1 O comunismo foi e é ainda um regime político criminoso. A criminalidade faz parte dele e é indispensável à sua consolidação. O comunismo vive do crime e para o crime. O crime não foi um desvio cometido por alguns distraídos que se afastaram dos ideais comunistas porque os interpretaram mal. Não. O crime é uma consequência necessária da ideologia e do regime que lhe corresponde. Basta ler o «manifesto do partido comunista» escrito em 1872. Chamemos aos bois pelos nomes.
Este tema foi visto e revisto em França desde o fim da segunda grande guerra mundial até à queda do muro de Berlim e continuou alguns anos depois. Mas está enterrado. Ser comunista em França é hoje cada vez mais mal visto e sintoma de pouco esclarecimento intelectual e até prova de hipocrisia moral. Mas entre nós não é assim. Daí o interesse do tema ou seja, da denúncia do que foi (e é) o comunismo.
Depois de 1956, e até antes, já não era possível ignorar a realidade criminosa do comunismo porque a denúncia veio de dentro. Consequentemente, a estratégia de defesa do comunismo mudou. Passou de ofensiva a defensiva; agora era preciso branquear as coisas. A questão era difícil mas optou-se pelo caminho mais fácil e acessível. Este passou a ser não colocar lado a lado a criminalidade nazi e a comunista. Contava-se para isso com o serviço de todos os partidos comunistas europeus ocidentais e com o apoio de uma série infindável de intelectuais arregimentados, que não tinham de ser comunistas, sendo até conveniente que (oficialmente) não fossem, assim mobilizando a opinião pública.
Haveria diferenças fundamentais entre os regimes. O nazismo foi a personificação do mal. Sem dúvida alguma que foi. Exterminou seis milhões de judeus (e outros) por métodos industriais e vendeu uma ideologia vergonhosa e desumana. Foi o grau zero da desrazão. O nazismo foi uma das piores páginas da história da humanidade e nunca será demais denunciá-lo e recordá-lo.
Mas e o comunismo? Nada disso. Entrava aqui ao serviço a bem oleada máquina de propaganda. Este só quis «salvar a humanidade», libertá-la das «amarras da exploração» e promover a «paz» entre os povos. Alguns eventuais «excessos» foram compreensíveis no «calor da luta» mas, apesar de tudo, «globalmente, o balanço foi positivo». A habilidade continuou com um argumento falso mas acessível e portanto, muito divulgado, destinado já não a negar a bestial realidade criminosa do comunismo mas a impedir a sua denúncia. Apostava já não na positiva mas na negativa. Era assim; criticar o comunismo é «fazer o jogo da reacção», abrir a porta ao «fascismo» e impedir o «progresso». Negar os crimes do comunismo era bem visto e logo contava com o apoio desinteressado dos camaradas. Não se poderia, portanto, ser anticomunista sem ser imediatamente «fascista» e até vítima do «obscurantismo», resultado obviamente da influência da igreja e dos «caciques locais». Lembram-se? Esta lenga-lenga beneficiou de décadas sucessivas de propaganda e desinformação que nunca teriam sido possíveis sem a serviçal quinta-coluna dos partidos comunistas europeus e da muita imprensa por eles controlada.
Alguns, pretensamente mais «cultos», utilizaram e utilizam um argumento mais sofisticado mas igualmente falso. Arengam que o comunismo «real» foi «mau» porque «traiu» os puros «ideais» mas o «bom» comunismo, que ainda não existiu, está para chegar, qual Messias. A quantidade de imbecis que alinhou nisto é confrangedora. E se levarmos em conta que ainda hoje alinha, o panorama é muito pior. Se tivessem lido Hegel e Marx saberiam que, segundo estes, a realidade histórica (que é como quem diz, o crime comunista) não poderia ser senão a expressão da razão. E porquê? Porque a razão e a realidade entranham-se sempre pelo que o resultado não poderia ter sido outro.
