As presentes eleições europeias levantam uma série de reflexões importantes para o futuro da UE e, em particular, sobre a sua governabilidade e escolha de um caminho futuro para a União. Neste artigo vamos avaliar as tendências atuais, que embora mostre uma viragem à direita, revela uma acentuada polarização e o acentuar dos nacionalismos. Vamos ter um Parlamento mais fragmentado e polarizado. Os partidos centristas, pilares da integração europeia (European People´s Party (EPP), Socialists and Democrats (S&D) e Renew Europe (RE)) que tinham uma larga maioria na primeira década dos anos 2000, com 75% dos eurodeputados, hoje estão reduzidos a 54%, caso se concretizem as intenções de votação. Na nossa interpretação existe uma enorme e crescente insatisfação dos votantes quanto ao crescimento económico e à segurança económica e geopolítica. E estes não vêm competência nem instituições capazes de responder a esta insatisfação. Antes pelo contrário, a confusão de programas e organismos, a falta de sentido de missão nos programas, a insegurança geopolítica, a corrupção a nível nacional e o questionamento do Estado de Direito, são fatores que contribuem para a falta de confiança mútua entre os parceiros para definir um futuro em comum.

1 A viragem à direita na União Europeia

A Figura 1 mostra as tendências de voto para o Parlamento Europeu nos últimos 3 anos, segundo o Político (Poll of Polls, que sintetiza os principais inquéritos de opinião pública). A primeira observação é que nas vésperas das eleições de 6 a 9 de junho de 2024, os partidos centristas continuam a ser os que agregam mais votos para as legislativas europeias, embora com pequena maioria, mesmo em conjunto (54% do total).

A segunda, é que os partidos de direita e centro-direita têm aumentado de uma forma significativa a sua participação. O centro-direita, compreendido pelos agrupamentos (EPP) e pelos liberais, (RE), têm uma previsão de votos de 255 deputados. Os partidos da direita nacionalista: European Conservatives and Reformists (ECR) e da Identity and Democracy (ID), têm 163, para num total de 418 lugares.

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Figura 1: Tendências de votação para o Parlamento Europeu

Fonte: Politico, Poll of Polls Legenda: EPP= European People Party: centro-direita (inclui PSD); S&D=Socialists and Democrats centro-esquerda (inclui PS); ID=Identity and Democracy, direita nacionalista (RN (Le Pen – França; PVV (Wilders- Netherlands) e Chega); RE=Renew Europe, liberal (inclui fDP alemão e Renaissance francês); ECR=European Conservatives and Reformists, direita (inclui Brothers for Italy (Meloni), Civic Democratic Party (Czech) , Vox (Espanha) e PiS (Polónia)); Left, extrema esquerda (inclui BE e PCP).

O centro-esquerda (S&D) (139), Greens (45), e extrema-esquerda (33) e não inscritos (46) totalizam 263 lugares. Os restantes são não alinhados, para um total de 720.

Nas eleições de 2019 os partidos da direita tiveram 408 deputados e os de esquerda 311. Se ajustarmos para o mesmo número total de deputados, houve uma subida da vantagem da direita sobre a esquerda de 97 para 155 lugares.

2 O crescente euroceticismo e a ascensão dos nacionalismos (de direita e esquerda) na União Europeia

A Figura 2 mostra o crescimento do peso dos votos em partidos eurocéticos na UE desde 2012, nas eleições nacionais. Aquela viragem, em termos históricos está associada, em primeiro lugar à crise financeira global e à crise na Zona Euro que se seguiu, provocando fortes forças de desintegração na União, sobretudo quando um conjunto de países é chamado a “mostrar a solidariedade” dando elevados auxílios aos países da crise, os chamados PIGS.

Figura 2: Peso na votação dos partidos eurocéticos na UE

Fonte: Statista

As atuações da Comissão no Covid e em reação a agressão da Rússia à Ucrânia e ameaças à Europa justificarão a pausa no crescimento dos eurocéticos “duros”, mas nem isso levou à pausa nos mais moderados.

