A Constituição da República Portuguesa, com o peso dos seus 296 artigos que penosamente carrega, agravado pela senescência das suas células, transformou-se numa velha precoce condicionada pelo tempo que justifica a reforma antecipada.

O terceiro lugar que Portugal ocupa no podium dos países do mundo com mais artigos na sua Constituição, apenas é ultrapassado pela Índia, campeã da Ásia, e pela Nigéria, campeã de África, respectivamente com 448 e 320.

Na União Europeia, o nosso País é o vencedor destacado com quase mais 100 artigos do que o segundo, a Bélgica (198), conseguindo uma diferença significativa de 204 artigos sobre França (92), insuspeita nesta matéria.

Constata-se, assim, que a qualidade da democracia não reside na quantidade de disposições inscritas na Lei Fundamental, mas sim na sua essencialidade. Recorde-se, a este propósito, o exemplo dos EUA que mantêm na sua Constituição, desde 1789,  apenas 7 artigos, complementados por 27 emendas.

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A nossa Constituição, elaborada pela Assembleia Constituinte de 1975, foi concluída em Abril do ano seguinte. Com a sua ânsia programática, ainda incorpora muita da carga ideológica resultante das sequelas e pressões do período revolucionário, não obstante as sete revisões de que foi alvo, após 1982.

Qualquer jovem que queira dar-se ao trabalho de a ler com atenção ficará surpreendido com as incoerências, desajustamentos e disposições inaceitáveis para os dias de hoje, em que tropeçará e que, por certo, lhe suscitarão justificadas apreensões.

Desde logo, poder-se-á questionar a própria denominação, não só da Constituição como do próprio País. Por que razão se há-de chamar a Portugal, República Portuguesa e não, simplesmente, o nome com que foi criado?

O nome de Portugal evoca, como é cantado no Hino, os seus heróis do mar, o seu nobre povo, a Nação valente e imortal e os seus egrégios avós. O seu nome incorpora quase nove séculos de História edificada com fé, engenho e sacrifício, mas também de tragédias e desavenças, como acontece na vida das famílias não sendo por isso que mudam o nome.

Porquê, então, substituí-lo por “República Portuguesa”, reduzindo a sua memória e dimensão ao período posterior a 1910, ou seja, a pouco mais de um século, que inclui regimes tão diferentes como a agitada Primeira República, o Estado Novo e a Democracia?

Como hoje é corrente dizer, o nome Portugal é, sem dúvida, mais inclusivo que o de República Portuguesa, até porque os seus naturais continuam a ser conhecidos por portugueses e não por republicanos portugueses, que, por sinal, nem todos o serão.

Também o seu Preâmbulo suscitará legítimas dúvidas, ao referir textualmente ser decisão do povo português “abrir caminho para uma sociedade socialista”. Admitamos que esta afirmação de figuração despropositada num texto constitucional, passou a inverosímil, à luz dos resultados das últimas eleições legislativas.

E o que dizer da extensa e detalhada lista de medidas que ultrapassam em muito o que é razoável constar no texto de uma Lei Fundamental, contrariamente ao que sucede na generalidade das democracias ocidentais?

Acresce que pela voragem de tudo se pretender prever, não só não o conseguiu como tornou muitas das suas disposições obsoletas. Veja-se o caso de medidas como a possibilidade de criação de comissões coordenadoras de trabalhadores para “a melhor intervenção na reestruturação económica” das empresas (art.54, n.º3); ou do rol de normas constante na Parte da Organização Económica, que até refere ser incumbência prioritária do Estado, “eliminar os latifúndios e reordenar o minifúndio” [art. 81, alínea h)].

E o que pensar da profunda incoerência de um proclamado Estado de direito democrático que visa o aprofundamento da democracia participativa, estabelecer como um dos seus limites materiais “a forma republicana de governo” [art. 288, alínea b)]?

Traduzido na prática, significa isto dizer que, mesmo que fosse essa a vontade, não são permitidos outros sistemas democráticos diferentes do republicano, tais como os vigentes em grandes democracias europeias, como as monarquias da Bélgica, Espanha, Países Baixos, Suécia, Luxemburgo, Reino Unido ou Noruega, já para não falar, indo para outras geografias, do Japão.

Mas mais insólita se torna esta restrição quando se constata que o sistema parlamentar democrático, com a separação de poderes, foi implementado em Portugal, precisamente no século XIX, em plena monarquia. Qual o motivo, então, da própria Constituição, nesta matéria, se contradizer claramente com os seus princípios fundamentais?

Diz-se que as revoluções só acontecem pela ausência de reformas ou quando elas são mal sucedidas. Longe de vaticinar uma revolução na Constituição, bastaria tão só aplicar-lhe um “simplex” que preservasse os princípios, direitos e deveres fundamentais e a organização do Estado; e a desbastasse de tudo o que já faz parte do museu do PREC, dentro de uma verdadeira cultura democrática adequada ao nosso tempo.