A política é recheada de subtilezas, truques e golpes de bastidores que no permeio de segundas, terceiras ou quartas interpretações colocam a verdade bem para lá de oculta. Tudo se passa numa Twilight Zone onde procuramos a realidade às apalpadelas e por entre neblina e fumaça não temos outra alternativa que não o pragmatismo de – o que parece verdade, deve ser verdade! Só que às vezes, o avolumar das versões, histórias, intenções, expectativas, vantagens, etc, tornam a realidade num “conundrum” onde tudo é dissimulado. Para evitar eventuais melindres desde já alerto, os factos descritos são ficcionados para fins narrativos, pelo que qualquer correspondência com a realidade será certamente pura coincidência.

Um – O caso Sócrates

José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa foi batizado Carvalho de sua mãe Maria Adelaide, e Pinto de Sousa de seu pai Fernando. Sócrates foi atribuído como nome próprio porque o seu pai “tinha lido umas coisas” sobre o filósofo e à altura achou o nome suficientemente distinto para o imprimir no registo de nascimento. José teve em Sócrates o destino marcado. O nome do filósofo, se poderia ser auspício de uma carreira que já tarde tentou no mundo das letras e da filosofia, acabaria por lhe ficado colado à pele mais pela forma como há menos de 2500 anos, o filósofo foi condenado à morte nos “dikasteria”, os tribunais populares de então. Dois milénios e meio depois, o homónimo de hoje parece, e permitam que desde já o afirme, ter destino semelhante ao ser injustamente condenado pela opinião pública. Se a história inicial ficou registada como trágica, a actual, tal como Marx previu, assemelha-se mais a uma comédia, uma “opereta bufa”, diria eu.

O caso conta-se de forma simples. O seu Avô do lado materno, homem rude e lutador fez fortuna como flibusteiro durante o dinheiro fácil do “volfrâmio”. À época e para quem se dedicava ao comércio e contrabando era bem mais fácil fazer fortuna do que gastá-la ou, mais difícil ainda, encontrar forma adequada de lhe dar destino. O Avô Monteiro foi acumulando o pecúlio aguardando a oportunidade para um esperado e devido usufruto. Quis contudo o destino que tal oportunidade nunca viesse a ocorrer e assim foi acumulando o robusto montante que deixou guardado num cofre que décadas depois se tornaria mítico e de cuja existência muitos duvidam.

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Quando décadas volvidas, sua mãe Maria Adelaide lhe descobriu as origens do lado materno e revelou o espólio escondido, a verdade caiu-lhe como uma bomba. Uma daquelas surpresas que rebenta na vida de alguém, alterando definitivamente o destino que cada um tinha como certo. E a vida virou-se-lhe do avesso, afinal a sua família era rica! Tivera ele uma vida espartana, andara a poupar, a ser comedido. Tinha frequentado um modesto estabelecimento de ensino, a “Universidade Independente” onde teve colegas notáveis como Armando Vara, Cristina Ferreira e Catarina Furtado, tinha entrado para a política pela fama e pela fortuna, quando afinal podia ter tido uma vida faustosa desde o berço. Como era possível possuir aquele “pastel” todo e ter sofrido até então de uma vida tão frugal? Conhecer a verdade foi para ele um choque, difícil de recuperar, mas também difícil de perdoar. Sendo José Sócrates dos três irmãos o único com carreira política, uma carreira brilhante que importava preservar, a mãe jurou guardar recato do cofre e respetiva fortuna, segredo tão bem guardado que nem aos dois irmãos foi dado conhecimento, ou partilha! O primogénito teria a responsabilidade de colocar a fortuna no mundo legal, José Sócrates estava incumbido dessa peleia.

Sempre com o peso nos ombros, José Sócrates, já então líder do Partido Socialista e Primeiro Ministro, em conversa com seu amigo e confidente, António Costa, revelou-lhe o infortúnio familiar, a forma como tomara conhecimento da herança, as dificuldades que antevia ao agitar as águas lodosas da inveja e as suspeitas claramente infundadas que iria despertar. António Costa, ainda que “lento” a digerir este tipo de problemas, depois de pensar alguns dias sobre o assunto, sugeriu-lhe: camarada, tens de encontrar forma de colocar o dinheiro no “estrangeiro” e depois fazê-lo regressar ao abrigo de um perdão!

