A agricultura não é, em geral, um caminho que os jovens com acesso ao mercado de trabalho global pareçam querer escolher – uma afirmação que não deve surpreender a maioria de nós. Mas porquê? Será pela distância? Por falta de informação? Falta de atractivos? Nos países em desenvolvimento, onde esta actividade desempenha um papel fundamental na economia e na luta contra a fome, a agricultura jovem é expressiva por ser muitas vezes o caminho mais evidente e necessário. Mas hoje queria pensar um pouco mais sobre o contexto português e o nosso futuro. Porque é que afinal a “carreira agrícola” não atrai os jovens portugueses? Que caminho é este? Qual a sua importância?
Se pensarmos bem, a agricultura, como responsável pela produção de alimentos, é um pilar tão essencial à sociedade como a saúde, a educação e a habitação. A autossuficiência de um país na produção alimentar é meio caminho andado para garantir a sua sustentabilidade, a saúde da sua população e a justiça de mercado. E por isso, incentivar as gerações mais jovens a conhecer e aprofundar este ramo deve ser, mais do que uma opção, uma obrigação.
“A agricultura não é aspiracional” – ouvi dizer. Mas será que não é de facto? Será que a proximidade da Natureza e o trabalho dedicado a compreender os seus equilíbrios e ciclos não será aspiracional? Num mundo tomado pelos serviços, pela velocidade, pelo stress, pela poluição, não será a agricultura e o mundo rural, em boa verdade, um paraíso? Talvez esta realidade esteja apenas muito longe da imaginação da maioria dos jovens.
Em 2021 percebi como a juventude agrícola tem um potencial enorme por aproveitar. Mas, como em todas as grandes promessas, é importante estar ciente das fragilidades que as acompanham. Para termos uma ideia, de acordo com o último Recenseamento Geral Agrícola:
- Portugal era em 2016 o país da EU com idade média do produtor agrícola mais elevada.
- Em 2019 a idade média dos produtores singulares em Portugal era de 64 anos.
- Apenas 10% dos produtores singulares têm entre 25 a 45 anos de idade.
- A mão de obra agrícola decresceu 15% face a 2009.
- Apenas 2,3% dos alunos se inscreveram em cursos superiores na área agrícola (2021).
Uma demografia assustadora, acompanhada por um retorno económico instável e incerto constituem alertas para a necessidade de investimento, que garanta a sua continuidade e competitividade.
Mas há também pontos positivos e horizontes de esperança em Portugal:
- Entre 2009 e 2019 houve um aumento da Superfície Agrícola Utilizada – indica que a actividade agrícola está a crescer
- Tem havido uma crescente empresarialização agrícola, o que denota um crescente empreendedorismo e profissionalização
- A contratação de serviços agrícolas aumentou 159%, mostrando a sua relevância
- Há um aumento do número de mulheres agricultoras (somos o 7º país a nível europeu), e proporcionalmente mais instruídas
- O nível de instrução/escolaridade é superior nas gerações mais jovens de agricultores
- Uma crescente digitalização da agricultura e desenvolvimento de novas tecnologias
- Explorações certificadas para a produção em modo biológico triplicaram em 10 anos
Apesar de a produção biológica ter crescido tanto, sinal de práticas agrícolas mais conscientes e de um grande incentivo europeu, o mote hoje deveria ser “modo de produção sustentável”. O chavão a que já todos estamos habituados, que de tão gasto já parece superficial, exprime na verdade aquilo que é realmente importante: intervir o mínimo possível, mas garantir o equilíbrio de todos os elementos no ecossistema e a sua durabilidade através dos anos. Mas esta durabilidade, no final do dia, só se pode garantir se houver renovação das gerações de agricultores.
Então e porquê ser agricultor?
Deixo aqui seis boas razões, inspirada na publicação do Sindicato Agrícola dos Jovens Agricultores de França.
Primeiro, a oportunidade de criar e gerir um negócio próprio, assente nos ciclos naturais, com flexibilidade de horários e autonomia na gestão da sua exploração. Os fundos europeus e projectos de jovem agricultor são um grande incentivo para dar este passo.
Outra vantagem é a variabilidade de tarefas e ocupações ao longo do ano. O trabalho passa não apenas por cuidar das culturas/animais, mas também pelo escoamento do produto e por todas as actividades de administração.
Em terceiro lugar, a proximidade da Natureza, na medida em que o trabalho de todos os dias se transforma numa perfeita interação com ela. Uma exploração agrícola deve sempre zelar pelo meio ambiente e pela biodiversidade nos ecossistemas que gere.
A agricultura está na vanguarda da tecnologia e da diferenciação científica, com inúmeras possibilidades de estudo e uma vasta gama de equipamentos (como drones, GPS, etc.) ao seu serviço. As possibilidades de optimização das intervenções são infinitas e ainda há muitos passos a dar.
Em quinto lugar, a oportunidade de ter um papel activo no cenário rural, contribuindo para o seu desenvolvimento através da criação de valor, de emprego, da manutenção de terrenos e da gestão de pessoas.
Em sexto, ter um papel activo no sector, assegurando uma produção com escala que assegure a sua rentabilidade e relevância, mas também participando em organismos representativos (associações e organizações de produtores) que dêem voz às suas posições e preocupações, apoiem a sua actividade e facilitem o seu acesso ao mercado.
A importância de uma marca
Para os jovens que não se deixaram inspirar pelos últimos pontos, deixo ainda um último desafio – que considero dos mais relevantes para a sobrevivência de qualquer produto – a sua marca.
O sector dos vinhos é talvez o produto agrícola que melhor conseguiu, através da massificação de marcas, valorizar a viticultura através de mensagens fortes. Quanto maior a informação que o consumidor tiver sobre a origem do produto que está a consumir, sobre a sua identidade e os princípios da sua produção, maior confiança vai sentir.
Mas no que toca à maioria dos produtos agrícolas ainda não existe um trabalho dedicado de marca, e as marcas territoriais são um mundo por descobrir. Marca territorial é aquela que abrange várias empresas/marcas, com origem no mesmo lugar ou território do qual são indissociáveis. Ela expressa os mesmos princípios e o mesmo valor junto do consumidor, e ajuda as firmas a alinhar e concretizar estratégias, integrando-as numa rede com propósito comum. Nos vinhos, mais uma vez, temos bons exemplos – Champagne, Vinho Verde, Vinho do Porto. Elas acrescentam valor à marca do produto. Noutros produtos agrícolas, este grau de diferenciação é ainda pouco expressivo, e pode ser um passo fundamental para os afirmar e lhes dar valor comercial.
São, enfim, muitos horizontes em aberto, e oportunidades para explorar. Curiosos? Fica aqui o apelo para os criativos e para os corajosos. Ser agricultor… porque não?
Isabel Abreu Lima é Gestora de Relações Públicas na Aveleda S.A. e jovem agricultora. Licenciada em Biologia, Mestre em Viticultura e Enologia, trabalhou na produção de vinhos do Douro e da Califórnia, enveredando mais tarde pelo ramo da comunicação e estratégia de marcas. Com uma pós-graduação em Gestão de Marketing, aprofundou a sua experiência nesta área, sempre ligada ao sector dos vinhos. Hoje, para além das Relações Públicas, tem o seu próprio projeto agrícola na região do Douro e ajudou a fundar o Conselho Consultivo dos Jovens Agricultores da CAP. Faz parte do Global Shapers Lisbon Hub desde Junho de 2020.
O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.