O problema é que as contradições não ficaram resolvidas, apenas adiadas e, portanto, como a razão e a realidade não acabaram ali, ao contrário do que pensava o comité central do pcus, a resolução das fracturas que afectam a nossa sociedade está por encontrar mas não é seguramente o comunismo a porta de acesso.
A partir daqueles argumentos intrujões a esquerda nacional instituiu um regime eficaz de terrorismo intelectual que ainda hoje dá frutos e de que todos nós fomos (e somos) vítimas. O terrorismo consiste em exorcizar quem se atrever a pôr em dúvida a bondade do comunismo. É logo culpado de todos os pecados e candidato à excomunhão cívica e intelectual. A um comunista ou a um esquerdista é permitido insultar qualquer democrata anti-comunista, chamar-lhe tudo e mais alguma coisa, vilipendiá-lo, mas a este nada é permitido dizer que ofenda a preciosa sensibilidade de um comunista ou de um esquerdista ou sequer pôr em dúvida a sua alegada superioridade moral. Comunistas e esquerdistas são tratados como uma nova elite intelectual, cultural e moral. Agem de modo como que providencial e podem fazer e dizer o que lhes passar pela cabeça contra os seus adversários porque beneficiam de uma especial consideração. São os novos apóstolos de uma verdade revelada. Posto que os seus propósitos são tão elevados beneficiam, tal como James Bond, de autorização para eliminar (em sentido figurado, claro) os malvados adversários de Sua Majestade o partido comunista. A comunicação social, toda ela, promove evidentemente esta atoarda.
O comunismo foi melhor do que o nazismo? O comunismo soviético, chinês, indochinês e coreano não exterminou 15 por cento da população? Pol Pot exterminou, aliás, mais. Os gulags e horrores semelhantes na China e no Camboja foram melhores do que Auschwitz ou Treblinka? Será o terror a virtude da revolução, como dizia o criminoso Saint-Just? Matar em nome do partido revolucionário é melhor do que matar em nome da raça ariana? Não se vê bem porque é que exterminar uma raça é pior do que exterminar uma classe social, no caso da Ucrânia a dos pequenos proprietários agrícolas. São ambas condutas criminosas. Ainda hoje não se pode levantar esta questão no nosso país.
2 Ora, a hipocrisia tem limites. Mesmo em Portugal. E agora?
Os comunistas têm alguma dificuldade em compreender que a sua lenta decadência não resulta de uma «grande ofensiva das forças reaccionárias» contra o «povo trabalhador» e os «verdadeiros democratas» mas sim da vulnerabilidade dos seus argumentos ideológicos. Caiu o «paraíso dos trabalhadores», caiu a soviética «paz», ficou por terra a «solidariedade entre os povos» e já ninguém liga à luta terceiro-mundista contra o malquisto «imperialismo yankee». Os comunistas ainda se agarraram ao «verde» mas logo a defesa do ambiente foi embandeirada por todas as forças políticas, cada uma jurando ser mais ambientalista do que a do lado. O que resta? Está aí na ordem do dia; é o «antirracismo». A raça veio substituir a classe social.
Mas o racismo tem as costas largas. A realidade é que a pretexto de «antirracismo» vemos agora a esquerda defender posições que fariam corar de vergonha o velho Marx e todos os seus correligionários da primeira Internacional. Lenine levantaria as mãos de indignação para o céu dos comunistas. É que o «antirracismo» não é senão um argumento oportunista e não é com ele que o proletariado tomará o poder, até porque não há hoje partido de direita ou do centro que se não queira antirracista. A finalidade do «antirracismo» comunista e esquerdista não é verdadeiramente combater o racismo, propósito mais que respeitável e urgente, mas sim combater o capitalismo e para tanto tudo serve, mesmo instrumentos indirectos. Utilizam-se os mais inacreditáveis artifícios de retórica à falta de substracto dogmático consistente. O seu desenvolvimento natural leva a enormidades como estas; se um homem branco espanca a mulher é um criminoso, como é óbvio, e deve ser exemplarmente punido, coisa em que todos estamos de acordo, mas se foi um islamita está no seu direito e quem o censurar é «racista». Se uma jovem aparecer numa aula com o véu islâmico está a defender os seus direitos porque a religião não ficou à porta do estabelecimento, mas se um jovem católico ousar aparecer com um fio com uma cruz ao pescoço, oferta da avó, é um provocador que está a violar as regras republicanas da laicidade. Se alguém defende que tem de haver controlo da imigração e se indigna com a imigração ilegal é «racista» e, portanto, irmão gémeo do nazismo, sobrinho-neto do Salazar e primo do cardeal Cerejeira.
