Outro dia fui provocado por um cliente colaborador da Microsoft e um engenheiro informático a pensar nos desafios dos chatbots como o GPT e o BARD. Achei caricato porque ambos questionaram sobre algo que já vinha a ponderar há algum tempo, já que havia lido sobre a possibilidade Iminente de ser substituído.

A questão foi a seguinte: será o chat GPT capaz de substituir o trabalho de um psicólogo? Eu respondi prontamente que não, e não estava a puxar a brasa à minha sardinha.

Peguei como sempre numa citação pronta de Carl Jung “domine todas técnicas e teorias, mas quando tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”. Fica sempre bem humanizar as coisas, certo? Todavia, o que Jung queria realçar com esta expressão no atendimento psicoterapêutico era o foco na relação terapêutica. Na verdade não estava só, pois, como diria também Irvin D. Yalom, “Não é a técnica que cura, mas sim a relação terapêutica”. Porém o que é a relação terapêutica? É o vínculo estabelecido entre psicólogo e cliente que tem por base a confiança, o respeito e a colaboração mútua.

Na verdade, a relação terapêutica é fundamental porque quando alguém procura um psicoterapeuta procura muitas vezes pessoas do seu passado a viver no presente refletidas no terapeuta. De repente, nós terapeutas podemos ser a mãe desnaturada, o pai ausente, o amante desejado, o ex tóxico, etc. No fundo, nós somos o fruto da imagem projetada dos nossos pacientes.

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A esse fenómeno, que dinamiza a relação terapêutica, chamamos processo de transferência. O processo de transferência é esse processo pelo qual o paciente projeta sentimentos, vivências e expectativas sobre outras pessoas significativas na relação terapêutica.

De modo a exemplificar, no outro dia um amigo meu chegou revoltado à minha beira, regressado da terapia, porque a terapeuta dele teria reagido de uma forma fria e o teria criticado pela sua suposta conduta arrogante. Apontou um conjunto de elementos que me levavam a concordar com ela. Ele acalmou e ponderou. De repente a imagem da sua ex-mulher tinha-se dissipado da sua mente. Por vezes é também este o risco que corremos. Porém a terapia é um lugar de risco e isso curiosamente é o que mais me satisfaz no meu trabalho. O lugar do risco e a margem de erro que deve ser contratualizado com os nossos clientes.

Os chatbots podem, a meu ver, ser uma excelente ferramenta de complemento da terapia. Podem ajudar a ampliar as nossas ferramentas de atuação, mas não substituem a relação humana. No fundo, se as investigações de Paul Bloom estiverem certas, é impossível substituir esta relação humana, visto que os seres humanos são altamente essencialistas. O essencialismo é a tendência inata dos seres humanos de atribuir uma “essência” ou qualidade inerente e imutável a objetos, pessoas, grupos ou categorias. De modo a simplificar, o essencialismo é a razão pela qual o jogo FIFA tem mais sucesso com jogadores reais licenciados, em vez de bots com nomes estranhos. A verdade é que a relação humana é essencialista e está na base da natureza humana também. Nós geramos (até ver) bebés humanos e não produtos de outra natureza. Existirá assim uma ênfase nesta relação de base. Estes e outros elementos poderão intensificar os nossos preconceitos a negar a Inteligência Artificial. Eles poderão também ser ampliados com base em determinados receios tipicamente humanos.

Por volta de 2015 tive uma discussão numa conferência de filosofia da mente na Universidade do Minho, porque me apoquentei com as massivas preocupações éticas relacionadas com a IA em relação à sua pertinência. Perante o tom maniqueísta que dividia do lado do bem a humanidade e do lado do mal a IA, afirmei que o verdadeiro problema poderia estar também na nossa tendência projetiva de idealizar a potencial senciência artificial através da nossa consciência humana. A isso chamamos antropomorfismo, e eu chamava a atenção para que, até ver, o pecado original era nosso e não da IA.

Claro que existem alguns perigos que estão a ser devidamente documentados. Eu posso citar alguns, que não têm para já a ver diretamente com a IA, mas sim com a nossa relação com a IA.

A primeira, puramente lógica, que se baseia nos argumentos que evoquei em cima, é a tecnofobia. Obviamente que a fobia à tecnologia pode parecer algo superficial, mas ela se intensifica quando pensamos em obras como a de Mary Shelley e percebemos que a novidade tecnológica pode ser encarada como um agente do mal. Já o eram os computadores, a internet e agora os chatbots.

Do outro lado da barricada temos a nomofobia, que tem a ver com o desespero em estar desconectado. Normalmente pela incapacidade de uso do smartphone. Hoje em dia, quem depender demasiadamente desta relação com as tecnologias corre o risco de se alienar e viver prisioneiro das mesmas. Isto pode ser ampliado pelo F.o.M.O (Fear of Missing Out) que se traduz como o “medo de ficar de fora”. Ficar de fora do quê? Das tendências tecnológicas obviamente. Não falo logicamente das últimas novidades da tecnologia, ou da permanência nas redes sociais, mas sim na própria relação com os Chatbots. Esta última parece-me algo relevante porque no meio do entusiasmo por este tipo de ferramentas, de modo a catalisar o nosso trabalho, por vezes podemos correr o risco de ainda vivermos mais acelerados. No fundo vivemos num mundo competitivo que cada vez eleva mais a fasquia e, se não tivermos cuidado, podemos ter um grave acidente. Porque é relativamente fácil segurar um carro a 120km/h numa estrada, mas o mesmo carro a 300km/h na mesma estrada, pode tornar-se difícil.

Além destes elementos, parece que existe uma excessiva preocupação com a possibilidade de os chatbots virem a elaborar trabalhos por outros e que assim se constate o fim da criatividade. Contudo, pela minha experiência, eu consegui captar que o chat GPT é uma espécie de motor de busca refinado, que só mostra aquilo que é a nossa capacidade de questionar. Ele devolve na medida da nossa profundidade.

Todavia, fui buzinado nos ouvidos pela minha avó, que trazia o megafone sensacionalista da televisão, dizendo:

“Meu querido neto já viste aquilo do chat GPT? O próximo grande perigo! É capaz…” – Enumerou-me uma série de coisas malignas.

“É como um martelo. Tanto posso ferir alguém, como utilizar para pregar um prego numa parede”. Respondi-lhe com carinho.

“Mas até é capaz de falar connosco” – disse-me apreensiva.

“Era como a sua tia pensava enquanto acenava à televisão em resposta ao apresentador” – provoquei com carinho.

Riu-se como sempre e apertou o meu braço.

“Dá sempre a volta, nada o preocupa…” – inquietada.

“Preocupam-me as soluções e não o desespero. Estamos a viver a próxima grande revolução” – rematei.

Depois de ler o meu texto, o chat GPT sugeriu de forma interessante o seguinte:

“Concluindo, é inegável que a Inteligência Artificial, incluindo os chatbots como o GPT, tem um enorme potencial para transformar diversas áreas da sociedade e do nosso quotidiano. No entanto, é importante lembrar que, apesar de todas as suas capacidades e avanços, a relação humana é insubstituível e essencial para a nossa natureza. A terapia e a relação terapêutica são exemplos dessa importância.

Os seres humanos, devem aprender a utilizar a IA de forma ética, responsável e complementar, de modo a aproveitar o seu potencial sem que isso prejudique a humanidade. O segredo está em encontrar o equilíbrio entre a tecnologia e a essência humana, entendendo os limites de ambos e trabalhando juntos para construir um futuro mais próspero e harmonioso.”