Em 1871, nas polémicas Conferências do Casino, Antero de Quental, consciente do incómodo das suas palavras, expôs sem tibiezas as três Causas da Decadência dos Povos Peninsulares:
- A causa moral, com efeitos profundos na cultura e na alma portuguesas, foi a Contrarreforma, imposta pelo Concílio de Trento, que implementou em Portugal um catolicismo inquisidor e dogmático, responsável pela expulsão dos Judeus, por oposição a um protestantismo mais liberal e aberto, praticado nos países do Norte da Europa;
- A causa política, realizada pela monarquia absoluta, que beneficiou os grupos associados ao poder enquanto oprimia o povo, contaminava as instituições e limitava a iniciativa privada e a ascensão da burguesia (a classe média de então);
- A causa económica, despoletada pelos Descobrimentos e pelas conquistas, que favoreceram um sistema demasiado dependente dos frutos das colónias, tremendamente desmotivador da industrialização do país. Um sistema baseado na escravatura, no qual o ouro do Império serviu para pagar as indústrias das sedas de Itália, do vidro da Alemanha, dos panos de França e dos cereais e das lãs da Holanda e da Inglaterra. Um modelo que desterrou os poucos nobres empresários do campo para as cidades e os fez mendigar por uma parte desse luxo oriental.
Assim, há 150 anos, Antero falava de um país “sem vida, sem liberdade, sem riqueza, sem ciência, sem invenção, sem costumes”, que contrastava com outros países mais prósperos, livres e ricos, sustentados por uma classe média e uma indústria fortes. Nessa mesma época, Eça descrevia a seguinte situação: “nós estamos num estado comparável somente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento dos caracteres, mesma decadência de espírito”.
As Conferências do Casino e o discurso de Antero tiveram algum lastro na sociedade portuguesa de então. No entanto, parte das suas aspirações só se materializaram aquando da implantação da República, que, devido à instabilidade governativa, acabou por degenerar no Estado Novo, onde o absolutismo foi substituído pela ditadura e a inquisição pela PIDE.
Se saltarmos esses 150 anos da nossa História coletiva, voltamos a debruçar-nos sobre duas décadas de estagnação económica e divergência face à maioria dos países da Europa. Focado apenas nestes últimos 20 anos, que se seguiram aos prósperos anos 80 e 90, vou procurar, tal como Antero, identificar as três principais causas para este torpor político, económico e social em que nos encontramos:
- A causa moral tem sido realizada pela degeneração das nossas instituições, pautada pelo nepotismo e pela cegueira do poder, demonstrativa da falta de importância atribuída ao mérito, secundarizado pela lealdade política e pela cumplicidade ideológica. Um regime político pouco exemplar, que normaliza a cunha e o compadrio e pouco ou nada se preocupa com a independência de supervisores e reguladores, quanto mais com a competência dos ministros;
- A causa política deriva de um período negro da nossa história política e financeira, vivido entre 2005 e 2011, responsável pela destruição de um colossal valor económico e pelo aumento astronómico da nossa dívida. Um sistema que desejou controlar a banca, os media, as comunicações e a energia, não em nome do povo, mas para encher a boca e o ego dos donos do regime, os tais que têm passado pelas comissões parlamentares de inquérito, quando não pelo crivo da justiça;
- A causa económica prende-se com a incapacidade de adaptarmos o nosso modelo económico a um mundo global, sem fronteiras, com capitais flutuantes e um papel de destaque das economias Asiáticas, rivais de muitas das nossas indústrias tradicionais. A perpetuação de um sistema demasiado dependente dos fundos europeus, vistos não como um complemento, mas como o centro da política económica. Sendo inegável que os quase 120 mil milhões de euros que recebemos nas últimas 4 décadas contribuíram para o desenvolvimento do país, não será menos evidente que foram excessivamente alocados a uma política de betão, que alimentou a tríplice entente das construtoras, dos bancos e dos escritórios de advogados e consultores, em vez de alavancar devidamente a inovação, a indústria, a agricultura e a ciência. Assim, criámos uma economia de serviços, disposta a esbanjar o seu fraco retorno em carros alemães, franceses e italianos, em roupas espanholas, e em gadgets japoneses, coreanos e americanos.
A identificação das causas do nosso atraso económico face à maioria dos nossos pares europeus deveria ser um dos principais temas da nossa atualidade política. Sem essa narrativa de base não poderemos compreender plenamente onde falhámos, para, em nome dos nossos filhos e netos, podermos fazer melhor.
Para completarmos friamente esta análise, nada como olharmos para a trajetória dos países que há 30 anos eram menos desenvolvidos que Portugal, mas que, entretanto, nos ultrapassaram. Essas nações apresentaram como condições de base a qualidade das suas instituições, a estabilidade macroeconómica, a valorização da iniciativa privada e do mérito, a competitividade fiscal, e respostas sociais robustas, nomeadamente no campo da educação. Políticas que podem e devem ser tidas como exemplo para Portugal, caso queiramos acabar com esta decadência e libertar todo o nosso potencial criador. Sim, porque os Portugueses são dos povos mais imaginativos e criativos do mundo, mas infelizmente muitas das nossas mentes mais inovadoras e dos nossos “unicórnios” tiveram de emigrar para singrar no mercado mundial, porque cá não foram ideologicamente reconhecidos e valorizados.