O leitor viu por acaso as imagens pós-orwellianas da operação stop da Autoridade Tributária numa rotunda de Valongo? A operação da AT chamava-se (segure-se…) «Acção sobre Rodas». Mas talvez devesse chamar-se antes Arrastão Fiscal de Valongo (Primeira Temporada, Episódio nº 6). E o leitor viu por acaso as imagens de um velhote e do seu filho ainda púbere a conduzir em mão pela berma da estrada os dois cavalos que vinham no camião entretanto arrestado pela solícita e colaboracionista GNR? É extraordinário: para extorquir 100 € a um qualquer pobre diabo esfarrapado, este Roubador dos Bosques também conhecido por Estado português sujeitou os condutores a terem que se desviar dos cavalos que seguiam na berma da estrada, podendo assim atropelá-los… ou levar com os animais assustados no pára-brisas. Para punir um crime menor este Ladrão dos Bosques não hesita em poder criar um crime muito maior! Definitivamente, esses tipos tão famosos lá em Hollywood têm muito que apreender com as operações conjuntas das nossas AT/GNR.
Entretanto, o senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais teve a superior lata de dizer que não sabia de nada. Já o seu chefe, o «CR7 das Finanças», o novo Salazar pós-moderno e pós-democrático da Nação, tão elogiado pelo funcionariado bem alimentado do regime, preferiu desculpar-se com a descentralização, o cobarde. Traduzidas para português corrente, as suas palavras foram mais ou menos estas: “Não fui eu, foi um subordinado nosso na Região Norte”. Como se a “descentralização” das acções tributárias não obedecesse a um comando central, o comando dele próprio, Dr. Semtino, o Grande Cativador!
Ora, foi este Grande Arrestador, com cara de sonso mas com coração de pilha-galinhas, e rigorosamente mais ninguém, que fixou a meta de uma receita extraordinária do Estado assente em cobranças coercivas na ordem dos mil milhões de euros. E bom, como os inspectores da AT que conseguem cobrar receita coerciva extraordinária ficam com uma percentagem da mesma, daqui se segue que o princípio da concorrência privada entrou no interior AT pública como forma de estes Familiares do Santo Ofício, perdão, Funcionários do Fisco, poderem levar mais algum para casa ao fim do mês.
Este senhor Dr. Semtino, que trata o seu compatriota contribuinte como um potencial delinquente, deveria ser obrigado, e antes de mais pela criadagem servil dos jornais e pelo Ministério Público, a explicar o seu modus operandi de gangster e a pedir publicamente desculpa por esta inadmissível ilegalidade do Estado. Que não é, não senhor, Razão de Estado, mas Razão de Estábulo. Este Dr. Semtino deveria ter demitido imediata e estrondosamente alguém sob a sua tutela. Ou então ser ele mesmo imediata e estrondosamente exonerado. Mas não. Preferiu ordenar um inquérito. Talvez rigoroso. Este velhaco cobrador de impostos trata o devedor de tostões como não se atreve a tratar o devedor de milhões. À boa e vil maneira portuguesa, o Dr. Semtino é forte com os fracos e fraco com os fortes. Acreditem-me. Como diria Octávio Machado “Eu sei do que estou a falar”: os arrastões fiscais deste senhor são um update pós-orwelliano da Inquisição e da Pide com infames tiques de Pina Manique. O Estado que faz impunemente assaltos nas estradas portuguesas é exactamente o mesmo Estado que por incúria e corrupção deixa morrer portugueses nessas mesmas estradas por não acudir a fogos. Entretanto, o contrato do Siresp ainda não é público (nem nunca o será), mas que ele é uma espécie de Siza, lá isso é. Insisto: os filmes de gangsters de Hollywood têm muito que aprender com a máfia de colarinho branco lusitana.
Concluo: o amor pela concepção medieval do fisco do Dr. Semtino deveria merecer esta epígrafe latina sobre a porta de entrada do Ministério das Finanças português. Com ela, os contribuintes nacionais prestariam uma homenagem histórica ao Decretum de Graciano, fazendo-lhe justiça como talvez nenhum outro estado da União Europeia:
Hoc tollit fiscus, quod non accipit Christus / O que não é recebido por Cristo, é cobrado pelo Fisco).
E todos foram dormir descansados.