atualmente a situação é diferente porque, para além do Estado, há um outro ator que tem uma palavra a dizer, a ANA/Vinci, com quem existe um contrato de Concessão válido por décadas. Como referi em artigos anteriores, esta é uma situação que é impossível de ignorar porque condiciona qualquer solução de localização. A ANA/Vinci, ao assumir o Montijo no Adicional ao Contrato de Concessão, começou a falar do investimento que, eventualmente, lhe estaria associado, com fundamentação que desconheço. Qualquer outra solução que lhe seja imposta obrigará, imagino eu, a uma negociação com eventuais contrapartidas financeiras, de duração da concessão ou outras.

Mas o governo PS e a liderança do PSD têm-se comportado, agora, como se comportava o governo Sócrates antes da privatização da ANA, num contexto diferente. Ou seja, como podendo dispor de tudo e de todos sem se preocuparem com a realidade legal existente.

Patrocinaram a identificação de várias localizações com o espírito clubístico que anima a nossa sociedade, com defensores intransigentes de cada uma das localizações e, mais houvesse (e tantas houve), mais gente haveria a defendê-las. Porque, como no futebol, toda gente é treinador de bancada e gosta de veicular os seus pontos de vista independentemente dos conhecimentos que tem sobre os assuntos.

Os resultados do estudo da Comissão Técnica Independente foram recentemente dados a conhecer. Pelo que tive oportunidade de ver o estudo parece-me, em geral, equilibrado, limitando-se a expor e valorar alternativas que identificou (demasiadas, julgo eu). Aparentemente, ignorou a existência do Contrato com a ANA/Vinci.

Tal como referi em artigos em 2022, sempre fui favorável a uma solução que não fosse dual e sempre defendi que a melhor localização para um futuro Aeroporto era o Campo de Tiro de Alcochete. Por isso, não me surpreende que tenha sido essa a conclusão do estudo. E tenho dificuldade em entender que se diga que a CTI não era independente ou profissional só porque o estudo não avalia, mais ou menos positivamente, as soluções que alguém gostaria que fossem defendidas. Pretendia-se que nessa CTI estivessem representantes de todas as localizações? Como se garantiria que esses representantes tinham habilitações técnicas para a incorporar? A CTI passava a ser política (como se não bastasse toda a política já envolvida) e não técnica.

Não conheço os técnicos envolvidos mas quero crer e espero sinceramente que, apesar das simpatias que alguns deles possam ter exprimido em determinados contextos por esta ou aquela localização, todos tenham tido um comportamento profissional. Se existirem provas de não profissionalismo ou de práticas menos próprias, que se identifiquem e se aja em conformidade.

Resumindo, continuo a achar que a Portela deve fechar assim que possível e que se deve avançar para construção de um aeroporto com flexibilidade de desenvolvimento, para que possa ser faseado, e distanciado de áreas urbanas densamente povoadas, de modo a que se possa tornar, a breve trecho, num Aeroporto Internacional de Lisboa de sucesso.

A sua dimensão deve ser adequada à procura existente e à sua previsível evolução ao longo do tempo. Ser faseado implica uma solução que só será fácil de garantir em Alcochete, Vendas Novas ou Santarém. O Montijo é, no meu entendimento, uma opção técnica muito infeliz que deve ser completamente descartada.

Não posso deixar de referir que se tinha estimado em 2011 que um aeroporto com duas pistas totalmente operacionais seria construído entre 4 a 5 anos. Quando se afirma, agora, que uma pista demorará 7 anos a ser construída fico com a ideia que, mais de dez anos depois, a engenharia portuguesa deve ter regredido muito em termos tecnológicos e técnicos. Não é o que, evidentemente, se passa na capacidade da engenharia e de construção em outros aeroportos internacionais.

De forma idêntica, oiço falar em investimentos da ordem dos 8 mil milhões de euros, mas nunca se refere se se está a falar de uma primeira fase ou do horizonte de projeto. O rigor e a imparcialidade das pessoas que referem estes números deixa muito a desejar, mas conseguem o soundbite que procuram e que depois é divulgado, com sensacionalismo, pela imprensa.

Imagino que uma atuação sensata seria a de um próximo governo, sem arrogância e na posse das conclusões do estudo da CTI, reunir com a ANA/Vinci para, de boa fé, discutir a viabilidade de avançar com uma solução tendo por base um Business Plan bem elaborado, consensual e transparente, e adequado à realidade existente. As discussões a que hoje assistimos, parecem, por isso, fora de contexto e, assim sendo, irrelevantes.

Encontrar uma solução não será fácil pois, se não se pode ignorar a existência da ANA/Vinci, dos seus legítimos interesses e expectativas, também não deverá ser aceitável hipotecar toda uma estratégia de desenvolvimento nacional a um Adicional, mal negociado e infeliz, acrescentado a um Contrato de Concessão.