Num Mundo saturado de metáforas, há que cuidar em não abusar e acrescentar mais umas quantas. Mesmo que seja tentador.

Iker Casillas, ex- ex-libris do Real Madrid e guarda-redes do FC Porto, colocou uma mensagem nas redes sociais a informar o Mundo de que não acreditava que o Homem tivesse ido à Lua. Fê-lo com a intenção expressa de tornar pública a discussão:

“No ano em que se cumprem 50 anos (supostamente) em que o Homem pisou a Lua. Estou num jantar com amigos… discutindo o assunto. Elevo a tertúlia a público! Credes que a pisou? Eu não!”

Assim mesmo, com todos os pontos, de exclamação, interrogação e reticências. A mensagem integra uma sondagem em que, em 310 mil votantes, 42% têm a mesma opinião de Casillas: Não, não fomos à lua, “nos la colaron”. Qualquer coisa como “impingiram-nos essa mentira”. Isto é, 130 mil pessoas, na tertúlia “elevada” a público de Casillas, são da opinião que não fomos à lua.

Durantes séculos, a ignorância era a regra. O ser humano vivia cercado pela superstição e pela crendice, presa fácil de charlatões, cegamente entregue aos dogmas religiosos, às regras das mais variadas inquisições. Depois, o Iluminismo, a Revolução Industrial, o advento da Ciência, a Sociedade da Informação e o caminho para a 4ª revolução Industrial, em plena eclosão, deram-nos uma visão mais clara sobre o nosso Mundo. Sabemos mais sobre mais coisas, somos os privilegiados filhos da investigação e da ciência, a Internet e as redes sociais dão-nos acesso a mais informação sobre os factos da vida (e da morte) do que os nossos antepassados poderiam sequer imaginar.

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Não há pois desculpa para escolher a ignorância. E contudo, continua a ser multidão o número de seres humanos que nega factos indiscutíveis, com base em simples opiniões ou preconceitos. Porquê?

Não há uma única resposta. Nem pode haver, já que as razões para essa atitude são da mais variada natureza. O que pode ser inquietante é que 42% das pessoas que partilham a opinião de Casillas o fazem porque sim – um jogador tão proeminente, ídolo e exemplo para milhões, sabe certamente o que diz, e se ele o diz, então 130 mil pessoas concordam com ele, mesmo que seja para dizer que os Humanos nunca foram á Lua.

Ou que o aquecimento global é uma paranoia alimentada por loucos ambientalistas. Ou que o ser humano foi desenhado e colocado sobre a Terra ao oitavo dia. Ou que as armas nas mãos de todos os cidadãos – como recentemente reconheceu um tribunal norte-americano ser um seu inalienável direito – não contribuem para a mortalidade por armas de fogo. Ou que a globalização é uma mentira.

A tendência é cada vez mais para ignorar ou negar factos de que não se gosta, seja por razões de interesse pessoal (económico), seja ideológico, religioso ou outro. E como se comportam essas pessoas que acham que o Ser Humano nunca foi à Lua ou que a Terra é plana, o que fazem elas e que impacto têm?

O que fazem: ignoram milhares de estudos, evidências científicas, opiniões de especialistas, e desencantam – desenterrando-os por vezes — factos isolados, específicos, até opiniões pontuais de outros especialistas, entretanto já desmentidas, e usam-nos triunfalmente como se fossem igual às de milhões de estudos, evidências científicas, factos indesmentíveis. Os factos vão contra a sua opinião, contra o seu preconceito, contra a sua fé? Então são falsos, por muito que a comunidade científica em peso afirme o contrário.

O que fazem: usar as redes sociais, aderir a comunidades on-line de opinadores anti-factuais, gritar as suas opiniões abalizadas aos quatro ventos do espaço público digital. Não fomos à Lua!, claro que não fomos à lua grande Iker, “se nos colaron”!

Que impacto têm essas opiniões? Bem, 42% dos amigos de Casillas também acham que não fomos à Lua. A força das opiniões através da Internet, reforçado pelos likes acríticos dos amigos virtuais, por comentários apressados e sem substância, pela viralidade agressiva do twitter, facebook, instagram e afins, é avassaladora.

A ciência pode estar em causa, atormentada por uma crise de viabilidade, integridade, legitimidade ou utilidade, como adverte um artigo de há um ano publicado no Guardian: pouca qualidade da ciência produzida (ou da sua divulgação?), crescente preocupação – e foco – no sistema de financiamento ou em interesses e agendas pessoais, um aumento exponencial das publicações e um desligamento progressivo entre a investigação científica e a vida das pessoas. Tudo isso é verdade, mas nada disso legitima a revolta contra os factos, que trata verdades científicas como se fossem uma mera opinião e não… verdades científicas.

Livre arbítrio e respeito pelas opiniões alheias são importantes numa sociedade cada vez mais polarizada, mas não podem ser afirmadas à custa da verdade. O exagero caricatural que por aí circula no pequeno filme “matemáticas alternativa” pode ser um exagero, mas não deixa de ter um fundo de verdade (recomendo fortemente que vejam o filme).

Não, 2+2 não são 22. Não, a ida à Lua não é uma cabala. Não, o aquecimento global não é uma invenção de ambientalistas desbragados.

Não, o conhecimento e a ciência não morreram (“the death of expertise”, de Tom Nichols). Mas convém defendê-los, antes que os ataques generalizados os tornem ainda mais vulneráveis. Da sua baliza azul e branca numa noite estrelada com Lua, Iker Casillas contemplará o satélite da Terra suspirando pelo dia em que seres humanos o pisem. Mesmo que o tenham pisado já várias vezes.

“On a marché sur la lune” e a ficção tornou-se mais verosímil do que a realidade.