Mário Centeno tem sido extremamente hábil na condução da política orçamental na frente interna e na frente externa. Tal como Maradona, tem conseguido fintar sucessivamente ora os parceiros de governo, ora as instituições internacionais.

A surpreendente resiliência da “geringonça” e o entendimento entre os partidos que a formam já tem sido bastante debatido. É de saudar, de facto, que o PCP e o Bloco de Esquerda tenham “deixado” a sua atitude de partidos de protesto e assumido uma postura mais construtiva, aprovando Orçamentos do Estado com austeridade, que, pasme-se, foram além da troika. E, de facto, António Costa tem demonstrado que, tal como no passado, consegue não só formar coligações, mas também mantê-las coesas.

Mas há outro interveniente que tem sido crucial, no bom sentido, como se nota neste Programa de Estabilidade: Mário Centeno. Apesar da sua falta de experiência política, o ministro das Finanças parece estar a aplicar no Terreiro do Paço o equivalente a àquilo que Mervin King chamou de “teoria de Maradona das taxas de juro”.

Como explica o antigo governador do Banco de Inglaterra neste discurso, o ideal da política monetária passa pelo banco central fazer o mesmo que Maradona fez aos jogadores ingleses no segundo golo do famoso jogo do Mundial de 1986. Por outras palavras, o banco central ideal deve ir iludindo os agentes de que pode intervir sem na realidade o ter de fazer, como, por exemplo, fez Mario Draghi em 2012, em Londres, quando se limitou a incluir uma simples frase num discurso.

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E como tem aplicado Mário Centeno esta teoria?

Podemos recuar até 2015, ainda antes das eleições e quando da apresentação do plano macroeconómico. Na altura, Mário Centeno simulou uma viragem à direita, com propostas de reformas do mercado laboral que iriam além da troika e com descidas da taxa social única (TSU) para as empresas. Depois, ainda durante a formação do governo, o PS e Mário Centeno continuaram a fletir para a direita e foram acalmando os analistas de mercado, agências de rating e as instituições europeias de que o novo Governo seria sempre “ortodoxo e europeísta”.

Tudo isto para, depois, simular uma guinada à esquerda, já no Governo, e reverter grande parte das medidas de contenção, a um rimo bastante rápido e a chocar de frente com as instituições europeias quando da apresentação do Orçamento para 2016. Mas depois, rapidamente, mais uma vez simulou, ou fintou, mesmo, para a direita, ao prometer (e depois executar) um “plano B” com cativações, cortes no investimento e um perdão fiscal.

Ou veja-se, também, o caso da banca. Começou com mais uma intervenção pública no Banif – supostamente a última intervenção pública num banco. Depois, não excluiu a nacionalização do Novo Banco para acabar por vendê-lo a um fundo, tendo-se confirmado que nunca foi sequer pedida a nacionalização a Bruxelas.

E, mais recentemente, o que temos então no Programa de Estabilidade?

  1. Finta para a direita. As metas orçamentais são, de facto, as desejáveis e não diferem muito das apresentadas pelo anterior Governo. Comprovando que o Governo, apesar de ir simulando que afronta a Comissão Europeia, na hora da verdade cumpre – e ainda bem que o faz. Depois da estratégia inicial de confrontação, percebeu que não vale a pena. Veja-se que agora até a Itália cedeu e prometeu mais medidas para este ano
  2. Finta para a esquerda. Ainda esta semana, no Parlamento, o Governo garantiu que iria c cumprir todos os compromissos com o PCP e o BE. Mas será possível conjugar estas metas com as promessas a esquerda?

E para onde vai Mário Centeno com estas fintas?

As estimativas de crescimento pecam por otimismo, principalmente a partir de 2018. É pouco provável que a economia cresça sempre 2% ao ano, ou mais, principalmente num ambiente de consolidação orçamental. Na realidade, o nosso produto potencial andará ainda em 1% (ou 1,5% nos cenários mais otimistas), pelo que assumir um crescimento bastante acima disso, com reduções do défice estrutural, é de um otimismo (muito) irritante.

Quanto à componente orçamental, é praticamente impossível avaliar, já que se desconhecem as medidas. Mas, ainda assim, é relativamente fácil identificar dois riscos: 1) caso a economia não acelere tanto como esperado pelo Governo, será mais difícil reduzir o défice (e a dívida); 2) como é que este Governo continuará a reduzir despesa aumentando salários e depois de ter cortado tanto o investimento e os consumos intermédios? Depois de 2016, quais os coelhos que restam na cartola? Este ano será já um desafio interessante e o próximo será ainda mais, principalmente porque irá testar a solidez da geringonça já num ambiente eleitoral

Finalmente, no plano de reformas, o Governo também finge que vai para a direita, mas não apresenta reformas dignas desse nome, gingando, assim, para a esquerda. Ainda há pouco tempo, o primeiro-ministro disse que a expressão “reformas estruturais” lhe provoca arrepios, pelo que, neste campo, dificilmente o Governo virará mesmo para a direita como tem feito no défice.

Em suma, com este Programa de Estabilidade, Mário Centeno simula que vai para a direita o suficiente para agradar a Bruxelas, FMI e, eventualmente, aos mercados e agências de rating. No entanto, ginga para a esquerda ao deixar em aberto as medidas e ao não apresentar reformas. Será isto suficiente? Para já, sim. Depois dos resultados orçamentais, as taxas de juro vão descendo, a geringonça vai funcionando e a Comissão deverá aplaudir. No próximo Orçamento do Estado, negociado na altura das autárquicas, veremos.

Se, no último trimestre, com a economia a desacelerar, a execução orçamental não correr como esperado, as negociações para o Orçamento de 2018 complicarem ou a situação da banca não melhorar, será necessário recorrer, tal como Maradona, à mão de Deus.