O partido que apoiou o gulag e que secundou todas as sangrentas invasões soviéticas dos países que se revoltaram contra o comunismo em 1953, 1956 e 1968, que apoiou a invasão do comunista Camboja pelo também comunista Vietname em 1978 e do Afeganistão pela URSS em 1979 e que apoiou o golpe neo-estalinista de Moscovo contra Gorbachev em 1991, entre tantos outros episódios dantescos, apresenta-se agora a nossos olhos incrédulos como defensor dos direitos do homem com as cores vivas do «antirracismo». Portugal foi sempre uma sociedade pluriétnica e pluricultural, aberta aos outros e tolerante, aspecto decisivo da nossa colectiva visão do mundo e não recebemos lições de ninguém, mas isso não basta. É preciso fazer do nosso país o ponto de encontro e de acolhimento de todos os «deserdados da terra» na provocadora expressão desse sociopata que foi F. Fanon. E quem levantar dúvidas é um «racista» abjecto, cheio de «discursos de ódio» e verdadeiramente inimigo da espécie humana.
3 A deformidade é tamanha que os comunistas portugueses não assumem uma posição clara e definida contra a invasão russa da Ucrânia. Preferem dizer que querem a «paz», fórmula vaga que atira o problema para canto e que serve de alibi para não ter uma posição clara. É preciso compreendê-los. Será que os comunistas portugueses apoiam Putin? Será que apoiam uma ditadura nacionalista, belicista, manipuladora e anti-democrática que se ri dos comunistas europeus, que apenas lhe interessam enquanto forem inimigos da Nato, e que está alicerçada num capitalismo selvagem de prebendeiros do poder? Faz lembrar aquilo a que os iluministas setecentistas chamavam com desprezo «despotismo asiático». Nada disso; os comunistas bem sabem que dali não levam nada. O objectivo é apenas achincalhar a Nato e sobretudo os Estados Unidos. Tal é o ódio ao inimigo principal que não enjeitam uma estratégia oportunista que passa pelo entendimento tácito com aliados inqualificáveis e imprevisíveis. E quem os não secundar está «objectivamente» ao serviço da «reacção», dos interesses dos grandes capitalistas e agrários e dos incontornáveis «especuladores».
4 Não contemos com o apoio dos socialistas portugueses. Para os socialistas lusos, os comunistas são uns primos que pecaram talvez por radicalismo e por miopia mas pertencem à família. O sorridente Costa e outros lá estarão, de lágrima ao canto do olho, a apoiarem um partido que sempre esteve ao lado de torcionários e criminosos, a pretexto da luta contra o «fascismo». O comunismo continua a beneficiar entre nós de tabus que impedem a sua compreensão. Denunciar a realidade do comunismo é ainda hoje no nosso país um delito de opinião. O muro de Berlim caiu mas na cabeça da esquerda portuguesa o muro continua de pé. No nosso país a questão é mais grave porque Portugal é o único país europeu cujo parlamento recusou equiparar o nazismo ao comunismo como dois regimes ditatoriais e desumanos que são e isto depois de o Parlamento europeu ter aprovado uma moção com esse conteúdo em Setembro de 2019.
5 Aos poucos os portuguese foram-se afastando do comunismo, sobretudo a geração mais nova. Persistem ainda alguns redutos universitários esquerdistas sobretudo nas ciências sociológicas mas a queda é inevitável.
