Não há muito mais a que uma pessoa se dê com tanta força como a repetir os seus erros. Por mais que as novidades a tragam à vida. E aquilo que se repete a entulhe num tédio vizinho da morte. Apesar disso, todos queremos mudar. Muitas vezes. Mudando quase tudo sem mexer em quase nada. “Mudando” de um dia para o outro. O que, valha a verdade, aviva a impaciência com que vivemos a mudança. E deixa a nu o enfado com que nos entregamos à humildade, aos sacrifícios e à disciplina com que uma escolha, depois de elegida, nos desafia a mudar.

Vivemos num mundo onde se fala, como nunca, da mudança. E, talvez pela forma como se ela se aborda, a história pareça cíclica e repetitiva. E a vida um círculo vicioso. É verdade que as coisas, à nossa volta, se sucedem a uma velocidade estonteante. E nada do que, hoje, é palpável e é seguro se confirma, de véspera, para depois de amanhã. As novidades cavalgam os nossos dias a um ritmo vertiginoso. E o seu prazo de validade torna-as mais ou menos descartáveis. Muitas vezes, circunscritas a uma única imagem ou a uma mancha de texto, mínima e quase telegráfica. A atenção que lhes dedicamos é veloz. E tão depressa elas se impõem aos nossos sentidos como se desmoronam e se desfazem. Mais do que rápido, tudo parece um flash fugaz e instantâneo. Em todo o lado, parecemos querer tudo a toda a hora e ao mesmo tempo. Mas, depois, vai-se a ver, e as pequenas coisas que se mudam servem para que tudo pareça demasiado igual a tudo o que era. A ponto da vida se insinuar como um disco riscado.

Num tempo onde, segundo a segundo, procuramos a novidade e em que nós próprios reconhecemos que o mundo é, todo ele, composto de mudança, persiste a sensação que, por mais pequena que ela seja, qualquer transformação suscita sempre oposição, hostilidade ou resistência. Sejam as mudanças sociais. As mudanças dos protocolos habituais que se seguem no trabalho. Como as rotinas de todos os dias, que quase nunca se alteram. É verdade que, de um momento para o outro, nos adaptamos a enormes transformações e fazemos-lhes frente. (Veja-se a crise de 2008 ou a pandemia, por exemplo.) Mas, ao contrário de tudo o que, nessas alturas, se passou, voltámos ao que éramos. E, olhando-nos da frente para trás, voltamos a repetir os mesmos erros, muitas vezes. Casamos com pessoas que são diferentes, por fora, e mais iguais entre si, por dentro, do que parece. Atrás dum mesmo erro educativo vêm logo dois ou três, mais ou menos iguais. Replicamos as mesmos asneiras um ror de vezes. E, pior, repetimos muitos dos descuidos, dos desacertos e dos fiascos dos nossos pais. Como se a nossa autonomia – sempre reclamada, em relação a eles – tivesse outros pontos de partida mas, como uma porta-giratória que se impõe, parecesse, muitas vezes, ter os mesmos sítios de chegada. Por mais que nos custe, e apesar de sermos curiosos, atentos, abertos à novidade e à surpresa, a nossa vida tem qualquer coisa de compulsão à repetição que, desde muito cedo, desistimos de decifrar. E talvez seja por isso que, como se cada pessoa tivesse o seu próprio destino, ouvimos que não há muito a esperar ou a fazer. Afinal, “as pessoas não mudam”.

Se deixarmos de atribuir as consequências daquilo que somos à alteração que a internet e o Iphone, de forma combinada, nos trouxeram, a todos; se não remetermos para as redes sociais a culpa exclusiva daquilo em que nos tornámos, como se fôssemos (sobretudo) as suas vítimas; e se não nos ficarmos pelas responsabilidades que o neoliberalismo ou a era pós-moderna têm na forma imediatista como oscilamos entre o desejo e a desilusão (que se estimulam ,incansavelmente, como se duma roleta russa se tratasse); talvez seja de afirmar que só não mudamos porque não queremos. Porque temos medo da mudança. Porque a evitamos, sequer, imaginar. Ou porque receamos trocar o certo pelo incerto. Apesar da forma como nos vendem fórmulas simplistas e fáceis de mudança, todas elas como se fossem os requisitos que nos faltam para a saúde mental (seja quando nos propõem meia dúzia de passos para o sucesso; ou hábitos, rotinas, expansões da consciência ou o poder do sub-consciente; ou a lábia de sermos sempre positivos ou de cultivarmos a arte de não procrastinar), talvez fosse de perguntar o que é que faz com que, muito cedo, nas nossas vidas, mudar pareça chegar sempre tarde demais. Apesar de existirem circunstâncias de vida que se impõem e nos obrigam à mudança, e de acabarmos por achar que ela nos abriu para desafios sem os quais estaríamos pior, a mudança nunca é fácil. A ponto de, por isso mesmo, parecer digna de crédito a ideia que as pessoas não mudam.

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Mas, afinal, as pessoas mudam ou não mudam? Mudam! Sem quaisquer dúvidas. Assim elas queiram mudar.

É possível que mudem, unicamente, pela superfície das coisas e à margem do conhecimento de si próprias? Não. Mudar é uma escolha, um conhecimento e um trabalho; prolongado. Depois de feito, torna-nos simples. Antes de lavrado, parece-se a um caminho intransitável.

Pode uma mudança, só por si, levar-nos começar do zero? Nunca! Nunca se muda de vida. Mas muda-se a vida, mudança a mudança. Muitas pequenas mudanças, todas juntas, certamente que a mudam. Mas nunca uma mudança se dá silenciando um conflito. Antes se dá quando, não fugindo de cada um, de contradição em convicção, se chega mais longe.

Mudamos sozinhos ou mudamos em função de alguém (da importância que essa pessoa assumiu na nossa vida e das interpelações que ela nos traz)? Das duas formas.

Não mudar significa que nos sentimos bem como estamos? Não. Significa que ao evitar-se pensar na mudança a sua urgência nunca pareça indispensável.

Repetirmos os mesmos erros supõe que não procuramos outra coisa neles senão a urgência do seu entendimento para que, depois disso, finalmente, mudarmos.

Só porque as queremos palpáveis, definidas nos seus mais pequenos contornos e, de de certa forma, materiais, antes de as vivermos, é que as mudanças se diluem no ar. Só porque fogem de si mesmas as pessoas fogem de mudar.