Depois do crescimento do drama dos últimos dias, o colégio de comissários decidiu manter o suspense por mais uns dias. No entanto, é cada vez mais provável que Portugal (e Espanha) venham a ser multados ou “repreendidos” não só pelos défices de 2015 mas também pela falta de medidas corretivas em 2016.

Por muita discussão política à volta da ‘justiça’ das sanções (ou sançõezitas) e quem são os responsáveis, não é difícil concluir que elas cumprem plenamente as (complexas) regras do Tratado Orçamental. Ao adiar a decisão final, no limite para depois do verão, a Comissão garante que quando as sanções forem aplicadas já há uma maior certeza quanto à execução orçamental de 2016. E aí cada vez ser cada vez mais difícil justificar a narrativa da ‘pesada herança’ – a não ser que o Brexit sirva de desculpa.

Politicamente, não surpreende que depois do Brexit e depois das críticas dos países do Norte por demasiada complacência, a Comissão não queira ser vista como permissiva e demasiado reativa quanto ao cumprimento das regras. Ao contrário do que por vezes transparece, as duas correntes antieuropeias, dos países do Sul e do Norte, têm fundamentos distintos – no sul ‘anti-austeridade’ e no Norte por se passar a ideia de que a Comissão tem sido demasiado complacente.

Mas passando as regras propriamente ditas, qualquer decisão de penalizar Portugal e Espanha não só não é injusta, como até já poderia ter sido tomada há alguns meses. Esta capacidade de a Comissão ser mais preventiva advém das alterações feitas em 2012 e 2013, aquando da aprovação do ‘Fiscal Compact’ e do alargamento dos mecanismos de vigilância. Ambos aprovados por todos os países e no caso de Portugal, contaram com os votos favoráveis não só do governo PSD/CDS-PP mas também do Partido Socialista.

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Para além disso, estas alterações foram a moeda de troca que permitiu que Mario Draghi convencesse os restantes Governadores do BCE a mudar de atitude ainda em 2012 e pudesse dizer que ia “fazer tudo o que for preciso”. Daí que mesmo quando há alguns meses as sanções pareciam improváveis, o BCE expressasse a sua discordância. Por outras palavras, dificilmente o BCE continuará a comprar dívida pública ou expandirá o programa atual se não tiver garantias que as regras orçamentais são cumpridas.

As sanções são de facto relativas ao não cumprimento dos objetivos em 2015, mas não só. Segundo as regras (1) um país é considerado em incumprimento quando não reduz o défice para menos de 3% do PIB no prazo acordado e ao mesmo tempo que não toma as medidas necessárias para o corrigir nos anos seguintes. E tem não só objetivos para o défice nominal, mas também para o défice estrutural (o défice excluindo o efeito do ciclo económico). No caso de Espanha, o prazo para reduzir o défice abaixo de 3% apenas termina no próximo ano, mas tendo em conta a trajetória esperada e a falta de medidas de consolidação a Comissão não esperou sequer por 2017.

Ora, já em fevereiro aquando da apresentação do Orçamento de Estado para 2016, o governo recebeu vários avisos por parte da Comissão relativamente a 2016, principalmente porque a politica orçamental iria ser expansionista, tal como já tinha sido em 2015. Ou seja, o défice estrutural iria aumentar este ano em quase 0,5% do PIB em vez de descer praticamente no mesmo montante. Na altura, o OK de Bruxelas ao Orçamento foi de certa forma condicional e dependeu de o Governo anunciar a disponibilidade para implementar medidas corretivas – o famoso plano B.

De acordo com as ultimas estimativas, o défice estrutural devera aumentar cerca de 0,2% do PIB, ou seja, continua a existir um desvio significativo de 0.7% do PIB (mais de 1200 milhões de Euros). Mesmo de acordo com os números do governo, o défice estrutural ira apenas melhorar cerca de 0,1% do PIB, quase 700 milhões de euros abaixo do objetivo. E se é um facto que a execução orçamental ate maio não sinaliza derrapagens, também é um facto que ainda é cedo para tirar conclusões, já que parte das medidas expansionistas só entram em vigor na segunda metade do ano e a procura interna não parece estar a reagir de acordo com os planos do governo (como demonstram os dados das vendas a retalho divulgados hoje pelo INE)

E neste ponto, não deixa de ser um bom exemplo que esse mesmo governo que se compromete com responsabilidade orçamental e um crescimento “saudável” da economia longe do perfil verificado ate 2010 tenha na semana passada celebrado efusivamente a descida do IVA da restauração. Uma medida que não só implica menos receita fiscal como também incentiva um setor mais virado para o mercado interno.

Finalmente, outro argumento (político) que é utilizado contra as sanções prende-se com o tratamento desigual face aos ‘grandes’. De facto, os países pequenos são muitas vezes tratados de forma diferente – tal como Juncker disse, “a França é a França” – mas neste caso, Portugal não está a ser descriminado, já que, ao contrário de França que reduziu o seu défice estrutural, teve e terá uma politica orçamental expansionista em 2015 e 2016. Na verdade, Portugal já beneficiou de dois alargamentos do prazo para trazer o défice abaixo dos 3%. No entanto, dessas vezes, não só não reduziu o défice estrutural, como se comprometeu a continuar a fazê-lo desta vez não é o caso.

Assim, ao continuar a protelar a decisão quanto as sanções, a Comissão está na prática a retirar argumentos a eventuais queixas por parte do governo. Se as sanções chegarem no outono, já será tarde demais para o governo rever as suas estimativas para 2016, mesmo que a envolvente externa se deteriore devido ao Brexit, qualquer quebra da procura interna (mais importante para a execução orçamental) não se deverá a isso. Se forem decididas durante o verão, mesmo cumprindo as regras, o governo terá mais argumentos (políticos) para defender a execução orçamental em 2016. Por isso, quanto mais tarde chegarem as sanções, menos “injustas” e politizadas serão.

P.S.: No meu primeiro artigo para o Observador no dia 13 de maio, escrevi que Portugal teria de crescer como em 2000 para que a previsão do governo se realizasse e que mais depressa Fernando Santos levava a seleção as meias-finais do que o objetivo do governo seria atingido. Ora, jogamos hoje as meias-finais com sérias hipóteses de apuramento para a final e cada vez parece menos provável (até para o próprio Ministro das Finanças) que a economia Portuguesa cresça os 1,8% esperados pelo governo. Por isso, será caso para dizer que é mais provável que Fernando Santos nos traga a primeira taça do que Mário Centeno acerte nas previsões?

(1) Que são explicadas aqui em grande detalhe: http://ec.europa.eu/economy_finance/publications/eeip/pdf/ip021_en.pdf ou mais resumidamente aqui: http://ec.europa.eu/economy_finance/economic_governance/sgp/pdf/2015-01-13_communication_sgp_flexibility_guidelines_en.pdf

Economista