A potencial reentrada de António Capucho no PSD está a animar as conversas.
De entre os dirigentes e militantes que se manifestam, uma parte substancial (vinda de todas as sensibilidades internas) mostra incómodo com este possível retorno.
Inferior em número, mas ruidosa, é a claque dos que dizem que Capucho nunca deveria ter sido excluído do PSD, apelidando essa decisão de “vingativa, excesso de zelo, delito de opinião”.
Com o devido respeito, discordo de ambas as partes. Não havia outro rumo para Capucho que não fosse a “expulsão”; e não há outro rumo para o PSD que não seja reabrir-lhe a porta.
Exponho o meu ponto de vista em quatro breves notas, umas mais pessoais que outras:
1. A inevitável “expulsão”
2. A pouco conhecida “absolvição”
3. A paz do julgador
4. O chapéu de aba larga
1. A inevitável “expulsão”
Fiz parte do Conselho de Jurisdição Nacional (CJN) que, em 2014, fez cessar a militância de António Capucho no PSD. Em linguagem corrente (mas não rigorosa), expulsámo-lo. Quem conhece os estatutos do PSD sabe que o tipo de processo que levou a esta “expulsão” (termo incorreto, mas que usarei por economia de palavras) só tem dois finais possíveis: a expulsão, se se provar que o visado concorreu a eleições numa lista contrária à do Partido; ou a “absolvição”, caso isso não se prove. Ou seja, a regra não dá margem para se substituir a expulsão por qualquer outra pena: advertência ou suspensão.
Nas sábias palavras que o falecido Prof. Calvão da Silva proferiu na altura à imprensa, “o conselho de jurisdição não tem [nestes casos] poder de apreciação discricionário, pelo que não pode haver atenuantes”.
Portanto, não só Capucho seguiu conscientemente um caminho que o conduziria necessariamente à expulsão, como esta era a única deliberação que o Conselho de Jurisdição Nacional do PSD poderia tomar, uma vez provados os factos.
2. A pouco conhecida “absolvição”
Capucho foi expulso por ter sido candidato nas listas de Marco Almeida a Sintra em 2013, mas poucos saberão que essa queixa disciplinar não foi a única que teve de enfrentar após as Autárquicas desse ano.
Tendo também apoiado Rui Moreira no Porto, Capucho foi alvo de um outro pedido de expulsão [do qual fui relator], tendo nele sido absolvido. Porquê? Porque o CJN definira (um mês antes) um critério geral e abstrato para determinar os casos e meios de prova para expulsão. Ora, o delito de opinião, naturalmente, não fazia parte desse critério, pelo que me competiu propor aos colegas de CJN um despacho para a “absolvição” de nomes como Miguel Veiga, Arlindo Cunha, Valente de Oliveira e… António Capucho.
Esse despacho é de dezembro de 2013, dois meses antes do acórdão de Sintra, que viria a expulsar Capucho.
Quer isto dizer que se tivesse realmente havido a tal vingança, o exagero, o excesso de zelo de que alguns acusam o Conselho de Jurisdição na expulsão de Capucho, este teria sido expulso dois meses mais cedo. Porém — talvez para gerar mais indignação e captar solidariedade — Capucho ocultou sempre a deliberação do CJN relativa ao seu apoio a Rui Moreira.
3. A paz do julgador
Em fevereiro de 2018, quando António Capucho (e Marco Almeida) quis regressar ao PSD, tentou fazê-lo de uma forma impossível: pedindo a nulidade da sua expulsão e a retoma do seu antigo número de militante. Era a maneira de apagar o passado e não ter de fazer uma aproximação à concelhia de Cascais para obter o seu parecer positivo.
Esse seu pedido, apesar de absurdo, fez-me refletir no seguinte: como encararia eu o regresso de alguém em cuja expulsão eu havia participado? “Com naturalidade”, respondi-me imediatamente.
O juiz ou julgador não têm estados de alma. Uma vez feita a justiça, o assunto morre. O julgador não aprecia com raiva, não sentencia com fúria. Logo, não se irrita com o regresso de um expulso.
E mais: um partido que é contra penas perpétuas não pode achar que as expulsões sejam para a vida inteira. O arrependimento e a reabilitação podem acontecer a todo o tempo, respeitando-se o “período de nojo”, cujo conceito me orgulho de ter trazido para o PSD.
Assim, enquanto “expulsador”, estou totalmente em paz com a possível reentrada do “expulso”. Não me dói nada. Sobretudo porque acho que essa é a alma do partido: os encontros e desencontros, como exponho a seguir.
4. O chapéu de aba larga
Tenho a felicidade de ser regularmente convidado por concelhias e distritais da JSD/PSD para falar da história e dos princípios da família social-democrata. Nessas sessões costumo dizer que este partido se assemelha a um chapéu de aba muito larga. Aqui cabem todos. Ao centro, centro-esquerda, centro-direita, mais para um lado, mais para outro, enfim… Aqui todos se podem sentir bem e úteis. Desde que acreditem e defendam dois valores fundadores: o primado da pessoa humana (a sociedade deve trabalhar para a felicidade do indivíduo, e não o inverso); e a afirmação da sociedade civil (o Estado não deve chamar a si aquilo que os privados estão vocacionados para fazer).
É por isso que os combates internos no PSD raramente são ideológicos. São quase sempre personalistas. De sá-carneiristas a rioistas, já fomos de tudo. Alguns, ao mesmo tempo…
Para nós, aparentemente, sempre foi mais importante um líder mobilizador e vencedor. Quando Cavaco Silva cortou com a Regionalização o PSD não cortou com Cavaco: submeteu-se à nova estratégia. O PSD ia lá discutir “pormenores” com um líder que nos mantinha no Poder…?
Assim, no PSD cabem ou couberam Pacheco Pereira, Durão Barroso, Santana Lopes, Emídio Guerreiro “sénior”, Mota Amaral, Lucas Pires, Abreu Amorim, Graça Moura e Zita Seabra, vindos de onde vieram ou idos para onde foram. Este foi também o partido que elegeu Natália Correia, Maria Elisa e Pulido Valente ao Parlamento. Este é o partido em cuja Jota estiveram Guilherme d’Oliveira Martins, António Rebelo de Sousa, Paulo Portas e José Sócrates.
E este é o Partido em que Menezes (até chegar a líder) contradisse Marques Mendes em tudo o que podia; em que Passos e Manuela (em tempos diferentes) não fizeram a vida fácil um ao outro; em que Santana e Marcelo derreteram todos os líderes quando isso dava jeito; e em que Cavaco pisou Santana, que pisou Barroso, que pisou Nogueira, que se pisou a si mesmo, porque é um senhor.
Portanto, não me venham com a história do “que fizeste no verão passado”, porque no verão passado todos fizemos algo de mal a alguém. Apenas para no verão seguinte nos abraçarmos e rirmos, porque isto é o PSD.
Pois que reentre, António Capucho. Mas… dentro das normas, seguidas à risca, com o parecer de quem tiver de o dar.
Que reentre, António Capucho, e seja bem-vindo de volta, porque ninguém aqui é rejeitado pela sua personalidade. Não é São Pedro que aceita os militantes…
Que reentre, então, mas sem rancor para com quem não o quer cá dentro. Só pode ser bem aceite aquele que estiver disposto a aceitar que outros não o aceitem.
Antigo membro do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD