Agora que trabalhar a partir de casa é o novo normal, inclusive “working from home abroad” (trabalhar de casa no estrangeiro), o autor deste artigo, apesar de trabalhar numa empresa na Inglaterra, tem andado à procura de casa no Algarve. Antes de tomar a decisão tem pedido e tido acesso a muitas atas de bons condomínios. Da análise dessas atas, quase todas populadas por nomes estrangeiros, resulta um facto omnipresente, revelador e assustador para os Portugueses.

Quer os condóminos sejam Ingleses, Irlandeses, Holandeses, Franceses, Suíços, Alemães ou Escandinavos, todos se queixam nas atas de algo nunca antes visto em lado nenhum da Europa rica: ano após ano, estes estrangeiros dizem não compreender por que é que o preço da energia em Portugal é tão mais elevado do que nos seus países de origem. Por isso votam sucessivamente em mudar de companhia de energia sem, no entanto, verem nenhum resultado prático. Como são possíveis estes preços absurdos e não competitivos, inexplicáveis em toda Europa e para todos os Europeus?

“Se queres saber quem realmente te governa, põe os olhos em quem ninguém pode criticar.” É uma afirmação de Orwell, muito relevante no Portugal contemporâneo.

Com a honrosa exceção do Observador e de poucos outros órgãos, a maioria da comunicação social não diz nada sobre as mentiras e críticas constantes do Primeiro-Ministro, por muito falsas, injustas ou prejudiciais que elas sejam para milhões de Portugueses e milhares de empresas decentes que vivem de servir os seus clientes a preços competitivos e de mercado livre, sem favores do Estado, nem ofertas a secretários de Estado.

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O Primeiro-Ministro, por natureza, afirma tudo e o seu contrário sem grandes consequências nem indignação jornalística. No entanto, Costa, desta vez, teve o azar de mentir ao criticar a Galp. De repente, nunca se viram tantos cavaleiros acorrer a uma suposta donzela indefesa. Não houve TV nem jornal que não chamasse mentiroso ao Primeiro-Ministro. Mesmo os órgãos mais fiéis ao Governo, afinal, parece que são ainda mais fiéis a terceiros.

Para demasiadas pessoas é normal o país ser governado por um Primeiro-Ministro que se contradiz permanentemente, sem qualquer visão nem estratégia para a competividade internacional de Portugal. Aliás, quando não está em causa a Galp, ai de quem apelidar de mentiroso o mentiroso compulsivo Costa, pois é logo censurado em muita da comunicação social. Isto, porque para várias televisões e jornais portugueses, a verdade não é “boa educação”.  Só que nesta nova mentira, Costa já pode ser apelidado de mentiroso por todos, sem dó nem piedade, sem educação nem contenção, porque criticou a Galp. Pensamos que seria ainda pior, se Costa tivesse ousado mentir ao criticar a EDP.

Este bizarro cenário confundiria bastante o compositor Prokofiev. Como é sabido, este contou-nos uma história lógica e com moral, em que Pedro mentia sempre dizendo que tinha visto o lobo. Por isso, a única vez em que disse a verdade, ninguém na aldeia acreditou nele. Já na aldeia lusa, a história é mais ilógica e amoral: demasiada gente acredita em Costa sempre que ele mente, mas ninguém acredita nele quando não mente – mesmo dizendo finalmente algumas verdades – sobre certos lobos.

Costa pôs as culpas todas na Galp sobre o encerramento e consequente despedimento de trabalhadores da refinaria de Matosinhos. Isto quando, poucos meses antes, Costa tinha alardeado que tal encerramento era um grande feito do seu Governo a favor do ambiente. Indubitavelmente, apenas mais uma das muitas mentiras de Costa, mas desta vez extremamente denunciada como tal, com as culpas dos despedimentos todas assacadas ao Governo.

