Vivemos num mundo de start-ups, apps, pitches, summitts… E, pelos vistos, num mundo também de fantasia, com cada vez mais unicórnios (empresas avaliadas em mais de um bilião de dólares). Cada novo pitch de empreendedores traz a promessa que a sua app vai fazer do mundo um lugar melhor. É um discurso de Miss, encantador e partilhado por muitas start-ups.

Mas o que algumas destas start-ups partilham não se fica por aqui. Um plano de negócios assente numa estratégia de gastar muito e rápido é comum. Por outro lado, um modelo de negócio rentável, mesmo que a prazo, mas que seja realmente credível e não baseado numa conjugação de impossibilidades, é algo que não encontramos nestas start-ups. Conseguir conquistar quota de mercado rapidamente – mesmo a prestar um serviço ou vender um produto abaixo do preço de custo – isso sim, parece ser realmente fundamental.

Naturalmente que isto é uma generalização grosseira, que não se aplica a muitas das start-ups que estão no mercado. Mas, curiosamente, é uma caracterização que parece ser adequada a alguns dos mais conhecidos unicórnios tais como o Pinterest, Snapchat, Lyft e Uber. E, ainda mais importante, é uma caracterização fiel das mais proeminentes start-ups do fim dos anos 90. Ainda alguém se lembra do que aconteceu no ano 2000? Pois é, a bolha das dot.com rebentou. Será que a história se vai repetir? Parece estar a formar-se a tempestade perfeita para que assim seja.

Em primeiro lugar, tem existido um crescimento exponencial nos investimentos em start-ups. O facto de as taxas de juro estarem baixas contribui para o volume de dinheiro a ser canalizado para estas novas empresas, com os investidores à procura de retornos que não conseguem obter de outra forma. Todo o frenesim de investimento ajuda a inflacionar ainda mais os valores de avaliação. Isto é naturalmente bom para os fundos de investimento e empresas de capital de risco que usam os valores inflacionados para angariar ainda mais dinheiro e cobrar mais comissões no seus serviços.

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Em segundo lugar, as avaliações de algumas start-ups parecem ser frequentemente desprovidas de razoabilidade. Muitas vezes estas avaliações são baseadas em métricas como o envolvimento e o número de subscriptores, tendo como miragem a monetização futura desses utilizadores. Naturalmente, temos que esquecer muitos casos em que isso nunca realmente aconteceu — o MySpace é só um exemplo — para continuar a ver essa miragem. Mas desde que a métrica principal de avaliação continue a ser o crescimento rápido – tal como o era no fim dos anos 90 — a miragem parece ser bem real.

Em terceiro lugar – e exatamente como aconteceu no final dos anos 90 – a frequência com que as startups se estão a lançar em bolsa com ofertas públicas iniciais começa a aumentar a um ritmo incomum. 2018 foi um ano forte para os unicórnios entrarem em bolsa: SurveyMonkey, Eventbrite, Spotify e Dropbox, são apenas alguns exemplos. E em 2019 muitos mais se alinham: Uber, Airbnb, Slack, Robinhood, Pinterest, Postmates, Asana… Estas entradas em bolsa servem para que as start-ups acedam a ainda mais dinheiro e, interessantemente, servem para que os grandes investidores iniciais consigam sair das start-ups com a sua conta bancária bem recheada. A bolha já não irá rebentar nas mãos deles.

Por fim, as dúvidas sobre o valor das avaliações e a sustentabilidade dos modelos de negócio parecem ser um elefante no meio da sala e vários dos unicórnios que têm entrado em bolsa têm vindo a perder valor. O Caso da Snap (a empresa por detrás do Snapchat) é especialmente paradigmático. Esta start-up só conhece prejuízos, não consegue aumentar o número de utilizadores e também não consegue angariar os anunciantes que previa. Ainda assim a empresa atingiu um valor de 31 biliões de dólares aquando da sua entrada em bolsa em Março de 2017. Hoje o seu valor ronda os 8 biliões de dólares.

Em 2000, como agora, estamos na fase final de um ciclo de crédito, com muito dinheiro canalizado no encalce de muito pouco valor. Na altura, como agora, as ofertas públicas iniciais em bolsa sucedem-se em catadupa, a especulação grassa e tudo isto faz com que vá aumentando ainda mais uma bolha que parece teimar em não rebentar. A questão é: até quando?

Fernando Pinto Santos, Docente do IPAM e membro da letsthink.global