Passadas quase duas semanas do anúncio da “venda” do Novo Banco e agora que a poeira vai assentando é possível desmontar alguns mitos: no fundo, “não havia alternativa” a este tipo de venda e terá muito provavelmente custos para os contribuintes. Mas, ainda assim, e mesmo depois dos esclarecimentos de Mário Centeno, continuam a existir dúvidas que não foram devidamente esclarecidas.

Começando pelos mitos.

A nacionalização e a liquidação nunca foram, ou são, hipóteses credíveis. Foram apenas usadas como parte da estratégia negocial e, claro, para consumo interno.

Nacionalização

Conforme já foi dito pela Comissária Europeia para Concorrência e pelo primeiro-ministro, ao contrário do que chegou a ser posto a circular há alguns meses, a nacionalização nem foi sequer uma hipótese. Provavelmente, as notícias que circularam há alguns meses serviram dois propósitos: i) sinalizar aos compradores que o Estado poderia sempre ficar com o Novo Banco caso as propostas não agradassem e ii) acenar ao PCP, BE e a alguns dentro do PS que este governo não venderia ao desbarato o antigo BES ao grande capital.

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Claro que a realidade levou a melhor. As consequências de uma nacionalização seriam sempre demasiado caras: não só pelo seu custo imediato, perto de cinco mil milhões de euros (que incluem o valor já injetado pelo Fundo de Resolução e o aumento de capital a fazer pela Lone Star), mas também por todas as contingências futuras serem responsabilidade do Estado. E a isto acrescem ainda as exigências que seriam certamente feitas pela temida DG Comp.

Liquidação

Por muito que se fale, a liquidação nunca foi/é um cenário verdadeiramente equacionado. Neste cenário, o banco fechava, significando que os seus ativos líquidos seriam usados para pagar os depósitos de clientes. Como tal não seria possível, os depósitos teriam de ser cobertos pelo Fundo de Garantia de Depósitos que dificilmente teria recursos disponíveis (imediatamente) para tal. Em última analise, Portugal perderia um dos seus maiores bancos e o Estado teria de financiar uma grande parte dos seus depósitos. Ou seja, os custos da liquidação são de tal forma incomportáveis que esta hipótese só pode ser considerada num cenário de incompetência extrema do Banco de Portugal e do Governo em que o prazo da venda expirava e as autoridades nacionais não só não o tentavam alargar (novamente) nem demonstrar que haviam tentativas em marcha para a venda.

Daí que seja irrealista pensar que os obrigacionistas do Novo Banco estão condenados a aceitar as novas condições para a sua dívida porque se não o fizerem o banco será liquidado e, por isso, perdem tudo. É verdade que deverão perder, mas neste caso, o Estado, o sistema financeiro e toda a economia portuguesa ainda perdem mais. No fundo, esta é uma tentativa de bluff que poderá falhar, tal como falhou o bluff da nacionalização.

Não há custos para o contribuinte

Finalmente, o outro mito que vai caindo é o de não existirem custos para o contribuinte. Ainda ontem o ministro falou em “garantia contingente” do fundo de resolução, apenas excluindo o impacto imediato no défice. Em bom rigor, este mito surgiu logo depois da resolução do BES. Antes demais, o Estado terá sempre uma exposição indireta através da Caixa Geral de Depósitos. Mas esta exposição poderá aumentar caso a tal “garantia contingente” seja acionada se o Novo Banco precisar de mais capital – algo bastante provável. Contabilisticamente não há ainda impacto, mas caso o Fundo de Resolução registe perdas, estas começarão a ir ao défice.

Mas mesmo depois dos esclarecimentos do ministro das Finanças no Parlamento ainda subsistem dúvidas.

A primeira dúvida que importa responder, até para saber até que ponto existe um risco para os contribuintes, é: o que contém o side bank? Que créditos “duvidosos” estão incluídos?

Pouco, ou nenhum destaque tem sido dado pelos vários partidos, mas tendo em conta os elevados montantes de que se tem falado, até podemos estar a falar de um nível de imparidades tal que a ser replicado nos outros bancos levará a uma nova ronda de necessidades de capital. Ou, no limite, até podemos estar a falar de uma má gestão da recuperação de crédito por parte do Novo Banco. É certo que neste campo impera (sempre) o sigilo bancário, mas tendo em conta os valores em causa não se justificaria um maior escrutínio público?

Logo no dia do anúncio da “venda”, o primeiro-ministro afirmou que o Fundo de Resolução vai ficar com 25% do banco porque a Lone Star assim o exigiu. Isto é, no mínimo, estranho e levanta uma questão: As condições do concurso não incluíam a venda na totalidade? E, neste caso, os outros potenciais compradores não terão direito a exigir uma reabertura do concurso com as mesmas condições para todos? E não poderão surgir outras propostas para além da Lone Star?

Finalmente, a última dúvida é mais especulativa: será que esta venda se vai realmente realizar nestas condições? Quem ficará responsável pelos eventuais custos associados com os processos que correm nos tribunais – contra a resolução e também, agora, contra a venda? E caso a troca “voluntária” de dívida não ocorra ou for considerada um evento de crédito? Quem compensará o capital do Novo Banco e eventuais custos de financiamento: a Lone Star, o Fundo de Resolução ou o Estado?