Na última semana, os socialistas ficaram mais chocados com a publicidade do Ikea que com os 75.800 euros que Vítor Escária guardou na estante do seu gabinete junto do primeiro-ministro. Praticamente à mesma hora, o PSD foi abalado pelos inquéritos que envolvem membros do governo regional da Madeira e o presidente da Câmara do Funchal. No dia seguinte, e enquanto André Ventura clamava ser necessário limpar Portugal, soube-se que o novo cabeça de lista do Chega para a Europa, Maló de Abreu, terá declarado residência em Luanda quando viveu entre Lisboa e Coimbra. O resultado terá sido um encaixe para o próprio da ordem dos 75 mil euros. Entretanto, André Ventura afastou Maló de Abreu das listas, mas o episódio demonstra a falta de critério e de cuidado que o líder do Chega tem quando escolhe os que quer perto de si. Como é que será se alguma vez for governo? Do que se tem visto há fortes razões para recear o pior.

Não sou dos que assumem que no PS, no PSD ou no Chega há mais corruptos que nos restantes partidos. Não acredito nessa separação entre pessoas más numas organizações políticas e boas noutras. Todos contam com cidadãos honestos que dão o melhor de si pela melhoria de vida dos demais e pela causa pública. Tal como todos têm, ou terão, quem esteja na política com segundas intenções ou sem o carácter suficiente para distinguirem o certo do errado e viverem de acordo com isso. Se assim é, como é que se combate a corrupção?

Antes de mais, através do escrutínio democrático. O caso Maló de Abreu cai neste campo ao ser divulgado pela imprensa. Mas a ocorrência com antigo deputado do PSD que o Chega considerou à altura para limpar Portugal da corrupção surge como resultado de uma regra necessária e precisa. Nem sempre é o caso. A corrupção ao mais alto nível existe quando há uma oportunidade que nem o medo de uma investigação judicial afasta. As razões para esta sina são, essencialmente, duas: primeiro, a descapitalização das empresas. Num país com falta de capital, a maioria do investimento necessita de apoio público. A partir daqui o acesso aos cofres do Estado torna-se indispensável para que se possa investir, produzir e ganhar dinheiro. Segundo, o excesso de burocracia estatal. Ao mesmo tempo que o sector privado depende, em grande parte, do apoio público, o Estado estabelece regras burocráticas que dificultam o investimento privado. Pior, abrem a porta a decisões discricionárias, arbitrárias, essas sim, pouco reguladas e difíceis de escrutinar.

A corrupção combate-se com menos burocracia, menos arbitrariedade e uma economia privada mais forte e independente do poder político. O conceito da separação entre a Igreja e o Estado surgiu no século XVII, no seguimento da conclusão da Guerra dos Trinta Anos. Foi um processo longo, mas necessário para o estabelecimento de regras de convivência numa Europa com divisões religiosas. A separação entre Estado e economia é um outro percurso que ainda está a ser trilhado. Já vimos diferentes variações, mas o que assistimos em Portugal é fruto de uma intromissão estatal numa economia privada enfraquecida que precisa de favores públicos para viver e que alguns estão dispostos a pagar.

Infelizmente, a realidade mostra que os socialistas não adeptos da redução da burocracia e da diminuição do poder arbitrário do Estado. Não porque gostem da corrupção, mas porque uma maior separação entre Estado e economia contraria aquilo em que acreditam, que é o Estado ditar o que a economia deve fazer; os governos e os políticos ditarem onde, como e de que modo os empresários devem investir. O resultado são buscas domiciliárias, operações com nomes pomposos, investigações, inquirições e julgamentos intermináveis. Em última análise, a suspeição de o poder judicial se intrometer no poder executivo e derrubar governos. O socialismo não está apenas a empobrecer-nos. Está também a pôr em causa a nossa confiança nas instituições e na capacidade de estas se renovarem com novos actores políticos e uma nova forma de estar na política, um novo modo de se encarar o papel do Estado na economia. No fundo, no estabelecimento de um desenvolvimento económico que não ponha em causa o próprio Estado e o regime democrático e liberal que o rege.

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