No dia 9 de maio a União Europeia celebrou o Dia da Europa. Nesse dia, há 72 anos, o ministro dos negócios estrangeiros de França, Robert Schuman, propôs a criação de uma autoridade comum para gerir a produção de carvão e de aço, duas matérias-primas essenciais para a indústria de guerra.

A Declaração Schuman originou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e constituiu a primeira semente da União Europeia, enraizada na necessidade de impedir um novo conflito numa Europa traumatizada e destruída por duas grandes guerras.

A Declaração pretendia acabar com a oposição secular entre a França e a Alemanha, afirmando que “a contribuição que uma Europa organizada e viva pode prestar à civilização é indispensável para a manutenção de relações pacíficas” e que “a Europa não se construirá de uma só vez, nem pela concretização de um projeto global predeterminado: resultará, sim, de realizações concretas, criando em primeiro lugar solidariedades de facto”.

Efetivamente, a União Europeia foi sendo construída passo a passo. Primeiro, com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 1951, através da assinatura do Tratado de Paris entre a Alemanha, Bélgica, França, Itália, Holanda e Luxemburgo. Depois, com a criação da Comunidade Económica Europeia e do Mercado Comum, com a assinatura do Tratado de Roma, em 1957.

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Entre 1973 e 1985, a União acolheu a Dinamarca, a Irlanda, o Reino Unido, a Grécia, Portugal e Espanha. A 9 de Novembro de 1989 foi derrubado o Muro de Berlim e volvidos 3 anos foi assinado o Tratado de Maastricht, fundador do Euro e da união financeira.

Em 1995, deu-se um novo alargamento com a entrada da Áustria, Finlândia e Suécia. Mas foi em 2004 que dez países entraram de uma só assentada: Chipre, República Checa, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, Eslováquia e Eslovénia, aos quais se juntaram a Roménia e a Bulgária em 2007, e a Croácia em 2013, elevando o número de estados-membros para 28.

Em 2016, o referendo sobre o Brexit iniciou o caminho para a primeira saída de um estado-membro da União Europeia. A retirada do Reino Unido enfraqueceu a União, roubando-lhe um dos seus elementos mais poderosos no plano político, económico e militar, que complementava e contrabalançava o eixo Franco-Alemão.

Mas, independentemente dessa saída, o Mercado Único, o Euro, os instrumentos de cooperação, coesão e estabilização financeira contribuíram para a promoção da paz e do desenvolvimento económico da Europa.

Coincidentemente, o dia 9 de maio assinalou também o Dia da Vitória Soviética sobre a Alemanha, conseguida em 1945. Esta coincidência nunca foi tão relevante, uma vez que a Federação Russa invadiu a Ucrânia e a guerra de Putin despertou a União Europeia para a insegurança e para os riscos inerentes à dependência económica de países com interesses conflitantes.

A União Europeia compreendeu que não é prudente continuar a intensificar relações económicas com autocracias que violam direitos humanos, acordos ambientais e regras comerciais ao mesmo tempo que se tornam mais ameaçadoras à medida que ficam mais ricas.

A União Europeia compreendeu que as suas relações económicas não podem comprometer a sua segurança, a sua competitividade, os seus princípios e a sua independência estratégica.

A União Europeia compreendeu que foi longe demais no outsourcing da sua defesa aos EUA, da sua indústria à China e da sua energia à Rússia. Veja-se como antes da guerra a Rússia fornecia 46% do carvão, 40% do gás natural e 26% do petróleo importados pela União Europeia. Veja-se como a Alemanha procurou resolver a intermitência das renováveis apenas com o gás Russo, abdicando demasiado cedo da energia nuclear e aumentando a sua dependência energética entre 2000 e 2020 (ver imagem abaixo).

A pandemia demonstrou como a Europa se encontra demasiado dependente da indústria de terceiros. A guerra comprovou que os Europeus só se sentem seguros com o apoio da Aliança Atlântica, pois sabem que a União Europeia se tem manifestado incapaz de construir uma política de defesa comum.

Não tenho dúvidas que será difícil fazer o desmame da Rússia e da China, mas também não será sustentável continuar a sedimentar relações económicas sem uma base de confiança, jogada com as mesmas regras, em sã concorrência e sem receios de enriquecer um possível inimigo.

Se por um lado devemos evitar uma guinada autodestrutiva em direção à autossuficiência e uma divisão acéfala do mundo em dois blocos, a violação dos direitos humanos, a concorrência desleal, o descuido ambiental e o desrespeito pela propriedade intelectual são fatores que não podem ser esquecidos nas relações internacionais estabelecidas pela União Europeia.

Mas se existe área em que a União Europeia enfrenta enormes desafios é na energia, devido à escassez de fontes energéticas e de matérias-primas essenciais para a construção de turbinas eólicas, painéis solares e baterias.

