É um lugar-comum defender para Lisboa habitação mais acessível através da promoção pública, entendendo-se como tal a promoção de casas que “as pessoas possam pagar”.
Ora, como tal é possível?
O Estado ou os municípios conseguem comprar materiais de construção a preços mais acessíveis? Têm empresas de construção mais eficientes e que prescindem do seu lucro? Vão utilizar mão-de-obra mais barata?
Claro que não! O Estado e os municípios contratam a totalidade da construção à iniciativa privada a preços de mercado. E mesmo que, por hipótese, tivessem todas as valências necessárias para a construção dessas casas, dificilmente alguém acreditaria que conseguissem um custo de construção inferior.
Bem, sempre se poderá argumentar que a promoção pública de habitação tem o condão de subtrair o lucro dos promotores imobiliários privados. Mas será assim? Alguém acredita que os custos internos da gestão da promoção imobiliária por parte de um município como o de Lisboa são inferiores aos lucros dos promotores imobiliários privados? Uma leitura atenta dos Relatórios e Contas das empresas municipais SRU e Gebalis seguramente deitará por terra essa esperança.
Então, como é possível defender-se habitação de promoção pública como sendo mais acessível? Só há duas alternativas. A primeira é a disponibilização de terrenos públicos a preços abaixo do mercado ou mesmo gratuitamente. No entanto, esses terrenos são de todos os contribuintes, muitos deles de outros municípios. A sua venda a preços de mercado significará mais receitas para o município e, como tal, a possibilidade de alocar esse dinheiro a outras prioridades, na redução do endividamento ou na diminuição de impostos. Pelo contrário, a sua disponibilização a preços abaixo de mercado ou gratuitamente significa transferência de riqueza dos contribuintes para os beneficiários do imóvel a construir nesse terreno (diga-se, em abono da verdade, que a CML nem isso faz, dada a sua total inoperância nesta matéria).
A segunda alternativa é a transferência direta dos impostos de contribuintes para os beneficiários da habitação mais acessível. É ao que temos assistido com os atuais programas de arrendamento acessível da CML, cuja falácia e imoralidade já tive o cuidado de demonstrar num artigo anterior, no Observador (A falácia e a imoralidade do “Arrendamento Acessível” da CML), uma vez que estamos perante a utilização do dinheiro dos contribuintes para o sorteio de habitações acessíveis a agregados familiares com rendimentos acima da média nacional.
Em suma, só há habitação acessível para alguns se outros, os contribuintes, de uma forma indireta ou direta, financiarem essa habitação. Não há outro modo! E como impostos significam menos rendimento disponível para os contribuintes, os quais, muitos deles, também terão custos com habitação, então podemos concluir que habitação mais acessível para uns só se consegue com habitação menos acessível para outros.
E a solidariedade social para com os mais desfavorecidos?
Esse é um ponto que é muito importante! Que justifica a transferência de riqueza dos mais favorecidos para os que estão a viver uma situação de vulnerabilidade social e económica, desejavelmente transitória. Mas não é nada disso que está a acontecer em Lisboa. Os 350 milhões de euros anunciados pelo atual executivo camarário de Lisboa destinam-se a habitações para a classe média (fazendo bem as contas, para a classe acima da média); temos bairros municipais que são autênticos guetos e com um nível de deterioração não aceitável, uma vez que a CML não cuida convenientemente do que é seu; as alterações legislativas promovidas no regime do arrendamento apoiado (habitação social), por parte da gerigonça, vieram permitir que agregados familiares sem dificuldades financeiras possam continuar a usufruir de habitação social com um valor de renda simbólico; e noticia-se uma lista de espera de três mil a 4 mil famílias para a habitação social, quando se gasta cerca de 400 mil euros na promoção pública de um único apartamento no centro de Lisboa. Os factos acima são exemplos claros de que a moda de mais habitação pública não tem como prioridade a habitação para quem efetivamente precisa.
Para partidos e fações políticas ancorados em teorias marxistas originárias do século XIX, que têm determinado ou condicionado as atuais políticas de habitação, nada do que foi escrito tem qualquer relevância. No seu mundo ideal não existiria iniciativa privada pelo que a habitação seria naturalmente pública. Mais estranha é a deriva pela habitação pública, desprovida de critérios de solidariedade social, por parte de partidos que aparentam defender uma economia de mercado, sendo o exemplo mais recente a defesa de uma nova EPUL.
O referido acima não significa que não tenhamos um problema grave de oferta de habitação em Lisboa, cidade que perdeu cerca de 300 mil habitantes nas últimas quatro décadas, enquanto viu, no mesmo período, a sua área metropolitana a crescer em população. Esta falta de oferta induz, naturalmente ,a um crescimento dos preços na venda e no arrendamento, situação que só é passível de inversão se se desbloquearem os atuais estrangulamentos à oferta, nomeadamente:
- Simplificação e celeridade nos processos de licenciamento;
- Devolução ao mercado de todos os imóveis públicos devolutos e de terrenos sem utilização;
- Liberalização imediata do mercado de arrendamento, com o consequente descongelamento das rendas (estima-se que ainda haja entre 40% a 50% de rendas congeladas). Para o efeito, numa fase de transição, seria utilizada a figura do subsídio de renda (nacional e municipal);
- Alterações no RJOPA e no NRAU que fomentem o aumento da oferta para arrendamento, sem pôr em causa os direitos dos inquilinos;
- Quadro fiscal atraente e estável.
Com o fim dos bloqueios, teremos naturalmente um aumento da oferta direcionada para a procura latente que existe, formada essencialmente pela classe média e que nas últimas décadas abandonou a cidade. E teremos uma pressão para a diminuição dos preços por dois meios que se complementam: por um lado, mais oferta para a mesma procura significa preços mais baixos. Por outro lado, os 300 mil habitantes que deixaram Lisboa são agregados familiares de rendimentos intermédios pelo que o tipo de oferta terá que se adaptar a essa realidade. Com um mercado de arrendamento liberalizado teremos também uma nova oferta para aqueles que não podem ou não pretendem comprar em Lisboa – mais uma vez a classe média.
Perguntarão alguns: e as rendas congeladas que irão aumentar? E as pessoas que estão numa situação de vulnerabilidade social e económica? Ora, é aqui, e só aqui, que fazem sentido políticas públicas de habitação, sejam o subsídio de renda ou o programa de arrendamento apoiado.
Em resumo, mais mercado, menos Estado, mais habitação, mais dinheiro no bolso dos contribuintes e mais solidariedade social para quem efetivamente precisa! Só assim será possível repovoar Lisboa!