A avó de Mariana Mortágua vive afinal repimpada na Avenida de Roma, paga 400 euros de renda a uma IPSS, e nunca recebeu qualquer carta de despejo; o pai de Mariana Mortágua nunca foi condenado pela PIDE, que de resto não podia condenar ninguém a coisa alguma, muito menos a uma pena de prisão perpétua que fora abolida em Portugal cinquenta anos antes dele nascer. E as 80 mil casas que Mariana Mortágua prometeu não podem ser construídas. Das duas primeiras fantasias encheram-se os jornais e as conversas dos peritos, agora que as fantasias da dra. Mortágua já podem ser escrutinadas, e sobre a cabeça dela se despeja todo o lixo do mundo. No entanto, deixaram passar como boa a maior fantasia de todas. Ela falou sobre habitação. Disse que os sábios do Bloco tinham arranjado 1.200 milhões de euros por ano para, ao longo de um mandato, construir (e reabilitar) 80 mil casas. Nenhum comentador aproveitou um intervalo ao seu estado de natural madraçaria para multiplicar 1.200 milhões por quatro anos, e chegar à conclusão que as casas de Mariana Mortágua custariam em média 60 mil euros. Um valor impossível.
Na zona do Porto, ou mais concretamente na região Norte, o valor médio da construção ronda os 1.700 euros por metro quadrado. Mas vamos supor que a dra. Mortágua, já sentada aos comandos do ministério, construía em grande escala e conseguia baixar o valor para 1.500. Somado o IVA a 23%, teríamos 1.845 euros por metro quadrado. A casa mais pequena que a lei permite construir tem 35 metros quadrados. É um T0, ou seja, sala, cozinha e quarto num único compartimento, apenas com uma casa de banho separada. Essa casa custaria 64.575 mil euros. Já rebentou a bitola Mortágua e ainda não chegámos ao preço final daquela casa: se for nova, é preciso acrescentar o valor do terreno; se for reabilitada, é preciso acrescentar o edifício base. Faltam também as taxas e alvarás de licenciamento, e os valores dos projectos (arquitectura e todas as engenharias). Além disso, relembro que o valor é no Porto; em Lisboa, construção, edifícios e terrenos são notoriamente mais caros. O problema da falta de casas não é uma mancha coincidente com o território nacional; ele está sobretudo nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. E o preço da reabilitação é igual ou superior ao da construção nova, pelo simples motivo da obra ter mais constrangimentos técnicos, urbanísticos e arquitectónicos. Relembro também que fizemos as contas a um apartamento do tipo T0; ninguém vive num T0, muito menos uma família. De resto, 35 metros quadrados é área própria de Alojamento Local, como aquele que o sr. Robles construiu, e vale a pena quando o edifício foi comprado ao Estado ao preço da chuva. O ponto é que esta promessa de 80 mil casas é impossível de cumprir. Mas produz três constatações.
Primeira. Mariana Mortágua foi-nos apresentada como uma génia, a menina por quem Deus falou a Frei Anacleto Louçã. Arrastava reluzentes credenciais académicas e escrevia livros com ele. O facto é que a dra. Mortágua faz as contas desta maneira. Sempre fez, e ninguém deu conta.
Segunda. Mariana Mortágua não está disponível para mudar as condições que impedem de construir mais barato. Quais são essas condições? Descer impostos e reduzir a burocracia. Isto para começar. Tenhamos presente que o preço final de uma casa é composto em 60% de custos reais e 40% de impostos. Reduzir a burocracia é simplificar regulamentos. Manter regras de segurança, como é evidente; e descer o grau de exigência em tudo o resto: ruído, acessibilidades, eficiência energética, etc. Dou um exemplo: uma casa no topo da classificação energética (A) tem muitas vezes despesas correntes mensais em energia superiores a uma casa C ou D (considerada ilegal se for nova). Porquê? Entre outras razões, porque a lei é muito limitada a admitir sistemas passivos; e aponta-nos o caminho, fácil e caríssimo, de pendurar nas casas um monte de aparelhos, nada eficientes e muito perdulários, para corrigir as condições naturais do clima: caldeiras, ventiladores, climatizadores, painéis disto e daquilo, e tudo o que a indústria do ramo tem interesse em vender. Há muito por onde diminuir e simplificar. Isto se quisermos permitir que as famílias e os investidores construam casas para todos os segmentos. Tal como estamos, as regras só permitem construir e reabilitar para o segmento de luxo. É a única maneira dos investidores terem margens para encaixar a exigência das regras e a voracidade dos impostos. Mas a dra. Mortágua gosta das coisas tal como estão: os “ricos” desembaraçam-se com estas regras e as fortunas deles; para a classe média, quem constrói as casas é o Estado, e a seguir ela senta-se no Estado, e manda nas casas e na classe média.
Terceira. Mariana Mortágua (e o Bloco, e toda a extrema-esquerda) é demagógica e fundamentalmente populista. Mesmo medindo pelos critérios dela. Sempre viveu de provocar e depois espremer o ódio aos “ricos”, aos “capitalistas”, à “especulação imobiliária”, e aos donos dos pequenos negócios, como o Alojamento Local. Sobretudo estes. Mais do que os grandes “capitalistas”, a esquerda despreza os donos dos pequenos negócios, e detesta-os do fundo do coração, porque são livres e autónomos, e se tornaram independentes do Estado. No fim de contas, também neste assunto da habitação, a dra. Mortágua aponta aos outros um problema que reside nela.