Efetivamente, apesar das energias renováveis ​estarem a substituir progressivamente os combustíveis fósseis, essa transição deverá ser realizada preservando um equilíbrio entre a segurança, a independência, a competitividade e a sustentabilidade energética.

Nesse sentido, no atual contexto, os países europeus devem diversificar as fontes de energia e não apressar o encerramento de centrais nucleares ou a carvão que ajudem a colmatar a intermitência das renováveis. Basta pensar que a China, a Índia e a Indonésia representam 70% da produção de carvão do mundo, enquanto a União Europeia representa apenas 3%.

Na segunda metade de 2020, consciente da escassez de matérias-primas essenciais para a indústria, tecnologia e descarbonização, a União Europeia criou a Aliança das Matérias Primas e identificou os países que representam a maior parcela do fornecimento das 30 matérias-primas consideradas essenciais (imagem seguinte).

Como podemos constatar, a União Europeia está consideravelmente dependente de terceiros, nomeadamente da China, que, para além de ter uma posição importante na extração, é ainda mais relevante no processamento, com uma quota mundial de 58% para o lítio, 65% para o cobalto e 87% para as terras raras usadas​ em dispositivos de alta tecnologia, incluindo smartphones e computadores (ver imagem abaixo).

Dependendo do metal, a dependência da União Europeia das importações de metais está entre 75% e 100% e das 30 matérias-primas que a UE classificou como críticas a maioria é predominantemente importada da China.

Efetivamente, nos últimos anos, a China subsidiou diversos projetos de extração e processamento de minérios, tornando a sua indústria mineira muito mais competitiva que a Europeia.

Adicionalmente, investiu na construção de redes de transporte e na procura por fontes de energia e matérias-primas de outros países, aproveitando o seu poderio económico para construir uma rede de influências políticas e dependências financeiras. Atualmente, 15 das 17 operações industriais de cobalto da República Democrática do Congo são detidas pela China.

Se durante décadas as potências lutaram pelo controlo do petróleo, hoje desesperam pelas matérias-primas essenciais para a sua indústria, tecnologia e transição energética.

A União Europeia tem perdido esta batalha. Por isso, tal como há 72 anos Schuman idealizou uma autoridade comum para gerir o carvão e o aço, talvez esteja na hora da União Europeia reforçar a sua política comum para a energia.

Um mercado de energia integrado poderá tornar os preços mais acessíveis. A compra conjunta de matérias-primas e de equipamentos aumentará o poder negocial. A gestão coordenada dos investimentos e das capacidades energéticas, fortalecendo interligações, aumentará a eficácia das fontes de energia disponíveis e facilitará o caminho para a independência energética e neutralidade carbónica. Uma relação organizada e aprofundada com os países Africanos permitirá encontrar fontes de energias alternativas à Rússia.

Mas não é só na frente energética que a União Europeia se encontra ameaçada. A desaceleração do seu desenvolvimento económico e as dificuldades geradas pela imigração estão a provocar a insatisfação da população, diminuindo o apoio ao projeto político Europeu e aumentando a votação em partidos nacionalistas, sobretudo ligados a questões económicas e identitárias.

Urge reforçar a competitividade e a coesão social, assim como repensar e aprofundar a política de migração, assegurando uma integração adequada dos imigrantes nos diferentes estados membros, devidamente apoiados por um fundo especial para as migrações.

Para além destes, outros desafios assolam a Europa e o mundo. Caminhamos a passos largos para uma população mundial de 8 mil milhões e segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas, para limitar o aquecimento global a 1,5ºC será necessário que as emissões alcancem o seu ponto máximo até 2025.

Mas, enquanto a União Europeia se move lentamente, fruto da necessidade de consensos entre 27 países democráticos, cada um deles com a sua cultura e eleitorado, os EUA e a China, sendo nações singulares, têm outra capacidade de resposta. A China, em particular, por ter um regime totalitário de partido único, tem uma capacidade única para tomar e implementar opções estratégicas de longo prazo.

Chegados aqui, a União Europeia encontra-se numa posição frágil, de perda de relevância internacional. Só através de reformas poderá corresponder aos novos desafios.

Mario Draghi afirmou que a União Europeia “precisa de um federalismo pragmático, capaz de abarcar todos os domínios atingidos pelas mudanças que têm acontecido, da economia à segurança, passando pela energia”.

O caminho passará por tentar reforçar a sua cooperação estratégica em matérias essenciais: a política externa, a segurança e defesa, a política energética, as migrações, a competitividade, a coesão social, a robustez do sistema financeiro, a reindustrialização, a ciência, a qualidade da democracia e os transportes.

Porque só uma União Europeia mais forte, competitiva, independente, ágil, coordenada e integrada poderá continuar a demonstrar que o sucesso económico não se opõe aos seus padrões éticos, democráticos e sustentáveis. Que as sociedades justas, livres e inclusivas preservam melhor o progresso e a paz social. Que é possível continuar a construir a União na diversidade de credos, raças e povos.