O advogado colabora na administração da justiça. Tal colaboração é, aliás, uma atribuição da Ordem dos Advogados prevista estatutariamente no art. 3.º, al. a) da Lei n.º 145/2015 de 9 de setembro (Estatuto da Ordem dos Advogados, doravante EOA). O advogado é, pois, indispensável à administração da justiça, cfr. art. 88.º do EOA, e goza, quando no exercício da sua profissão, do direito de ingresso nas secretarias, designadamente nas judiciais, cfr. art. 79.º 2 do EOA.
Todavia, o EOA é cada vez mais letra morta. A dignidade do advogado e do exercício da advocacia – e com eles, a administração da justiça – têm vindo a sucumbir perante um processo de desmaterialização da justiça que mais não é que uma forma travestida de, progressiva e intencionalmente, degradar a atribuição do advogado naquela administração, de um plano maior de o remeter a um autómato preenchedor de formulários, e de o afastar da lide processual. Veja-se a este propósito, inter alia, a figura dos agentes de execução convertidos que estão, há já alguns anos, em ministros plenipotenciários da ação executiva; a peregrina remessa (feliz e recentemente revogada) dos inventários para os notários; a cada vez maior atribuição de competências aos solicitadores; a imbecil e perigosa permissão das sociedades multidisciplinares…
A introdução de balcões de atendimento eletrónico nas entradas dos tribunais – os chamados Balcão + – são claro testemunho da degradação a que o advogado está submetido. Os balcões não são que painéis eletrónicos em que o advogado digita a sua cédula profissional e, em troca, recebe um ticket tal como quando escolhemos, no hipermercado, charcutaria, talho, peixaria ou congelados.
Posso confessar que, há alguns dias, pedi meio quilo de entremeada na secretaria de um juízo criminal. Engano honesto. O oficial de justiça largou uma gargalhada. Pior teria sido se pedisse trezentas gramas de mortadela ao vigilante. Não escreveria estas palavras antes da consolidação médico-legal das fraturas, seguramente.
Ainda que haja muitos Colegas – e bem – que desprezam tal balcão, a verdade é que o mesmo está ladeado de um ou mais seguranças, normalmente com cara de contencioso, ávidos de confronto com quem não promova o registo no painel eletrónico, prontos a brandir o detetor de metais e com a fórmula decorada: amigo, são as regras do tribunal!
A toga embrulhada sob o braço já nos não concede carta de alforria na entrada do tribunal.
Já assisti a um Colega a quem foi negada a entrada por um segurança apenas porque se recusou a fazer o registo. Sei que houve um Colega a quem o segurança exigiu que fosse recolher assinatura do oficial de justiça no ticket para poder sair do tribunal… Colega sequestrado, portanto!
(amigo, são as regras do tribunal!)
Confesso que, para além da possibilidade de um cidadão poder obter uma declaração de presença em uma determinada diligência judicial, não vejo qualquer mérito no balcão eletrónico.
O sistema é tão inútil que, não obstante se fazer o check-in de entrada no tribunal, o oficial de justiça continua obrigado, como lhe mandam as regras processuais, a identificar de viva voz o processo e a marcar as presenças ou faltas à mão nos seus apontamentos…
Sendo certo que o advogado pode – e deve – recusar-se a tirar senha na máquina, a verdade é que se arrisca ao vexame de ser um vigilante a ditar o momento e modo de ingresso no tribunal. E isto tudo normalmente perante o seu próprio constituinte.
Está, pois, o advogado transformado em um utente quando a Lei lhe consagra a atribuição de colaborar na administração da justiça.
É, também, a este tipo de coisas que está submetido o advogado. É a este tipo de coisas que está submetida a administração da justiça.
O Senhor Bastonário eleito fez questão de se referir a estes balcões de check-in no discurso de abertura do ano judicial. E bem! Esperemos, agora, que alguém se digne a cumprir a Lei.
Relator-adjunto nomeado pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados para os processos de laudo de honorários