Agrupamentos partidários no Parlamento Europeu, em particular o ID e ECR, partilham a ideologia do nacionalismo, conservadorismo social e anti-imigração.

A França é um caso típico: enfrenta uma série de ameaças sérias, como imigração descontrolada, insegurança, perda de valores e uma crise de identidade a nível individual e nacional. Em consequência, o RN em França tem vindo em ascenção na última década. É um  partido anti-imigração, defendendo cortes significativos na imigração legal e na proteção da identidade francesa (National Rally – Wikipedia), bem como um controlo mais rigoroso da imigração ilegal. Defende também uma política externa francesa “mais equilibrada” e “independente”, opondo-se à intervenção militar francesa em África e distanciando a França da esfera de influência americana, abandonando o comando integrado da NATO. Apoia a reforma da União Europeia (UE) e das organizações que lhe estão associadas, devolvendo um número significativo de poderes para os Estados Membros. Apoia igualmente o intervencionismo económico e o protecionismo, bem como a tolerância zero em relação a violações da ordem pública.

A Figura 3 mostra o avanço dos partidos nacionalistas, em especial da direita, em cerca de metade dos países da UE, onde já estão no governo na Hungria, Itália, Eslováquia e em coligações com outros partidos como na Finlândia. Na Holanda, apesar de ter sido o partido mais votado, o partido de Wenders enfrenta dificuldades em formar governo. Também já esteve no governo na Polónia, em duas legislaturas, tendo perdido o poder nas últimas eleições, a favor de Tusk.

Portugal é um dos países onde a direita nacionalista, o Chega, teve o maior acréscimo de votos nos últimos anos.

Figura 3: Principais Partidos direita nacionalista da UE no Parlamento

Fonte: Elaboração do autor

3 A redução do apoio aos Verdes e ao Green Deal, e a queda da extrema-esquerda

 Outra tendência notória na Figura 1 são a queda na intenção de votos dos Verdes, que passa de mais de 60 deputados no início de 2022 para apenas 45 na atualidade.

Outro fenómeno que a Figura 1 revela é a forte queda dos partidos da extrema-esquerda sobretudo nos finais do primeiro semestre de 2023 e em contraposição à subida da direita nacionalista, passando de 50 para 33 lugares no espaço de 3 anos. Se for semelhante ao caso português tem havido transferência de votos para a extrema-direita.

4 Causas do Euroceticismo

 Existem várias causas para o euroceticismo, dentre as quais apenas afloramos algumas e de forma muito resumida. 

4.1. Corrupção, populismo e partidos anti-sistema

A ascensão do populismo nas democracias de elevado nível de rendimento, hoje, é em grande parte uma reação contra as vantagens desproporcionais desfrutadas pelos ricos e politicamente conectados: o “universalismo ético” parece cada vez mais ilusório. Um exemplo evidencia o que se passa numa das democracias mais velhas do mundo. Uma investigação de 2020 do New York Times, revelou que metade dos contratos do governo do Reino Unido para fornecimentos médicos durante a pandemia de COVID-19 foi para “empresas administradas por amigos e associados de políticos” por meio de uma “pista VIP” especial” (Ang, Project Syndicate, Março 22, 2024). Como, então, a Transparência Internacional no Índice de Perceção de Corrupção classificou o Reino Unido como o 20º país menos corrupto do mundo? E a influência dos oligarcas russos no Brexit e as ligações com altas figuras do Partido Conservador?

Ang (Ang, Yuen Yuen. 2020. “Unbundling Corruption: Revisiting Six Questions on Corruption” Global Perspectives 1 (1)) divide a corrupção em quatro variedades distintas: pequenos furtos (extorsão por agentes de rua), grandes roubos (desvios de fundos por políticos), dinheiro rápido (pequenos subornos para superar obstáculos burocráticos ou assédio) e dinheiro para acesso (grandes pagamentos em troca de privilégios exclusivos e lucrativos, como contratos e resgates). O dinheiro para acesso pode envolver formas “legais” como financiamentos políticos (dos partidos) e lobbying, como pagamentos ilegais (transferências de elevados montantes e envolvendo vários indivíduos ou instituições). Estas são as formas de corrupção mais importantes nos países desenvolvidos, como são as “revolving doors”.