A trama estava lançada. José Sócrates precisava de um amigo a quem pudesse confiar a operacionalização do processo e também encontrar uma “mula” que fizesse o transporte do conteúdo do cofre. Por fim só lhe faltaria a justificação para um perdão fiscal que garantisse o regresso do dinheiro.

Para a operacionalização do processo escolheu o seu amigo de infância Carlos Santos Silva. Para o papel de “mula” inicialmente pensou utilizar um dos ex-alunos da “Universidade Independente”, mas por os achar de pouca confiança ou demasiado voluptuosos, a escolha acabou por recair sobre uma amiga comum, alguém que não é identificada no processo, mas alguém com mais descrição e menos atreita a suspeitas.

Sócrates sabia que podia haver escutas, pelo que os “bens” seriam mencionados em código, como se de materiais de construção se tratassem e a “mula” daria pelo nome de “Lena”. Esta escolha foi acertada pois efetivamente ocorreram escutas e nos registos o nome “Lena” surge várias vezes. A associação de Lena a materiais de construção e sendo o amigo Santos Silva engenheiro foi quanto bastou para lançar a confusão. Para o perdão fiscal, o “Regime Extraordinário de Regularização Tributária”, José Sócrates necessitava de uma justificação política. Em conversa com o seu amigo António Costa, decidiram que a oportunidade surgiria se as finanças públicas entrassem em dificuldades e houvesse necessidade de incentivar o regresso de capitais a território nacional.

O plano estava pensado e a oportunidade acabou por surgir com a crise do “subprime”, altura durante a qual a UE permitiu que os orçamentos nacionais ultrapassassem o deficit até aí permitido. Só que às vezes os planos são perfeitos, funcionam no papel, mas no terreno basta que o empenho não seja bem calibrado e as coisas logo correm mal. E assim aconteceu, de um desejável desequilíbrio orçamental, rapidamente se entrou em falência.

A fortuna do Avô Monteiro pode, pagando um imposto residual, regressar a território nacional, mas a crise política resultante da falência das contas públicas acabou na demissão de José Sócrates em 2011 e na dissolução da AR.

Sem o controlo político, José Sócrates perdeu a iniciativa e quando o Ministério Público investigou as origens do dinheiro, já nem os seus amigos Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento o conseguiam ajudar. Quando mais tarde tentou contar a verdade sobre o cofre e a fortuna herdada ninguém acreditou e acabou condenado tal como o seu “homónimo” de há 2500 anos. Quanto aos outros dois protagonistas da história quis a ambição que tivessem comportamento e destino diferentes.

Carlos Santos Silva, continuou o amigo indefetível, nunca lhe faltou no auxílio e quando muitos esperavam que virasse as costa, continuou a ser um sólido apoiante de José Sócrates. A sua amizade era de tal forma abnegada, que vendo o amigo em apuros não hesitou um instante que fosse em o ajudar. E a sua amizade não se manifestou apenas no apoio financeiro que desprendidamente cedeu. Este seu amigo quis de alguma forma incentivar a sua transição para filósofo, algo que José Sócrates sempre julgou estar-lhe reservado. E foi assim, por iniciativa de Carlos Santos Silva, que Domingos Farinho deu uma “mãozinha” na transposição para livro da tese de mestrado “A Confiança no Mundo: Sobre a Tortura em Democracia”, uma edição da Almedina que esgotou após uma bem sucedida operação de açambarcamento levada a cabo por Carlos Santos Silva. Este, mais tarde, nas suas memórias, acabou por reconhecer ter sido o cérebro e executante desta operação a que José Sócrates era alheio. Segundo disse na altura –  “fiz o que fiz para catapultar um amigo para o sucesso na filosofia e dar-lhe o impulso necessário para um novo desiderato político”. Talvez rumo à presidência, cargo onde em política o princípio de Peter fica inescapável.

Quanto ao outro protagonista, António Costa, o destino reservou-lhe sorte distinta. A sua não inclusão no XVIII governo permitiu um afastamento de José Sócrates que mais tarde se veio a revelar muito adequado. Em 2009 quando a XI legislatura terminou, já António Costa estava suficientemente distante para não se envolver no processo que em 2014 culminou com a injusta prisão preventiva do Ex-PM. Em finais de 2014, quando António Costa o visita no estabelecimento prisional de Évora, declara para a comunicação social – “José Sócrates luta pelo que entende ser a sua verdade”, e acrescenta que por haver várias versões da verdade, caberia à justiça avaliar a veracidade de cada narrativa – “à justiça o que é da justiça” e “agora é o tempo da justiça”, foram expressões desse tempo e que a muitos surpreenderam.