Curiosamente, poucos dos muitos que foram a correr defender a Galp das críticas de Costa, se incomodam em defender a grande maioria das companhias portuguesas que não empreguem políticos nos conselhos de administração nem usem o dinheiro de inexplicáveis perdões fiscais para publicarem anúncios de página inteira nos jornais, igualmente inexplicáveis. Para que são precisos anúncios a companhias de energia em Portugal, quando nos basta ver os placards de autoestrada com os preços da gasolina todos iguais até ao milésimo de euro, independentemente da empresa, para perceber que não há competividade nem escolha? Para que poderão servir os anúncios se o seu custo não vai para angariar novos consumidores?

A Galp apareceu por todo o lado como supostamente tão impoluta e sem pecado nos despedimentos e na falta de requalificação profissional dos trabalhadores de Matosinhos, como no tratamento dos consumidores e contribuintes portugueses em geral. Não lemos esta semana, ao contrário da semana passada, parangonas de propaganda poéticas ao Governo sobre “governante(s) que faz(em) 20 mil quilómetros e ainda têm tempo para falar ao país.” Só ouvimos dizer que este era o péssimo Governo que tinha 7% do capital da Galp e não fazia nada pelos trabalhadores despedidos aquando do encerramento da refinaria de Matosinhos. Os outros 93% dos acionistas da Galp e os seus dirigentes são todos almas inocentes em relação aos 400 trabalhadores que perderam o emprego diretamente e aos outros mil que o perderam indiretamente.

Aparentemente, uma companhia que lucra tanto com preços inexplicavelmente altos não tem qualquer responsabilidade social quando uma das suas refinarias já não dá lucro. Os contribuintes portugueses que paguem tudo e todos os subsídios dos milhares de desempregados da refinaria. Já que pagam preços de energia tão altos, paguem também lá isso.

“Não fala”, “deixem-na falar”, lamentavam-se muitos jornalistas com tremenda empatia pela injustiçada Galp, ao mesmo tempo que todos falavam por ela e a favor dela. Pobrezinha.

A Galp, de 2008 a 2021 teve cerca de cinco mil milhões de euros de lucro, que seriam de enaltecer se fossem fruto de verdadeira livre concorrência internacional e positivos para Portugal. No entanto, em 2021, segundo o Eurostat, Portugal é o terceiro país da União Europeia onde o preço do gás aumentou mais, e isto quando a média europeia de custos até baixou. A ERSE tentou controlar estes preços tresloucados, e em sintonia com empresas como a REN, mas tudo o que conseguiu foi multar a Galp nuns meros 376 mil euros por lesar os consumidores na faturação dos contratos. Nem um milhão de euros de multa para quem tem cinco mil milhões de lucro a fazer o que faz. A Galp, no entanto, segundo a comissão de trabalhadores, nem um único trabalhador com vínculo permanente contratou desde 2017. A maioria dos lucros não foi investida nem na criação de novos empregos, nem em pesquisa e desenvolvimento como qualquer grande companhia internacional que se prezasse e vivesse num verdadeiro pais próspero, onde tivesse que singrar através da livre concorrência e ter de oferecer melhores serviços todos os anos. Os seus lucros são maioritariamente distribuídos em dividendos, aos acionistas, de forma rara no mundo ocidental civilizado. Servem também, repito, para anúncios nas televisões e nos jornais.    

Se calhar há tanta gente na comunicação social a defender as companhias de energia só pelo síndroma de Estocolmo. Os comentadores mediáticos portugueses amam quem lhes faz e nos faz pagar preços predatórios pela energia, sem igual no resto da Europa. Sofrem do conhecido estado psicológico patológico em que uma vítima de agressão se apaixona pelo agressor. Esta hipótese parece-nos tão absurda como os preços de energia que toleramos em Portugal como mais ninguém tolera na Europa.

Algo de mais grave se passa. A Costa é permitido mentir sobre tudo o que nos arruína, exceto sobre as companhias de energia que no país mais pobre vendem, todas, a energia mais cara da Europa, retirando competitividade a Portugal, prejudicando desde os mais ricos e grandes investidores internacionais, que assim fogem de Portugal, aos mais pobres e aos idosos portugueses que morrem de frio no inverno. Uns não querem e outros não podem pagar preços de energia inexplicáveis num país de mão-de-obra tão barata.

