Ontem retomaram-se as aulas em todas as escolas públicas do país. Ao que tudo indica, será mais um período de máscaras, testes, isolamento e muitas incertezas quanto às consequências da pandemia para os estabelecimentos de ensino, os educadores e as famílias que têm crianças e jovens a frequentar as escolas.

Tais consequências, no entanto, não se manifestam de igual forma para todos: há grupos de alunos mais vulneráveis às falhas do sistema do que outros, com ou sem pandemia. Entre esses grupos, há o que corresponde a 6,7% do total dos alunos matriculados no ensino básico e secundário português – os de nacionalidade estrangeira, que, no ano letivo de 2019/2020, eram mais de 68 000, 15 000 a mais do que no ano anterior e o maior número já registado. São eles de 179 nacionalidades diferentes, que trazem bagagens muito diversas (e por vezes, mais pesadas) e experiências culturais múltiplas.

Um relatório divulgado no mês passado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) retomou dados importantes sobre a população jovem imigrante e o seu desempenho académico no último PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), em 2018.

Um dos factos que o relatório revelou é que em Portugal a diferença entre a performance académica dos estudantes imigrantes de primeira geração (os que não nasceram no país e têm pais/tutores também estrangeiros) e os nativos é de mais de 30 pontos, para menos. Estes mesmos alunos imigrantes também têm 21% a menos de probabilidade de serem academicamente, socialmente e emocionalmente resilientes, em comparação com os nativos.

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O relatório também indicou que quase 50% dos alunos imigrantes de primeira geração em Portugal eram considerados “late arrivals” – chegaram ao país após os 12 anos de idade. Estes alunos geralmente enfrentam maiores dificuldades de adaptação nas instituições de ensino do que aqueles que migram mais cedo.

À esses dados, somam-se as taxas de conclusão do ensino secundário por alunos estrangeiros versus alunos nativos. Apesar do seu aumento significativo na última década, no ano letivo 2019/2020, 73,7% dos estudantes imigrantes concluiu a escolaridade obrigatória, enquanto 91,2% dos portugueses o fizeram.

O estatuto socioeconómico da família, no entanto, continua sendo o principal preditor de insucesso escolar. Quando ajustado para tal índice, a diferença na performance entre estudantes imigrantes e nativos reduz drasticamente. Isto indica que a desigualdade nos resultados académicos deve-se principalmente ao facto de que os estudantes imigrantes estarem em maior desvantagem socioeconómica do que os seus colegas nativos.

Ainda assim, o sistema educativo não está preparado para oferecer soluções aos desafios específicos que os alunos estrangeiros encontram nas instituições de ensino e que dificulta o seu sucesso. Em outro relatório recente da OCDE, Portugal aparece no top 5 de países onde os professores reportaram a necessidade de terem acesso a formação contínua sobre estratégias de ensino em contexto multicultural e multilinguístico.

A nível europeu, pelo menos 28 sistemas educativos apontaram o ensino em salas de aula diversificadas e multiculturais como um importante desafio (e lacuna) das políticas públicas.

Garantir que a formação de educadores e técnicos os prepare desde o início para aplicar estratégias e metodologias de ensino mais inclusivas para todos os alunos e elimine qualquer prática discriminatória é absolutamente fundamental, porém a solução não acaba aí.

Viabilizar oportunidades para serem os próprios alunos a liderar esse processo pode ser muito positivo. Num workshop sobre diversidade, equidade e inclusão que facilitamos para uma turma do 10º ano, surgiram várias ideias para tornar a escola mais inclusiva, como, por exemplo: celebrar festivais de outras culturas e ler livros de várias culturas, promover debates, recolher sugestões de todos os alunos, ter “disciplinas” para o planeamento do futuro dos estudantes, criar podcasts, campanhas e palestras, fazer um teatro educativo, entre outras. São propostas aplicáveis, que podem envolver todas as disciplinas e ajudam a construir uma cultura educativa mais aberta e inclusiva que terá impacto no desenvolvimento dos alunos. Além disso, podem-se criar estruturas de acolhimento como mentoria entre pares e planos de trabalho que tenham em conta o processo de adaptação dos alunos que chegam de outros países, sempre valorizando – e nunca rejeitando – o pluralismo linguístico e as diferenças culturais.

Nada disso deveria ser visto como “extra” ou como uma possibilidade “a mais” e sim como algo inseparável de um processo de aprendizagem muito mais estimulante e próspero para todos.

É evidente que para colocar isso em prática, é preciso garantir a participação de múltiplos agentes educativos, como mediadores culturais, técnicos sociais, psicólogos, tutores pedagógicos e outros intervenientes comunitários. Neste sentido, é papel indispensável da estrutura de governação vigente assegurar que cada estabelecimento de ensino seja capaz de contar com esses profissionais qualificados.

Felizmente, em Portugal, há plataformas e projetos em curso que têm como objetivo construir essa cultura, como, por exemplo, a REEI (Rede de Escolas para a Educação Intercultural) e projetos-piloto como o “Cultura de Encontro”, da Fundação Aga Khan, em parceria com agrupamentos de escolas. São iniciativas importantes (dentre muitas outras) que mostram o interesse e a abertura para abraçar essas mudanças.

Se o desafio parece grande, a oportunidade pode ser ainda maior. Ter ambientes escolares multiculturais é uma grande oportunidade para expandir a educação intercultural para além de projetos extracurriculares e aulas de Cidadania e transformá-la verdadeiramente em um valor educativo básico, transversal a todo o currículo e que transcenda os muros da escola.

Precisamos dar passos mais largos no sentido de assumir esse compromisso, pelo bem das crianças e jovens, sejam imigrantes ou não, todos futuros cidadãos e cidadãs deste país.

Maria Fernanda Santos Souza é mentora pedagógica na Teach For Portugal. Brasileira, mestranda em Educação e Literacia Física, foi co-fundadora dos Global Shapers em São Luís, no Brasil, e assumiu cargos de liderança na ONG global AIESEC durante quatro anos. É Alumni do programa de empreendedores do governo dos Estados Unidos, Young Leaders of the Americas Initiative. Já viveu em três países e considera-se uma cidadã global.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.