O marxismo fornece uma explicação fácil para as questões sociais e logo assimilável e, se for inoculado sob a forma da vulgata, mais fácil ainda. Os adeptos ficam todos satisfeitos, convencidos que têm a chave da explicação das coisas no bolso. Só mais tarde perceberão que foram enganados. Problema deles. Creio que também tentaram comigo. Mas logo devem ter percebido que não conseguiam.
Mas os socialistas portugueses não querem saber desta realidade. As razões pelas quais o partido socialista português se recusa a virar costas ao partido comunista só no divã do psiquiatra ficariam esclarecidas. Já o disse, embora, para mim, a questão seja claríssima.
Verifica-se assim um curioso fenómeno tipicamente português que é a solidariedade dos socialistas com os comunistas e com os esquerdistas radicais. Volta e meia arrufam mas nada de grave. Quando é preciso lá estão de mãos dadas. Preferem perder votos a deixá-los cair. E porquê? Por dever moral? Não. Os esquerdistas recordam à direcção socialista episódios de juventude como a insubmissão e a rebeldia perdidas, todo um conjunto de sentimentos românticos que gostam de recordar com saudade. Por sua vez, os inefáveis esquerdistas sabem muito bem que são filhos pródigos e que, um dia, fartos de palhaçadas e a precisar de angariar meios de subsistência, voltarão ao regaço socialista.
6 A esquerda socialista portuguesa só ganharia em se apresentar a votos como uma esquerda moderna, desempoeirada dos fantasmas do passado, sem discursatas «antifascistas» e lúcida. A infecta realidade da detenção nas masmorras da PIDE já não traz votos e já ninguém quer saber quantos anos é que os membros do comité central do partido comunista daquela altura lá passaram. Tive o privilégio de conhecer razoavelmente bem um deles e sobre esta realidade conversámos várias vezes, o que não significa que estivéssemos de acordo, mas tive sempre por ele o respeito devido ao seu passado de lutador anti-fascista, à coerência de que deu mostras ao longo de toda a sua vida e à sua avançada idade. As primeiras décadas do século XXI abrem-nos para um mundo novo e o comunismo não faz parte dele. Os socialistas já deram ao partido comunista mais do que ele merecia. Mário Soares compreendeu isso perfeitamente e soube sempre pô-los no devido lugar. Mas os socialistas actuais estão reféns.
7 Há, portanto, um belo conjunto de razões para continuar a branquear o comunismo. É o bem-estar e o prestígio dos seus actuais apoiantes que pode estar em jogo. Uns, porque um dia vão precisar de apoio no infernal mundo profissional de hoje e outros por uma questão de sobrevivência moral. Convém sempre pintar, pelo que a estes últimos toca, com cores bonitas aquilo em que um dia se acreditou de modo a não impressionar mal. Nunca vi neste país um comunista que fosse com a hombridade de admitir que se tinha enganado. Em França não faltam exemplos. Só vi uma a pedir indulgência e compreensão. Outros saltaram de partido com receio que a última pedra do muro de Berlim lhes caísse na careca, mas continuaram e continuam iguais ao que sempre foram.
Juntam-se assim duas consideráveis forças no propósito comum de absolvição do comunismo, os comunistas propriamente ditos porque não podem renegar o passado e os esquerdistas porque estão (ou estarão) a pensar no futuro. De modo que tudo se concilia e acaba em beleza.
E entretanto cá estaremos a ver passar o cortejo sem nada ou quase nada podermos fazer. A única hipótese, porque não jogamos com armas sujas, é o debate ideológico. É preciso fazer ver que o oportunismo e a hipocrisia têm limites. Confiemos no liberalismo político, na democracia representativa e na participativa, no pluralismo, na tolerância, na liberdade individual e na propriedade. As revoluções, salvo a inglesa e a americana, deram sempre asneira.
O resto virá por acréscimo. Tem sido sempre assim e não há razão nenhuma para que cá seja diferente.