Relembremos que Costa, segundo o seu próprio predecessor no PS, Seguro, só foi posto num pedestal por muita da comunicação social e do regime lisboeta, precisamente porque vinha para servir o partido dos negócios ruinosos misturados com política. Assim, mentiu sempre sem quaisquer problemas ou questões, sem ter de vir para os jornais defender-se. Começou logo por mentir, começando por dizer que, ao contrário de Seguro, ia ganhar por muitos e era capaz de muito mais do que poucochinho para o País. Mentiu, quando disse que tinha uma “agenda para a década”, da qual ia resultar um Portugal fantástico já em 2020. Quem lhe perguntou quais as medidas que tomou dessa agenda? Sobre os resultados dessas mentiras?

O que aconteceu assim que, de repente, em Matosinhos, Costa se atreveu a mentir, criticando e mordendo a mão, pela primeira vez, aos verdadeiros donos disto tudo? Levou logo! Foi posto no seu lugar por uma horda de amigos das companhias de energia em posições de influência e mediatismo. Na verdade, o “quem se mete com o PS leva” sempre significou “quem se mete com os donos do PS leva”. Costa viu logo o que lhe aconteceria se de repente se virasse contra os negócios ruinosos misturados com política. Teria a imprensa toda contra, como Seguro teve, e seria forçado a sair da política. Simples.

Em parte, significativa, como consequência desta benevolência mediática para com as companhias de energia que arruínam Portugal, desde a irresponsabilidade social aos preços, Portugal é um país miserável, sem indústria nem grandes investimentos internacionais, com profissionais novos a emigrar e reformados idosos a tiritar de frio. Os favores do Governo, do Parlamento, dos escritórios de advogados que empregam parlamentares e da comunicação social recaem sobre companhias de energia geridas por políticos nos conselhos de administração. Estas misturam negócios ruinosos para os contribuintes e consumidores com política, grandes honorários para escritórios de advogadose anúncios de páginas inteiras nos jornais. Tais companhias retiram toda e qualquer competitividade a Portugal, mas têm amigos, mais amigos do que Costa.

Voltando às atas com que iniciámos este artigo, também se vê nelas que a maior parte dos condóminos dos bons condomínios do Algarve são Europeus do Norte ou do centro. Aliás, este autor, sempre com salários só possíveis no estrangeiro, já possui um outro imóvel no Chiado. Também aí são só dois portugueses entre 32 condóminos. Também no Algarve, por ter salário inglês, vou ser um dos poucos, se não o único, portugueses em qualquer bom condomínio que escolher. A vida dos Portugueses está estagnada economicamente desde a adolescência do autor, há 30 anos, no Algarve e em Lisboa. A maioria dos Portugueses continua a morar em prédios cada vez mais envelhecidos, como os da Quarteira ou Odivelas, enquanto os estrangeiros moram em condomínios novos na Quinta do Lago ou no centro de Lisboa. O dinheiro disponível dos Portugueses nunca chega para as melhores casas de Portugal, pois vai todo para um custo de vida insustentável que resulta num dos poderes de paridade de compra mais baixo da Europa, em grande parte devido aos custos de energia. Quanto aos estrangeiros, estes continuam a passar uns meses por ano no Algarve ou em Lisboa, mas com estes preços de energia, nunca lhes passaria pela cabeça fundarem empresas em Portugal, que teriam de pagar preços de energia insustentáveis, desde o mero ar condicionado para os escritórios à grande produção industrial. Não faz mal, ninguém (?) que saiba escrever português conseguirá chegar à comunicação social nacional para criticar ou questionar as empresas de energia. Quem se mete com os donos do PS leva e é silenciado. A ver vamos. Se virem este artigo publicado, é porque ainda há alguma esperança de liberdade num país onde a falta dela para providenciar uma perspectiva diferente se paga caro nos contadores de eletricidade e nos postos de combustível.