Independentemente de as consequências de longo prazo serem ainda muito incertas, o referendo de ontem no Reino Unido constitui um marco histórico. Pela primeira vez, o povo de um país membro da União Europeia votou para recuperar a sua soberania. Numa votação com elevadíssima participação e que decorreu de forma impecavelmente ordeira e transparente, mais de 17,4 milhões de pessoas votaram pela saída, contra cerca de 16,1 milhões que votaram pela permanência na UE. Como referiu David Cameron ao apresentar dignamente a sua demissão, tratou-se de um gigantesco exercício democrático:

“We should be proud of the fact that in these islands we trust the people with these big decisions. We not only have a parliamentary democracy, but on questions about the arrangements for how we are governed, there are times when it is right to ask the people themselves – and that is what we have done. The British people have voted to leave the European Union and their will must be respected.”

O resultado deve constituir também uma lição para a UE: no caso britânico, a retórica do medo e da intimidação tão do agrado de muitos eurocratas influentes falhou dramaticamente. Fracassou também o dogma de que o processo de integração europeia é unívoco e não pode conhecer recuos. Infelizmente, não é certo que as elites que controlam a UE estejam disponíveis para retirar os devidos ensinamentos. O pior que poderia acontecer seria que – como já por várias vezes ocorreu no passado – fechassem os olhos e seguissem em frente, repetindo o mantra da “ever closer union” para os 27 membros restantes.

Depois do choque inicial, efeitos de médio e longo prazo estão em aberto e vão depender essencialmente das decisões e opções estratégicas que vierem a ser tomadas de um lado e de outro. Do lado do Reino Unido, o factor decisivo será verificar qual dos discursos a favor do Brexit será colocado em prática. Se prevalecer a tendência proteccionista e estatista que ambiciona fechar o Reino Unido ao mundo, serão péssimas notícias. Já se prevalecer a tendência que via no Brexit uma condição necessária para que o Reino Unido se libertasse das restrições da UE e adoptasse políticas mais liberais – e que teve em Daniel Hannan o seu mais eloquente defensor –, a saída poderá ser positiva.

Relativamente à UE, o desejável seria uma reacção de humildade democrática, moderação e respeito pela soberania (algo que a UE está infelizmente pouco habituada a fazer). O bom senso e a moderação recomendam uma postura negocial aberta e uma genuína vontade de acomodação, no sentido de manter uma relação construtiva e aberta com o Reino Unido. Se tal não acontecer e assistirmos a uma postura radical e intransigente das lideranças da UE, é de esperar que a insatisfação com as instituições europeias aumente e que o clamor por seguir o exemplo do Reino Unido comece a aumentar em outros países membros. Se a arrogância e cegueira dos eurocratas os impedir – uma vez mais – de aprender uma lição que está à sua frente dos seus olhos e de ajustar o seu comportamento em conformidade, a Brexit poderá ser mesmo o princípio do fim da UE.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, membro do Benedict XVI Centre for Religion and Society e Visiting Senior Fellow da St. Mary’s University.

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