É hora de abandonar a religião do ambientalismo, e retornar à ciência do ambientalismo, e basear as nossas decisões de políticas públicas firmemente nisso.
(Michael Crichton)

Um quarto do nosso país é território protegido! Temos Parques e Reservas Naturais, áreas de Paisagem Protegida, temos áreas classificadas ao abrigo de convenções ou programas internacionais, sejam Áreas Húmidas, Património da Humanidade, Reservas Biogenéticas ou as áreas da Rede Natura 2000, a rede europeia de conservação estabelecida mediante as famosas Directivas Aves e Habitats, de onde resultam os Sítios de Importância Comunitária (SIC) e as Zonas de Protecção Especial (ZPE). Se juntarmos então os Geoparques, temos mais de metade do país nesta situação.

Se tudo dependesse destas classificações, estaríamos bem. Porém, independentemente das bonitas delimitações desenhadas num mapa de um qualquer plano, a realidade é outra. No Gerês há cabras-montesas mortas com a cabeça arrancada; em Arouca o coberto dominante são eucaliptos; no SW Alentejano proliferam estufas; Sintra arde e logo se levanta a suspeita do imobiliário; na Ria Formosa não anda nem desanda a questão das casas ilegais; na ZPE da Torre da Bolsa, florescem olivais intensivos por entre as obras do TGV que a vai rasgar ao meio. Os exemplos são intermináveis.

O recente episódio da nova área protegida é ilustrativo desta forma de olhar para a conservação da natureza. Na Lagoa dos Salgados há anos que se quer uma classificação para travar urbanização. Há pouco tempo Matos Fernandes lá a anunciou com pompa e circunstância. Todos regozijaram com a classificação que ia travar definitivamente a construção. Dias depois, afinal, logo se levantam questões sobre direitos adquiridos, com um vereador da C.M. Silves a dizer à comunicação social que se arrisca uma indemnização de muitos milhões de euros.

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Então não era só classificar e pronto? Porque são as áreas protegidas tão pouco protegidas? Vale a pena pensar e discutir este assunto? Ou é preferível passar o tempo de testa franzida a criticar nas redes sociais os não convertidos – as más políticas de governantes e o mau carácter de alguns concidadãos – mas sem questionar a insistência cega neste caminho que se toma como divino?

Tomemos o exemplo da ZPE de Torre da Bolsa em Elvas. Na ficha desta área, no site do ICN, rapidamente percebemos que as aves estepárias são o principal motivo da sua classificação. “Neste âmbito é fundamental a manutenção da cerealicultura extensiva”, dizem, para depois rematar que “a viabilização e disponibilização de mecanismos que promovam um desenvolvimento rural, assegurando (…) a competitividade económica e social das actividades que a sustentam, constitui um passo importante na garantia da concretização destes objectivos (de conservação dos valores)”. A área foi classificada em 2008, verteu para o PDM, único plano que vincula privados sob a forma disto: “os projetos/intervenções a implementar devem ficar sujeitos a parecer vinculativo do Instituto da Conservação da Natureza”. Resultado prático? As áreas de cerealicultura extensiva, aquelas cuja manutenção era fundamental, diminuem, assim como as aves estepárias, razão de existência da ZPE.

Onde está o problema? Na economia. Este é um habitat que artificialmente, com protectorismo à cerealicultura, cresceu imenso desde o século XIX com as leis da fome, e depois com a campanha do trigo do Estado Novo, mas que nas últimas décadas tem desaparecido, porque é economicamente inviável e, consequentemente, rareiam as espécies que dele dependem.

Simples de perceber? Talvez não. O nosso ambientalismo culpa os olivais intensivos, o cancro capitalista que tem que ser combatido por destruir campos de trigo. Combatido como? Com medidas restritivas, anti-económicas – distorcendo o objetivo inicialmente traçado “competitividade económica e social das actividades que a sustentam”. O problema é precisamente o mesmo ao falarmos de carvalhos e eucaliptos mais a norte. Isto é, em vez de nos preocuparmos em dar opções de escolha ao proprietário, em haver racionalidade económica nas atividades que produzem as externalidades que desejamos, sejam carvalhais ou searas, nem que seja pagando por tais externalidades, pela produção de biodiversidade, preocupamo-nos em atacar os malditos alvos, eucaliptais ou olivais, julgando infantilmente que se o proprietário não puder retirar dinheiro das suas terras com atividades rentáveis, logo as porá ao serviço de atividades não rentáveis, suportando o interesse público com a sua miséria pessoal. Não vai. Daí que as miraculosas medidas de conservação acabem a não conservar nada.

Com a economia e com as pessoas, alcançaríamos melhores resultados, independentemente dos desenhos de áreas que fazemos em mapas – aliás deixando os poucos recursos públicos para conservação efetiva de pequenos mas valiosos espaços (expropriados até, com o Estado legitimamente a mandar no que é seu), como é a prática comum na Europa. Todavia, contra as pessoas e contra a economia, por mais que classifiquemos mais e mais áreas, o que continuaremos a ter é este brincar à conservação.