Quando falamos em desenvolvimento rural, qual é o primeiro pensamento que nos vem à cabeça? Talvez a mente nos transporte num primeiro momento para outros continentes, mas hoje desafio-vos a olhar mais de perto – para dentro das nossas fronteiras e para a nossa realidade das últimas décadas.

Dentro de um país pequeno como Portugal há uma grande assimetria, tanto na distribuição populacional como na distribuição de riqueza. E é um fenómeno que se tem vindo a agravar com a corrida às cidades e com a sociedade de consumo como a conhecemos.

Partilho o meu exemplo. Cresci no interior, um pouco mais afastada das facilidades e conveniências. Uma simples ida ao Porto ficava marcada por coisas tão simples como uma viagem de elevador, centros comerciais, ou ruas que à noite se enchiam de luz – coisas que no nosso dia-a-dia eram tão diferentes. Foi uma infância cheia de alegria nas coisas mais pequenas, em que se passava mais tempo a brincar ao ar livre do que dentro de casa. Olhando para trás, gosto de pensar que me ensinou a valorizar o que noutros contextos era tão banal. Não me fez menos inteligente nem menos enquadrada na sociedade – tive qualidade de ensino, diversidade, muito desporto e espaços de criatividade. Pelo contrário, cresci imersa nas suas diferenças mais profundas. Pequenas comunidades abrem portas a ligações entre pessoas e gerações diferentes. Aprendemos por exemplos simples e reais, pelas relações próximas que criamos, algo que ultrapassa o que nos ensinam nas escolas. Até ao momento em que ir para a cidade se torna quase necessário – para crescermos humana e academicamente, abrindo portas a novos conhecimentos e oportunidades.

Voltando hoje a casa, o vazio preocupa-me. Vejo poucas crianças nas escolas, vejo as piscinas semi-olímpicas, antes cheias de jovens, agora vazias e degradadas. Professores e médicos em constante rotação, sempre à espera da primeira oportunidade de se recolocarem na cidade. Em apenas 20 anos, o mundo evoluiu: a tecnologia desenvolveu-se, a rede de estradas cresceu, a conectividade aumentou… mas é curioso ver que tudo isto incentivou o movimento para as zonas urbanas em vez de o equilibrar. Para quem cresce no campo, é importante sair, mas hoje o problema parece estar no voltar. Para quem cresce fora, faltam também incentivos e a vontade de experimentar.

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“Contrassenso” pensariam vocês, assim como penso eu, que num país em que os princípios de sustentabilidade ganham cada vez mais importância, em que os discursos se orientam para uma maior consciência ambiental e de proximidade com a natureza, a escolha no final do dia continue a ser a cidade (nela me incluo).

Ainda assim, há três horizontes de esperança onde gostava de me fixar.

O primeiro é o sector primário (onde se enquadram atividades agrícolas, florestais, pecuária, pesca e caça) que está na origem da definição de “zona rural” e onde encontra a sua plena expressão. A baixa lucratividade em pequenas e médias explorações, aliada a uma oferta desequilibrada de serviços e comodidades face à cidade, conduz ao desinteresse e abandono das explorações – e a um assustador envelhecimento do agricultor português (53% têm mais de 64 anos de idade, segundo resultados preliminares do Recenseamento Agrícola de 2019) que compromete o seu futuro. Mas a crescente empresarialização e profissionalização deste sector, no entanto, pode trazer alento a este cenário. Crescendo de forma sustentada e multifuncional, estas empresas podem e devem vir a representar focos de interesse profissional, científico e de desenvolvimento sustentável, com grande potencial de crescimento na área dos green jobs. Reconhecendo este sector como fundamental a um desenvolvimento equilibrado e saudável de toda e qualquer sociedade, a cooperação internacional na busca de soluções inovadoras para os desafios alimentares é já hoje uma realidade – que o Fórum Económico Mundial potencia.

O segundo é o empreendedorismo que tem levado às primeiras e mais ambiciosas inversões da tendência campo-cidade. Ideias que criam negócios sustentáveis, reavivam tradições e culturas locais, transportando-as para a realidade inovadora dos nossos dias. Mas o empreendedorismo nos “velhos negócios” também se tem vindo a afirmar e merece destaque. A histórica indústria do vinho, por exemplo, é um grande testemunho de reinvenção, de preservação de patrimónios naturais e humanos, de transmissão de legados (muitos deles familiares), de coopetição e de transformação num produto que transporta mais do que um lugar – é reflexo de uma cultura e de uma identidade. E neste processo traz competitividade, desafios e novas gerações criativas, cheias de vontade de fazer mais e melhor. Valores de empreendedorismo e sustentabilidade são essenciais a uma sociedade inclusiva e próspera e devem ser incutidos nos sistemas de educação. Governo e autarquias podem e devem criar incentivos à população jovem, não apenas económicos, mas de envolvimento – deixando claros, desde cedo, os propósitos e os impactos que a sua intervenção pode ter. Mas mais ainda, devem oferecer benefícios fiscais atrativos a empresas para que estas se fixem no interior.

O último, mas não menos importante, é a transformação do mercado de trabalho. Desta pandemia há várias lições a tirar e uma delas é não subestimar as infinitas possibilidades do digital. As lições do home office a que o confinamento nos obriga hoje, podem abrir-nos janelas no mundo do trabalho remoto de amanhã. Há já quem trilhe este caminho, mas o esforço deve ser conjunto. Tanto autarquias como privados devem aproveitar este momento de inflexão e incluir este modelo de trabalho nas suas estratégias. Desde estruturas para albergar comunidades de trabalhadores remotos à recuperação de espaços para cowork, são muitas as ideias para revitalizar as zonas menos povoadas.

O desenvolvimento do Portugal rural é uma necessidade fundamental ao crescimento económico do país e à sua coesão territorial. Reduzir as assimetrias é um desafio que nos pode trazer grandes riquezas e que devemos abraçar com entusiasmo. Mas não pode partir apenas de nós, é necessária uma decisão governativa neste sentido.  Largar o vício da cidade não é fácil, mas é fundamental para caminharmos a passos largos para um país mais equilibrado e aproveitado em pleno.

Isabel Abreu Lima é Relações Públicas na Aveleda S.A. e jovem agricultora. Licenciada em Biologia, Mestre em Viticultura e Enologia, trabalhou na produção de vinhos do Douro e da Califórnia, enveredando mais tarde pelo ramo da comunicação e estratégia de marcas. Com uma pós-graduação em Gestão de Marketing, aprofundou a sua experiência nesta área, sempre ligada ao sector dos vinhos. Hoje, além de Wine Ambassador, tem ainda o seu próprio projeto agrícola na região do Douro e integra o Conselho Consultivo das Mulheres Agricultoras da CAP. Faz parte do Global Shapers Lisbon Hub desde Junho de 2020.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.