4.2. Imigração

Uma das questões centrais na preocupação dos cidadãos europeus é a imigração de pessoas de fora da UE. A Figura 4 mostra a evolução desde 2011, distinguindo os pedidos de asilo, ano em que rebentou a guerra civil na Síria. Como se observa, os fluxos de imigração subiram acentuadamente, tendo atingido mais de 5 milhões em 2022. Entre 2011 e 2023 já se registaram 31 milhões de imigrantes, próximo do registo atual de residentes nascidos fora da UE (27,3 milhões a 1 janeiro de 2023, segundo o Eurostat).

Figura 4: Imigrantes de fora da UE

Fonte: Eurostat

A Figuras 5 mostra a distribuição da imigração por 1 000 habitantes, em 2022, e a Figura 6 a percentagem de residentes nascidos fora da UE, a 1 de janeiro de 2023.

Figura 5: Imigrantes por 1000 habitantes (2022)

Figura 6: Percentagem de residentes nascidos fora da UE (1 janeiro de 2023)

Os países com maior peso de imigrantes são os pequenos países (Luxemburgo, Malta, Chipre e Bálticos). Também os países com as maiores percentagens de residentes nascidos fora da UE são evidentemente os pequenos, e de entre os grandes são: Áustria (9,3), Alemanha (9,1) e Espanha (9,1). Portugal tem apenas 5,4%, pelo que o problema não tem a acuidade destes outros países. Evidentemente que estes números são apenas indicativos, pois há uma distribuição espacial assimétrica, como a concentração nos arredores de algumas grandes cidades, e não conta com a 2ª geração que pode ser importante nalguns países, como a França.

A imigração tem um papel importante no rejuvenescimento demográfico, no preenchimento de lacunas do mercado de trabalho e na atração de capital humano. Porém, estes números revelam a dimensão que tem o tema da imigração descontrolada, para uma grande parte dos países da UE, embora a sua intensidade difira entre países. Mantendo a tendência atual, a percentagem de residentes nascidos fora da UE saltaria de 6 para 17% em 10 anos, com países como a Alemanha onde aquela percentagem poderia ultrapassar os 25%!

4.3. Crise da UE ou Crise das Democracias nos Estados Membros?

O Centro PEW de investigações políticas, uma instituição não partidária, realizou recentemente um inquérito a 30 mil pessoas em 24 países (entre os quais os grandes países da UE, EUA, Canadá, Austrália, Reino Unido) sobre o estado da democracia (What People Think Would Improve Democracy in 24 Countries | Pew Research Center), e como esta poderia ser melhorada. O fator número um para essa melhoria, em todos os países, é ter políticos mais competentes e honestos. Políticos mais competentes significa com melhores capacidades técnicas. Os cidadãos também anseiam por maior representatividade, i.e., que os políticos respondam mais e melhor às suas necessidades. Em muitos países pretendem reformas que tornem os poderes dos diferentes ramos do Estado mais equilibrados, melhorem o Estado de Direito, ou reformas eleitorais que aumentem a representatividade. Nos EUA, Austrália e outros, os cidadãos defendem que os governos não se devem deixar controlar pelos grupos de interesse especiais. E, em muitos países preconizam que haja um maior combate à corrupção.

A maioria das pessoas considera que as reformas e o crescimento económico são fundamentais para a melhoria da democracia. Quanto às reformas económicas prioritárias estão a reforma fiscal (redução de impostos), criação de mais e melhores empregos, controle da inflação e distribuição do rendimento mais equitativa. Nos países de rendimento per capita inferior às médias regionais ou mundiais, também se dá prioridade à melhoria dos serviços públicos como educação e saúde, assim como das infraestruturas.

