Passam hoje 40 anos! A 27 de junho de 1980, era formalmente inscrita a ASDI, Acção Social Democrata Independente, nascida de uma cisão no Partido Social Democrata.

Estava-se em 1979. Francisco Sá Carneiro liderava o PSD e via em Ramalho Eanes – Presidente da República – o seu maior adversário. Eanes tinha dado posse a um segundo governo de “iniciativa presidencial”. Para o chefiar, o general escolheu Mota Pinto, que tinha abandonado o PSD em 76, fazendo parte dos “dissidentes de Aveiro” (referência ao local onde se deu mais um cisma interno).

Com essa nomeação, Sá Carneiro chegou ao seu limite da paciência. Estava farto de governos inventados por Eanes, queria urgentemente novas eleições legislativas e rever a Constituição para limitar os poderes presidenciais.

Para o líder do PSD, era preciso que o governo de Mota Pinto caísse: para enfraquecer Eanes e para ser dissolvido o Parlamento.

A maioria dos 73 deputados do PSD não tinha, porém, qualquer problema com Eanes nem com os poderes presidenciais. Mais: os deputados até achavam que era mais inteligente que a legislatura fosse integralmente cumprida (1980), permitindo ao partido planear uma grande vitória.

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Qual foi a solução de Sá Carneiro para contornar a divergência tática que mantinha com os seus deputados? Mudou os estatutos do PSD para dar à Comissão Política Nacional (ou seja, a si próprio) o poder de impor disciplina de voto ao Grupo Parlamentar. Depois, mandou os deputados absterem-se na votação de 22 de março de 1979 para o Orçamento e Plano do Governo de Mota Pinto. Era sabido que esse sentido de voto levaria ao chumbo destes diplomas e à subsequente queda do executivo. Nesse dia, 43 dos 73 parlamentares laranja saíram da sala, em desacordo com a estratégia do líder.

Dali a 13 dias, 37 deputados abandonariam mesmo o PSD, constituindo-se como deputados independentes. Foi o berço da ASDI e o epílogo da história dos “inadiáveis”.

Quarenta anos depois, a política portuguesa está a viver uma pandemia de “asdite aguda.

Com outros nomes, datas e causas, vários eleitos estão a sair dos seus partidos, mas mantendo-se nos cargos. O caso mais flagrante está a ser o do PAN, que não tem historial suficiente para que os seus quadros achem, genuinamente, que “são mais as coisas que os unem do que aquelas que os separam”.

E a pergunta é esta: a quem deve pertencer o lugar? Ao partido ou ao eleito?

Quando votamos, votamos em siglas e símbolos. Mas, findas as eleições, os cargos são pessoais e não partidários. Faz sentido? Para mim, sim.

Na vida política já vimos de tudo. Partidos que ganharam força eleitoral porque escolheram candidatos mediáticos; pessoas desconhecidas que foram eleitas meramente por força de um símbolo partidário.

Discussões de “quem beneficiou mais” (o partido ou o candidato?) são frequentes, estéreis e insondáveis. Frequentes, porque as vicissitudes da convivência política levam a conflitos ideológicos, divergências de opinião, mágoas, combate de egos, lutas de liderança e outros desencontros da vida. Estéreis, porque ninguém abdica da sua importância. E insondáveis porque também insondável é a razão de ser de um voto individual.

É que há mil razões para um voto: ser fiel daquele partido; gostar do líder nacional; ser fã do número três da lista; ser amigo do primeiro suplente; gostar do programa eleitoral; simpatizar meramente com uma das propostas; preferir a lista que tem mais jovens… E estes são apenas alguns dos motivos para um voto positivo. Os motivos para um voto negativo (ou útil) não são em menor conta.

No fundo, há símbolos que pesam mais do que os candidatos, há candidatos que valem eleitoralmente mais do que os partidos, há casos em que ambos contribuem para o resultado e há situações em que nem uns nem outros foram relevantes, porque o resultado adveio do demérito do adversário.

Como as regras têm de ser exequíveis, não pode a lei dizer “atribua-se a titularidade do mandato a quem (partido ou pessoa) provar que teve mais influência na votação”…

Tendo de escolher, o legislador entendeu que é preferível tornar o eleito no titular do cargo. Como personalista, é essa a solução que defendo.

Ou seja, há dois valores em causa: em primeiro lugar, a total liberdade de expressão, ação e condução política do eleito, de acordo com os seus princípios e aspirações; e, em segundo, a verdade eleitoral, medida na conversão exata em mandatos consoante o número de votos dos partidos.

Entre esses dois valores, é para mim mais importante o primeiro.

Para que o povo acredite no poder do voto, a liberdade de cada eleito deve estar acima das dores e contrariedades dos partidos. Não é benéfico que vingue a ideia de que só termina o mandato aquele que aceita cegamente os ditames das lideranças ou que os partidos têm o direito de dispor dos mandatos daqueles que o povo elegeu. Ou que um deputado desapontado tenha como saídas apenas a demissão ou a sujeição.

Imagine-se um sistema em que o líder de um partido pode mudar os deputados, vereadores ou outros eleitos (não se aplica às nomeações) de acordo com os seus humores ou estratégias? Não seria isso muito mais prejudicial para o sistema?

Nem sempre é assim, mas não são raros os casos em que a coerência está em quem muda. Lembremos a saída de Lucas Pires do CDS: quem mudou (para um euroceticismo atroz, entretanto corrigido) foi o partido, não o político.

Mas, isto sou eu a pensar alto, que sou personalista e acredito que a pessoa está no centro de toda a atividade política. Ideologicamente, sou sá-carneirista. E, sendo-o, seria o primeiro a aceitar a criação da ASDI e a forma como tudo aconteceu.