Não, a tecnologia não é neutra.
Não, a 4ª Revolução Industrial (RI), em curso, como todas as revoluções, não será pacífica, não será inócua, fará vítimas, incontáveis vítimas, e vencedores, incontáveis vencedores.
Não, a 4ª RI não é uma novidade absoluta, mas o patamar superior da revolução anterior, a digital, em que convergem as tecnologias digitais com as físicas e biológicas. Um, dois, três diga lá outra vez: depois da mecanização e da máquina a vapor, no século 18. Da electricidade e da produção em massa, no 19. Da electrónica, telecomunicações e digital, no 20 – um, dois, três, diga lá outra vez -, está a chegar (já chegou?) a grande revolução do século 21.
Diz quem sabe, vai mudar tudo. Na verdade, já começou. Se ainda não percebemos que o uso indiscriminado dos smartphones muda as sociedades, a forma de nos relacionarmos, muda até a personalidade, comportamento e ideação de todos os homens e mulheres, então não percebemos nada.
Não, a 4ª RI não será neutra, fará vítimas. E vencedores. As fábricas vão tornar-se completamente automáticas, através de sistemas que ligarão as máquinas entre si e com as pessoas.
Não, pessoas ligadas a máquinas não é ficção científica, é científico. A Internet ligará tudo a todos e todos a tudo, transformando a bela Humanidade dos indivíduos na assustadora Humanidade do colectivo da informação e da comunicação. Onde todos sabem tudo sobre todos, embora alguns mais do que outros.
Sim, é uma nova Humanidade que se apresenta a nossos olhos, assustadora e exaltante, perigosa e maravilhosa, destruidora e poderosa. Perguntem a quem sabe: o que é a Internet das Coisas, ou IOT na sila inglesa? Basicamente, significa que tudo o que possa ser ligado ou desligado estará ligado à Internet, que controlará televisões, lâmpadas, relógios, electrodomésticos e quase tudo aquilo de que nos possamos lembrar. Uma fábrica, o motor de um avião, os nossos automóveis (claro!), mais de 20 mil milhões de aparelhos ligados em 2020; ou 100 mil milhões, segundo outras estimativas.
Mas quem está a contar? A IOT será, já começa a ser, um gigantesco Mundo de coisas ligadas umas às outras e às pessoas. Pessoas ligadas a coisas, oito ou nove mil milhões de seres humanos em simbiose (bem, quase) com cem mil milhões de aparelhos. As pessoas vão-se continuar a dar entre si, cada vez menos, e com as coisas, cada vez mais.
O cérebro também? O cérebro também. Partilharemos na robótica, na automação, a inteligência com sistemas, com máquinas, com coisas, com processos. E as máquinas vão aprender, comunicarão entre si e predirão o futuro, o seu e o de quem estiver ligado a elas. Diga lá “machine learning”, ou “educação das máquinas”, que não estará a dizer disparate nenhum. Inteligência artificial? Já há. Talvez um dia, numa 5ª revolução qualquer, nos venhamos a fundir com essas máquinas, a ser momentos desses processos, peças desses sistemas. É inevitável? É possível.
Não, não é inevitável. É maravilhoso. É possível, de um modo assustador, mas exaltante.
Vem isto a propósito do Web-Summit, claro, ou talvez venha o W-S a propósito disto. E já coisas se disseram com importância, outras serão ditas nos próximos dias ou ficarão para a próxima, por isso é bom começarmos a falar delas. Stephen Hawking, que esteve em Lisboa virtualmente já em 2016 escreveu: “A Internet e as plataformas nelas baseadas, permitem a um muito pequeno grupo de indivíduos fazer lucros gigantescos, empregando muito pouca gente. É inevitável, é progresso, mas é também socialmente destrutivo”.
A desigualdade vai aumentar, não diminuir. Um relatório do Citibank de 2016 previu que há 47% de empregos em risco nos EUA devido à automação, 57% na OCDE, 77% na China! A probabilidade de perda de empregos é de 96% para os recepcionistas, 92% para os vendedores de retalho, 89% para os chauffeures e condutores de táxis, 84% para os seguranças, 77% para os empregados de bar, entre outras profissões (ver aqui o gráfico apresentado pelo WEF).
Hawkings previu mais: que a robotização pode levar à extinção da espécie humana, incapaz de competir com máquinas cada vez mais inteligentes. Não vou tão longe. Mas para não ir tão longe é essencial que o ser humano se aperceba do que significa a 4ª revolução. No W-S, António Guterres foi claro: temos de garantir que a inovação é uma força para o Bem. Querer pará-la é tolice. Ter medo dela não serve para nada. Mas é preciso regulá-la e controlá-la, num esforço conjunto entre governos, empresas, cientistas, sociedade civil; com a Academia.
É essencial prever as consequências da quarta RI. Pôr as tecnologias ao serviço de todos os homens e não apenas de alguns. A IA, a biotecnologia, a nanotecnologia, a robótica, as novas cidades, devem servir-nos, não destruir-nos. Ainda no rescaldo da anterior revolução industrial, a digital, encaramos com preocupação algumas tendências, formas de comportamento social – socializar com ecrãs não substitui a relação pessoal e presencial -, a perda da privacidade, a indelével pegada no WWW, o cyberbullying. O que aí vem terá consequências muito maiores.
É preciso regular com espírito de urgência e consciência do risco, a nova realidade criada pela 4ª RI. Educar, formar, treinar, para uma cidadania humana. Ter sempre as pessoas em mente no desenvolvimento dos novos sistemas.
A desigualdade é uma das maiores ameaças sociais que paira sobre a Humanidade. A 4ª RI tem de contribuir para a sua diminuição. Caso contrário, terá Hawkings razão e a 4ª Guerra Mundial será entre humanos e máquinas. Que estas vencerão, claro.
PS. Escrevi sobre controlo de armas nos EUA recentemente, aquando do massacre de Las Vegas. Não me vou repetir a propósito do massacre de domingo, no Texas. Mas acho extraordinário que não seja óbvio a todos quantos queiram pensar, não como máquinas mas como seres humanos, a correlação entre a facilidade de comprar, recondicionar e utilizar armas nos EUA e a frequência e gravidade destes ataques. Uma vez mais o culpado não vem de fora, dos terroristas do EI, o inimigo vem de dentro, do corpo martirizado, armado e desigual da sociedade americana.