Sempre me causou espécie que as línguas finlandesa e húngara pertencessem ao mesmo ramo linguístico, o fino-úgrico, pois dos confins da Lapónia a Budapeste vão mais de três mil quilómetros, e há nesse espaço uns quantos países com várias línguas e dialectos, o que na minha ideia deveria ser tampão suficiente para impedir o contágio.

Meses atrás, o acaso de um almoço com um colega húngaro pôs fim à minha preocupação. Explicou ele que uns três mil anos aC viviam nos confins da Sibéria os povos fino-úgricos, e ao longo dos tempos essa gente foi rumando para Ocidente, talvez em busca de pastagens ou um clima menos rigoroso.

A certa altura, chegados ao que viria a ser a Finlândia, depararam numa encruzilhada com uma tabuleta onde estavam escritas as instruções para o resto do caminho até à Hungria. Os que sabiam ler viraram para sul, os analfabetos ficaram por ali.

Serve o intróito para dar conta do pasmo que há décadas me toma, de que em Portugal sejam maioria os políticos “finlandeses”. Claro que todos eles sabem ler e escrever, mas são raros, se alguns, os capazes ou desejosos de “ler” o país que representam, e se mostrem efectivamente interessados em contribuir para o bem-estar e progresso da sociedade.

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Infelizmente, também é pouca, quase nenhuma, a minha fé nos partidos, já que em fins dos anos 60, ao lidar com alguns dos que viriam a ser neles as “grande figuras” pós 25 de Abril, me dei conta que pouco ou nada era de esperar de tal gente, previsão que muita água passada continua tristemente válida.

Escreveu Camões “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, mas o conceito parece não se aplicar à política portuguesa, regida por partidos que, embora de bandeiras diferentes, desavergonhadamente continuam a prometer as panacéias do progresso, justiça, igualdade, prosperidade, sabendo que nunca cumprirão, certos e seguros que o Zé Povinho – já um banqueiro o profetizou – “Aguenta! Aguenta!”

O Zé bem pode tomar parte no festival das eleições, rezar em Fátima para que o seu partido ganhe, mas verdadeiro proveito só teria se Nossa Senhora o deixasse escutar os tratos e conversas que se fazem na corte de Lisboa.

Felizmente que para o seu descanso e paz de alma não deixa, assim se mantém ele na doce ilusão de que os senhores que mandam cuidam quanto podem do seu bem-estar, e ao mesmo tempo lhe asseguram que todos os revezes, passados, presentes, futuros e imagináveis são obra das poderosas forças do Mal, ressuscitadas agora pelo Fascismo.

Todavia, esse monstro tem poucas ou nenhuma probabilidade de se infiltrar num país em que todos os partidos são, se sentem, ou dizem ser da esquerda, e em todas as circunstâncias prontos a repetir o No pasarán! de saudosa memória.

Tanto quanto sei, provavelmente estou errado, neste panorama de orientações, ideologias, medos, esperanças e ameaças, o Chega apresenta-se como excepção à regra, mas se me parece que não é da esquerda, também não saberia dizer se é da direita, do centro, ou para que extremos pende.

De qualquer modo, a sua entrada no circo tem pelo menos uma vantagem: a de por enquanto incomodar o sossego dos colegas. Mas mais do que isso não espero que aconteça, porque na política portuguesa continua válido o gracejo que um dia ouvi a um deputado brasileiro, a quem um colega confessava o seu medo de que os comunistas vencessem no Brasil:

– Os comunista? Tem medo não, cara! Se eles vier, a gente abandalha eles!

Assim, a André “o Venturoso” e aos seus, a tarefa de responder a Oliveira Martins, que em 1883 escrevia: “Resta saber se o egoísmo, a cegueira, o interesse vil, a indolência, a ignorância, a veniaga de que os políticos abusam em particular, e o servilismo que em público distingue a imprensa; resta saber se não poderão mais do que as ambições nobres de uma minoria de gente ingénua e boa.”

Nota editorial: Os pontos de vistas expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.