Liderança. Em 22 de abril de 1941, Henry Stimson, o ministro da Guerra americano, um «falcão», leal conselheiro de Roosevelt, mas cansado das suas hesitações perante o domínio nazi na Europa, farto das excessivas cautelas perante a forte corrente isolacionista no país, fez chegar ao Presidente uma crítica sob forma de conselho, um comentário que era uma repreensão e uma pérola. Com inteligência temperada com a elegância de um amigo, disse assim: «Sem liderança de parte dele seria vão esperar que as pessoas tomassem espontaneamente a iniciativa de lhe fazerem saber se o seguiriam ou não caso ele tomasse de facto a liderança».

Líder. Quinta-feira, às 20 horas, o Presidente da República portuguesa falou ao país e, em resumo disse:

  • que o comportamento do ministro Galamba é irresponsável, incompetente, e, portanto, indigno de confiança e comprometedor da sua autoridade; e que não basta pedir desculpa, porque não fica tudo na mesma;
  • que se governo e chefe de governo não compreendem isto, se acham que nada disto importa nem tem consequências, então há uma divergência profunda com o Chefe de Estado, e é também o governo que é irresponsável, incompetente, e portanto indigno de confiança e falho de autoridade;
  • que o Presidente não dissolve a assembleia, porque os portugueses não desejam esse sobressalto, desejam é que o governo governe, para que não aconteça como até agora que os números [leia-se: a propaganda] nunca cheguem sob forma de benefícios à vida das pessoas;
  • mas que, quebrada a confiança no governo e no primeiro-ministro, tendo em conta a confirmação dessa diferença «profunda» sobre lealdade, ética e métodos, o Presidente está a partir de agora obrigado a vigiar com mais atenção, e a avaliar, e a intervir constantemente.

Descrevi aqui no Observador, há dias, o filme do meu wishfull thinking: o filme de um Presidente da República traído e frio, eficaz, mas contido, a utilizar a sua inteligência, cultura e contactos superiores para fritar longa deliberada persistente e malevolamente o político «hábil» na manobra, mas medíocre na governação, até que se afaste a bem do progresso, da sanidade e da decência.

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Ora o discurso do Presidente, se não é o meu wishfull thinking, é muito, muito parecido.

Audiência. Surpreendentemente, alguns comentadores conotados com a direita não compreenderam e não gostaram. Queriam dissolução, queriam sangue. E, estonteados com a blitzkrieg da sua própria inteligência, ou embalados no ódio de estimação a Marcelo, ou cristalizados na antiga visão do Marcelo das intrigas e dos factos políticos, declararam o «hábil» Costa vitorioso, e deram-lhe pontos. Não pensaram nem por instantes nas vantagens de um Governo próxima e metodicamente escrutinado. Não pensaram nem por instantes no risco de umas eleições intercalares à pressa, subestimaram as armas que o PS tem agora, e nem olharam para os próprios media onde comentam. Se tivessem olhado teriam visto na SIC e na TVI, no dia a seguir à decisão de Costa de manter Galamba, uma barragem de propaganda socialista verdadeiramente obscena, a pretexto do «Governo mais próximo».

Não compreenderam sobretudo, esses comentadores conotados com a direita – porque nem sequer ouviram, e nem sequer repararam – que Marcelo se apresentou como líder da oposição. Porque é assim que se traduz esta sua afirmação (e Marcelo nem diz, nem muito menos escreve, o que não quer dizer ou escrever): «Como Presidente da República escolhi há mais de sete anos tudo fazer para garantir a estabilidade constitucional. E penso ter conseguido, vindo de um hemisfério político — da direita — conviver esses mais de sete anos com Governos do outro hemisfério político — o da esquerda — sem conflitos institucionais sensíveis».

Pois é, mas como não há «capacidade, confiabilidade, credibilidade, respeitabilidade, autoridade», também não há «respeito» nem «confiança» – disse o PR e eles esqueceram-se de ouvir.

Esteira. Há definições de liderança para todos os gostos, e o mesmo para a caracterização dela. Uma coisa é certa: centro-direita e direita deixaram de ter, desde ontem, a possibilidade de desculpar as próprias inacção e apatia, as guerras intestinas de alecrim e manjerona com o pretexto lamentoso da distância, do desamor, da acrimónia do Presidente. Pouco me interessa se PSD e IL e CDS se aliam ou não, desde que se entendam, e trabalhem, e proponham programas, e intervenham. Pouco me interessa que PSD, IL e CDS não queiram alianças com o Chega, desde que se lembrem de 399.510 votos. O que me interessa é saber se, depois de declarar guerra à desordem e mau governo socialista, o Presidente olha para trás e não vê ninguém com ele.

É, de facto, como dizia Stimson: agora, é esperar que as pessoas tomem espontaneamente a iniciativa de lhe fazerem saber se o seguem ou não, agora que ele tomou de facto a liderança.

(o autor escreve em português, e não segundo o acordo ortográfico.)