5 Conclusões

 Embora a votação dos cidadãos europeus mostra que os partidos de centro-direita e esquerda continuem a ser os mais votados (com uma maioria de 53%). Mas dentro destes, existe uma diferença de 246 deputados a favor da direita. As tendências de voto mostram um avanço global claro dos partidos de direita em relação à esquerda. Contudo, é preocupante a maior polarização política: com forte crescimento dos partidos nacionalistas/populistas. Ao mesmo tempo, verifica-se uma forte queda dos partidos de extrema-esquerda.

Hoje, os desafios que se colocam à UE são mais complexos e críticos: problemas de segurança económica e militar perante as ameaças da Rússia e China, baixo crescimento da economia e competitividade, as ameaças do populismo e nacionalismos. Não nos podemos esquecer que foram os nacionalismos que deram origem às guerras dos séculos XIX e às duas Grandes Guerras.

Esta nova geometria política vai ter importantes consequências na governação e no futuro da UE. Será muito difícil aprofundar a integração ou responder aos novos desafios.

Conforme afirmam Pinkus et all. (ver abaixo), a integração europeia é, no entanto, incerta. Os ganhos de unificar mercados e colocar recursos em comum são evidentes no papel, mas podem parecer quimeras na realidade. A perspetiva de um futuro alargamento a países com histórias e instituições diferentes das – já diversas – dos atuais Estados-Membros está a criar uma desconfiança generalizada. As disputas sobre o orçamento da UE e a controvérsia sobre a estratégia geopolítica minam a confiança mútua. Mas, sem confiança mútua, com polarização excessiva, não pode haver acordo sobre a estratégia a seguir. Esta é a razão pela qual a Europa está parada.

É tentador defender a agenda da integração, na esperança de que a racionalidade acabe por prevalecer. Mas os argumentos racionais baseados na análise económica não conseguirão afastar as objeções profundamente enraizadas a uma maior integração. O que bloqueou a união bancária ou o que está a bloquear a união dos mercados de capitais não foi a falta de argumentos económicos racionais. Pelo contrário, o que alimenta a resistência ao progresso no sentido de uma UE integrada é uma combinação de relutância em aceitar transferências irreversíveis de competências, incerteza quanto à distribuição dos ganhos, desconfiança nos Estados-Membros parceiros e desconfiança nas instituições comuns, como afirmam.

É provável que estes obstáculos permaneçam num futuro próximo. É verdade que a experiência com o choque da COVID-19 mostrou que eles podem ser superados em circunstâncias excecionais. Mas também mostra que eles reaparecem quando a fase aguda da crise termina.

É por isso que concordamos com a abordagem alternativa que um conjunto de especialistas propôs recentemente (Pinkus, Pisani-Ferry, Tagliapietri, Veugelers, Zachmann e Zettelmeyer. Coordination for EU Competitivness), cuja proposta aqui reproduzimos, a que chamaram coordenação para a competitividade, que poderia ser aplicada em domínios em que os ganhos da cooperação são suficientemente elevados e cujos ingredientes seriam:

  • Objetivos claramente definidos a atingir num determinado horizonte;
  • Coligações flexíveis e abertas que envolvam os Estados-Membros e as instituições da UE;
  • Uma combinação criativa de recursos públicos das instituições da UE ou dos Estados-Membros participantes;
  • Governança orientada para a missão.

A maioria dos países não está disposta a apoiar uma solução puramente federal. Por estas razões, uma abordagem experimental passo a passo ajudaria a superar a relutância e o medo.

Se forem bem-sucedidas, as experiências de coordenação em prol da competitividade poderão transformar-se em regimes permanentes e ser eventualmente integradas no sistema jurídico e institucional da União Europeia. Se não forem bem-sucedidos, poderão ser reformados ou descontinuados. Esta abordagem tornaria o desenvolvimento da UE muito mais biológico.