A resposta do governo socialista a esta pandemia tem sido avaliada pelos portugueses como sendo bastante positiva. No entanto, nem tudo é um mar de rosas. Não quero sequer referir problemas como os que assombram o mundo das artes e da cultura ou o mundo dos trabalhadores precários. Vou-me só focar nos problemas que aos alunos do ensino pré-superior dizem respeito, uma vez que é neste grupo que me incluo.
Recentemente o ministro da Educação, depois de ser duramente criticado por associações estudantis pelo país fora, veio, mais uma vez, demonstrar que é completamente incapaz de tomar as decisões certas no que diz respeito á sua tutela. Numa entrevista concedida a um meio de comunicação social ele defendeu aquilo que os ingleses designam por b-learning, ou seja, um sistema que conjuga ensino à distância e ensino presencial. Obviamente, muitos adeptos fervorosos das tecnologias, inclusive o primeiro-ministro António Costa, já haviam dito que “a escola nunca mais vai ser a mesma”. Não querendo entrar no tópico referente aos benefícios e prejuízos de trazer mais tecnologias para o nosso modelo de ensino obsoleto, vou apenas falar sobre as implicações socioeconómicas que isso acarreta.
Durante esta crise, inúmeras petições feitas por inúmeras associações de estudantes têm sido divulgadas para alertar o ministro da Educação no que diz respeito ás desigualdades provocadas por um ensino mais tecnológico, fazendo apologia a vários fatores de desigualdades que vão desde disponibilidade de computadores (que por acaso até têm, em alguns casos, sido assegurados pelas escolas) até disponibilidade de espaços dentro de casa para fazer videochamadas e apresentações orais sem a presença de irmãos mais novos ou de vizinhos barulhentos.
O que o ministro pretende é que os extensos e por vezes inúteis programas das disciplinas sejam todos cumpridos, não forçando deste modo uma extensiva análise e consequente otimização dos mesmos (o que de vários níveis até podia ser benéfico mesmo que não vivêssemos tempos como este). Infelizmente, esta tentativa desesperada de cumprir o programa apenas vai permitir um aumento incrível de desigualdades, que em tempos normais já são condicionadoras do sucesso escolar.
Nesta pandemia vimos alunos com cargas horárias muito superiores àquelas que geralmente têm pois muitos professores acham que como estão em casa sem nada para fazer, estes alunos têm de trabalhar mais, levando por vezes ao desgaste psicológico e á exaustão de muitos. Isto, em alunos cujas capacidades financeiras sejam favoráveis já é bastante nocivo. Por outro lado, aqueles que por norma já são mais desfavorecidos têm todas as mesmas condicionantes que já tiveram ao longo destes últimos meses. Se somarmos a isso este aumento da carga dos horários, estes alunos têm um árduo trabalho pela frente, só que agora, como condicionantes definitivas para todo o ano em vez de meramente temporárias.
Tudo isto que acabei de referir refere-se apenas aos cursos secundários científicos e ao ensino regular do primeiro ao terceiro ciclo. Se quisermos ainda pensar nos alunos que pertencem aos cursos profissionais ou ao ensino artístico, estes problemas tornam-se devastadores e em alguns casos, impossibilitam a aprendizagem de muitas competências necessárias e imprescindíveis.
Que os tempos são difíceis já toda a gente sabe, mas isso não pode continuar a servir de desculpa para justificar incompetência. Neste caso, o problema da incompetência (e em alguns casos negligencia) não pode figurar no próximo ano letivo pois se isso acontecer, não só estamos a mostrar que o nosso governo é ineficaz como, muito mais grave ainda, estaremos a hipotecar o futuro de milhares de jovens que pretendem ingressar no ensino superior, no mundo do trabalho ou, que simplesmente pretendem transitar de ano.
Em situações normais as desigualdades são para muitos um fator limitante. Em situações pandémicas como a que vivemos, as desigualdades podem vir a tornar-se decisivas. Para um futuro que não seja elitista nem dominado por aqueles cujos progenitores têm uma melhor situação financeira temos de ter mão firme e de tomar medidas que não deixem espaço para dúvidas.
Não podemos ter parte das aprendizagens adquiridas nas escolas, um espaço de desigualdade para muitos, e a outra parte feita em casa, um espaço de ainda mais desigualdade para outros. A forma como o ministro conduzir o próximo ano letivo terá de ser decisivo no que diz respeito à sua permanência como membro do executivo. Os alunos, os pais e toda a gente interessada têm de tornar a discussão do próximo ano letivo um assunto fulcral e de máxima importância nos próximos tempos, utilizando todos os meios á sua disposição para fazer o ministro descer à Terra. Diria mais, descer a Portugal, fazendo-o tomar consciência da nossa realidade. Uma vez que isto seja atingido, ele irá certamente perceber que não estamos todos no mesmo barco e que se ele não fizer tudo ao seu alcance, não vai ficar tudo bem para milhares e milhares de jovens.