António Costa sabia da existência do cofre, sabia das dificuldades que o seu amigo José Sócrates tinha tido com a herança, sabia do plano para a crise das finanças públicas, sabia de tudo isto, mas o que sabia calou, pois o seu objetivo à altura era o de ser Primeiro Ministro de Portugal. O caminho preparava-se e a trama adensava-se.

Dois – O caso da Gémeas

A nomeação de António Costa em 2015 como Primeiro Ministro foi tudo menos fácil. Não tendo vencido as eleições de então teve de se servir de uma artimanha, um “arranjinho” político que para a história ficou conhecido como “geringonça”.

A ação do XXI governo de Portugal começou com uma enorme desconfiança do Presidente da República de então, o qual exigiu um documento escrito antes da tomada de posse. Muito a contragosto o documento foi assinado e as relações com o PR foram reduzidas a um mínimo indispensável uma vez que o inquilino em Belém em breve seria outro. E assim foi, a 09 de Março de 2016 Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse na AR do cargo para que fora eleito, o de Presidente da Republica de Portugal.

De início todos esperavam, e o próprio António Costa assim o antevia, que as relações institucionais entre o PM e o PR se deteriorassem e num amontoar de azedume os conflitos fossem significativos. Mas a política tem destas coisas e os dois egos não chocaram, parecendo mesmo em muitas ocasiões ser grande a cumplicidade e intenso o conforto recíproco. Se assim começou a relação entre ambos estava escrito nas estrelas que António Costa não queria ficar na história como o “Homem do Presidente”, nem Marcelo queria ficar conhecido como alguém distante dos destinos políticos da nação. E se no início as relações eram calorosas e de conivência, a maioria absoluta de António Costa em 2022 remeteu Marcelo para uma irrelevância que não conseguia vestir.

Não teve de esperar muito, as trapalhadas de ministros, os pavilhões transfronteiriços, e outras patetices forneceram um clima que teve a cereja no topo com o caso TAP e a indemnização a Alexandra Reis. Ao longo de todo este processo, Marcelo manipulou a informação que recebia e que retransmitia pelos media conforme o embaraço que provocavam. E não teve de se esforçar muito, Pedro Nuno Santos, no meio de tanta confusão teve de se demitir, e João Galamba permitiu que o ministério das infraestruturas fosse palco de uma “peixeirada” de que não há memória. Foi demasiado degradante e Marcelo aplicou a estocada final. Exigiu a demissão de Galamba em Maio de 2023. António Costa resistiu, Galamba manteve-se em funções por mais seis meses, o que colocou Marcelo na posição de perdedor.

Esta pequena vitória sobre o “rival” não era o xeque-mate que pretendia. Já desde há algum tempo que António Costa conspirava para retirar a Marcelo a irritante popularidade, pensando talvez que um mau desempenho do presidente pudesse favorecer uma candidatura sua à presidência. António Costa aspirava a outros voos.

A oportunidade surgiu-lhe em 2020 quando soube que Nuno Rebelo de Sousa, filho do presidente, pretendia mostrar a sua “influência” na política portuguesa. E a oportunidade estava aí à mão de semear. Nuno preparava-se para demonstrar os seus “dotes”, fazendo pressão para que o SNS português aceitasse administrar o medicamento Zolgensma® a duas doentes brasileiras, no que ficou conhecido como o “caso das gémeas”. Para isso bastava que estas obtivessem a cidadania portuguesa e que a administração do medicamento com um custo total de 4 milhões de euros tivesse “luz verde”, mesmo que esta decisão fosse ao arrepio da comunidade médica. No final haveria sempre alguém que ocupasse um cargo de nomeação, alguém a quem exigir a necessária assinatura. O plano estava gizado e a sua prossecução dependia da colaboração de algumas entidades facilmente pressionáveis pelo então secretário de Estado Lacerda Sales, e a ministra Marta Temido. Caso algo corresse mal, bastaria impedir que estes fossem inquiridos em comissão parlamentar e o segredo ficaria bem guardado.

