Soube-se há dias que as estatísticas da produção científica portuguesa em 2015 por milhão de habitantes, medida pelas publicações em revistas internacionais classificadas, nos colocavam pela primeira vez acima da média europeia. Seria deslocado invocar o dito britânico irónico sobre as «estatísticas», mas é certo que a maior parte da informação estatística carece de ser analisada e explicada.
Para quem dedicou, como eu, mais de 40 anos da vida profissional a esta área, a notícia não constitui surpresa. Todos sabemos que isso é o resultado da política prosseguida pelo falecido Professor José Mariano Gago (presidente da então Junta Nacional da Investigação Científica e Tecnológica, actual Fundação para a Ciência e Tecnologia, desde 1986 a 1989; ministro da Ciência e Tecnologia de 1995 a 2002; e de novo ministro, com o pelouro adicionado do Ensino Superior, de 2005 a 2011). E também ninguém ignora o esforço financeiro feito à escala do país, visando conferir, conforme ele teorizou, «massa crítica» à investigação científica.
Dito isto, já então se sabia que tal esforço político-financeiro nunca teve correspondência no conjunto da universidade e, muito menos, nos outros graus de ensino. Não à toa, o Público exclamava: «Se todos os gráficos de indicadores (positivos) fossem semelhantes aos da produção científica portuguesa, o país não estava nada mal»! Pois não, mas sabe-se pertinentemente que não é o caso… O país não está mesmo nada bem a viver de «bolhas», aliás antigas, como o turismo e o futebol…
No terreno da literacia, base sobre a qual são construídos o ensino superior e a investigação científica, Portugal é, de longe, o país da UE com os níveis mais baixos. Comparativamente, esses baixos níveis perpetuam-se apesar do investimento realizado nas últimas décadas numa percentagem do PIB comparável à da UE. Ainda há pouco, mostrámos que a escolaridade das pessoas com mais de 50 anos é, em Portugal, inferior a 6 anos, enquanto em Espanha é 8 e a média europeia é superior a 10, enquanto nos países com mais publicações científicas, como a Suécia, é 12!
Perdura, pois, em Portugal, uma lógica de extremos: excelentes médias de publicações científicas ao lado de níveis baixíssimos de literacia. Esta disfuncionalidade social explica por que razão o impacto da investigação científica é tão pequeno na nossa economia e tão pouco sentido na sociedade em geral. Basta atentar no facto paradoxal de, enquanto a economia permaneceu praticamente estagnada desde o início do século XXI, com meros altos e baixos que mostram a falta de sustentação do crescimento, nesse mesmo espaço de tempo, o número de publicações internacionais quadruplicou, passando de cerca de 5.000 artigos a mais de 20.000, independentemente do reduzido impacto das revistas onde foram publicados, como mostrou o Professor José Ferreira Gomes.
Um dos mais graves problemas do sistema de ensino português é, possivelmente desde sempre, a sua falta de ligação às exigências do mercado de trabalho, com excepção das profissões técnicas altamente qualificadas, como a medicina, cujo numerus clausus é por isso controlado por elas. Perdura aquela pecha «livresca» que a chamada reforma pombalina já pretendia combater. É por definição difícil prever as necessidades de um mercado de trabalho de empresas privadas em constante mudança. Dito isto, é flagrante o descompasso entre um ensino «livresco» virado para o emprego público e as necessidades da economia e da sociedade. Não será, pois, à toa que, enquanto o número de doutoramentos não cessa de aumentar em Portugal, situando-se acima da média anual europeia desde 2008, no mesmo período o emprego em actividades «knowledge-intensive» manteve-se sempre abaixo da média da UE.
A convite do Sindicato do Ensino Superior, publiquei há tempos um texto apoiado nas análises estatísticas comparadas então disponíveis. Aí se mostravam duas coisas. Primeiro: o desempenho do ensino secundário português relativamente à respectiva despesa pública, segundo um estudo do Banco de Portugal, era então aquele que exibia a pior relação custo-qualidade na OCDE: mau e caro! Em segundo lugar, sendo evidente que o mau desempenho do secundário não pode deixar de se reflectir no do ensino superior, convém saber que Portugal é o país da UE onde o Estado assume maior papel no investimento em investigação e o segundo onde são maiores as despesas com o pessoal dos sistemas educativos públicos, consumindo praticamente 90% do dinheiro investido no ensino e investigação.
A questão que os bons resultados indiscutíveis das publicações científicas portuguesas colocam não é tanto a de saber quanto isso custa, mas sobretudo por que razão não tira o país mais partido da investigação e por que não se repercutem os seus resultados sobre a sociedade!