Foi por aí um alarido porque um escritor francês desconhecido declarou, em entrevista à Marie Claire, que aborrecia as mulheres com mais de 50 anos. As pessoas ocupam-se com assuntos assim. Fui ler a entrevista: a peça tem a densidade e o tamanho de um inquérito de praia e Yann Moix (assim se chama o escritor) não é agressivo nem se exibe. Confessa os seus gostos, que são, aliás, bastante estritos: só mulheres entre os 25 e os 50 anos. Mas até se declara “prisioneiro” de uma “maldição”. Tal não chegou, contudo, para aplacar as fúrias. A porta-voz do partido de Macron chamou-lhe grosseiro. Valérie Trierweiler, a mulher que foi enganada por François Hollande, citou uma capa heróica do Charlie-Hebdo sobre a falocracia. E uma jornalista parisiense publicou no Instagram a fotografia de um rabo, supõe-se que o dela. Até em Portugal houve indignação, particularmente nos jornais e nos bares da Baixa, e Ricardo Araújo Pereira dignou-se falar do assunto no Governo Sombra, o que é, honestamente, mais do que um escritor francês desconhecido pode esperar. (Fica também para RAP o prémio de Marialva do Ano pelo comentário: “Mais ficam!”)

Todo este tumulto distrai daquilo que é mais interessante no caso. Entre as afirmações de Moix na entrevista há coisas potencialmente muito mais ofensivas do que dizer que não gosta de mulheres com mais de 50 anos. Moix diz, por exemplo, que só gosta de mulheres asiáticas. E que muda periodicamente de namorada porque as mulheres “se gastam” e o desejo acaba. Por junto, temos aqui racismo e objectificação. Seria de esperar escândalo e fúria. Mas ninguém se irritou. Não houve um sobressalto! Só a questão dos 50 anos agitou os espíritos. Isto é muito interessante. A falta de reacção ao racismo, evidente no gosto exclusivo por mulheres asiáticas, pode ser explicada pelo facto de se tratar de discriminação a favor de uma “minoria”. Já se sabe que as discriminações não são todas iguais, há-as más e há-as “positivas”. Mas o desinteresse pela forma como Moix fala em mulheres “gastas”, como se falasse de um vestido fanado, é fantástico. A conclusão que se impõe é que a acusação de velhice é tão grave que anula qualquer outra ofensa. Ser velha é mais grave do que ser objecto sexual!

Adiante. Eu entendo o francês. O problema dele não são as mulheres. O problema dele são os 50 anos. Os dele. Sendo um homem de superfícies (como se vê pela fixação que confessa pelas qualidades da pele: a cor, a textura, o uso), não lhe é fácil encontrar lenitivo para as angústias da meia idade. Isso não é contraditório com o facto de ser escritor. Em França tudo passa por literatura, desde que seja adequadamente monótono e ilegível.

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