Teria de viver muito distraída, ou noutro planeta, para não ter sido impactada pela loucura que se gerou com o Chat GPT no início do ano. A solução para todos os problemas … A causa de outros tantos, todos horríveis … Não faltaram opiniões fortes, todas elas com e sem razão e, como é frequente, conflituantes. Esta discussão conseguiu ultrapassar o futebol e as dietas como causa de ânimos exaltados a qualquer mesa de amigos, ao sábado à noite. Enfim, um divertimento!

Os meus alunos de Empreendedorismo e Inovação também ficaram confusos. “Mas, afinal, vamos ser desnecessários, quando acabarmos o curso?”, perguntaram. Resolvi investigar. Depois de usar o Chat GPT em diversas situações, achei que a coisa era suficientemente interessante e inovadora para ser importada para uma cadeira como esta. O que se segue não é nem um projeto de pesquisa académica, nem pretende ser representativo do papel da inteligência artificial para a humanidade. É o relato de uma experiência e serve apenas como curiosidade. Mas talvez vos surpreenda, tal como me surpreendeu a mim.

Num dos projetos da cadeira incorporámos o uso do Chat GPT como assistente de reflexão. O objetivo do projeto era criar o que chamamos um “side hustle”, ou seja, um negócio paralelo à atividade principal do empreendedor, que lhe permite ganhar algum rendimento sem comprometer o seu caminho. Neste contexto, seria um negócio que pudesse ser criado por um(a) aluno(a) de licenciatura e gerido em paralelo com a carga de um curso universitário. Mas a cadeira tem uma metodologia subjacente à criação de negócios (Lean Startup) e, obviamente, este projeto foi desenvolvido para a prática dessa mesma metodologia.

Em três contextos diferentes, o Chat GPT foi usado como ponto de partida para a geração de ideias alternativas, que faziam o lançamento de um trabalho analítico posterior pelos alunos. Concretizando: na geração de ideias de negócio alternativas num sector escolhido previamente; na avaliação do interesse do próprio negócio substituindo-se a um cliente potencial; e, finalmente, na geração de ideias de protótipo para teste da ideia de negócio. Em todas estas fases do trabalho, os resultados do Chat GPT deveriam ser, em seguida, analisados e comentados no contexto dos temas relevantes para a cadeira, e até comparados com a realidade das entrevistas reais.

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Nesta altura, vale a pena partilhar o meu maior receio – “E o que é que eu faço se os trabalhos forem todos iguais?”. Ao generalizarmos o uso de um motor de inteligência artificial com a potência deste, seria previsível que o produto dos trabalhos individuais se aproximasse. Ler cento e vinte trabalhos iguais não me parecia uma perspetiva entusiasmante. Seria ainda de esperar que as sugestões apresentadas pelo Chat GPT fossem todas relevantes e que no geral surgissem ideias muito superiores às de anos anteriores, em que os trabalhos foram realizados sem esta incrível ajuda.

Mas os resultados foram bastante diferentes do esperado, e permitiram concluir algumas coisas engraçadas. Uma das quais foi que a capacidade analítica do ser humano ainda é fundamental para lidar com a máquina.

O que verificámos:

  • No Chat GPT, tal como aprendi em tempos em informática básica, “garbage in, garbage out”. Isto significa que se o input não tiver qualidade, o output também não tem.
  • O Chat GPT pode efetivamente acelerar significativamente um processo de pesquisa e geração de ideias, oferecendo um leque vasto de temas para análise em tempo record, e faz também um excelente trabalho de estruturação dessas mesmas ideias. Parece nascido no signo Virgem…
  • No entanto, a inteligência artificial do tipo Chat GPT não parece compensar a falta de um conhecimento aprofundado de matérias relevantes para o contexto do trabalho, ou seja, o Chat GPT não aumenta forçosamente a qualidade média do trabalho dos seus utilizadores caso estes não façam a sua parte – um trabalho de estímulo preciso e aprofundado, seguido de um sentido crítico apurado na avaliação dos resultados.

Efetivamente, na nossa amostra de cento e vinte observações, o grau de profundidade das perguntas colocadas foi determinante na relevância da resposta. A pergunta conter ou não dados relevantes de contexto e condicionantes, foi um fator crítico para as sugestões da IA serem precisas e úteis. Não havendo qualquer limite no número de estímulos, verificámos que as interações mais exigentes, que foram afinando os estímulos com informação adicional, foram tendo sugestões cada vez mais adequadas. Também concluímos que os outputs de interações generalistas foram eles próprios muito gerais e pouco úteis. Às vezes até fora do âmbito.

Por exemplo, por definição, um side hustle pressupõe que o negócio é simples de implementar e não requer muitos recursos. A inclusão ou não deste dado na pergunta condicionou totalmente as sugestões obtidas no Chat GPT. O mesmo para o tema do “protótipo”, que também ele tem características muito próprias no contexto de Lean Startup. A maioria das sugestões oferecidas em resultado de estímulos generalistas não eram protótipos propriamente ditos. As interações mais bem-sucedidas foram as que souberam diagnosticar esse facto e, mais uma vez, refinaram os estímulos.

Curiosamente, quando desafiado a imitar um cliente, o Chat GPT teve reações bastante diferentes para estímulos relativamente parecidos. Ora fazia uma resposta de uma profundidade surpreendente, ora respondia com superficialidade – quase como se estivesse entediado. Daqui só conseguimos concluir, mais uma vez, que não devemos aceitar como boa a primeira resposta. A relevância do resultado, neste âmbito específico, foi determinada pela capacidade de o utilizador antecipar o que seria uma resposta “correta”, e de conduzir a máquina até lá.

Generalizando a conclusão, parece-me a mim que, sejam alunos ou profissionais, ainda não têm de recear ser substituídos pelo Chat GPT. E que na sua utilização mais regular e generalizada, tanto indivíduos como empresas têm interesse em reconhecer que o conhecimento profundo dos temas a tratar é determinante na qualidade do output.

Em resumo, nada como um ser humano inteligente e interessado para fazer um bom trabalho. Não me espanta que já exista a função de “Prompt Engineer” – um especialista cujo papel numa organização é potenciar a utilização da inteligência artificial. É que, como pudemos verificar, não é trabalho para qualquer um!