À época, em 2020, não havia necessidade de divulgar o sucedido, até porque o tempo nestes “cozinhados” fornece um toque de “apuro” e, com a devida distância os intervenientes tendem a esquecer que se tinham “esquecido”. Foi assim que este “complot” ficou guardado para ver a luz do dia quando nisso se visse mérito e oportunidade. E eis que esta surgiu em 2023 quando após a desfeita do caso “Galamba” se sentia que a popularidade do presidente estava em baixo. Qualquer notícia que aparecesse então em público bastava trazer a reboque o nome do filho do presidente como o “mandatário da cunha” e um caso de nepotismo com um custo de 4 milhões de euros teria inevitavelmente de afetar a popularidade do presidente. A trama fica mais espessa e o caminho para a presidência parecia agora ser um destino possível.

Três – António Costa entediado

Com a popularidade de Marcelo em declínio, António Costa começou a ver a sua função como pouco desafiante, ficou, digamos, entediado. Já não lhe dava gozo o cargo de PM e aos 62 anos não estava nos seus planos reformar-se. Pretendia concorrer a um cargo europeu, um cargo de prestígio e bem remunerado enquanto aguardava pela vaga na presidência.

A sua arte e engenho, garantia-lhe que, se fosse candidato a um cargo europeu seria um forte pretendente, e alguém que a nível interno não ficaria com o nome enlameado como Durão Barroso. Estava tudo alinhado para se candidatar a um cargo europeu e subir mais um degrau na sua ambição, mas havia um problema. O Presidente Marcelo já o tinha avisado que não toleraria nomear um novo PM que se não tivesse sujeitado a eleições. Achava Marcelo que as pessoas votam em pessoas. Marcelo não iria consentir que António Costa abandonasse o cargo de PM e dinasticamente deixasse sucessor. Isso não iria acontecer!

Estava António Costa neste impasse quando tem uma jogada de génio. Em maquinação com a Procuradoria e aproveitando uma investigação mal amanhada, a do “Processo Influencer”, uma investigação que incluía negócios de exploração de lítio, da produção de hidrogénio verde e a constituição de um “Mega Data Center”, imaginou que faria sentido que se realizassem “buscas” nos ministérios e na casa oficial do Primeiro Ministro. Só que para o plano ter sucesso havia dois aspetos que era necessário combinar previamente: antes das buscas serem notícia – a Procuradora deveria dar conhecimento ao Presidente da investigação, e no final, e só depois da “ardilosa” visita, deveria ser lido à comunicação social um comunicado que desse nota pública do “Processo influencer”. O comunicado deveria terminar com um pequeno parágrafo que vagamente referiria um hipotético envolvimento de António Costa e que, dada a delicadeza da investigação, terminaria dizendo que o processo seria remetido para os Juízes do Palácio Ratton. O comunicado só poderia ser lido após a audiência da Procuradora com o Presidente como forma de inculcar nos espíritos a “pérfida” ideia que a redação do mesmo tinha sido sugerida por um Presidente ainda ressabiado com o caso Galamba. Marcelo ao ser suspeito da autoria do “parágrafo” ficava inibido de dissolver a AR porque se o fizesse, na opinião pública a suspeita ficaria reforçada. Por outro lado, a suspeita deveria ser suficientemente vaga, para sem acusar ninguém, justificar a António Costa, que nas vestes de dama ofendida, apresentasse a demissão e preparasse a defesa da honra. Como de substantivo nada haveria a apontar ao PM e como o seu nome era idêntico ao do Ministro da Economia e do Mar, isso deveria ser o suficiente para espalhar a confusão e mobilizar uma “póvoa” incomodada com a injustiça.

O “complot” esteve quase para ser bem sucedido. Como se veio a comprovar não é boa estratégia levantar “calúnias” sobre membros do governo, pois a honestidade destes é como os melões. E não fora Vítor Escária, chefe de gabinete, ser apanhado com  75.800 Euros cuja proveniência não soube explicar e o amigo de longa data ser personagem de múltiplas facetas e plano teria dado certo. António Costa sairia do governo, a AR não seria dissolvida, um novo PM poderia ser nomeado e, dada a inconsistência do processo, era só deixar rolar e tudo acabaria arquivado. Só Galamba de pijama enquanto passeava o cachorro lamentava com os seus botões a infelicidade que sobre si tombara. Porém, Marcelo que de parvo não tem nada, topou a tramoia do “último parágrafo” e aproveitando as fragilidades dos envolvidos convocou um Conselho de Estado que por uma unha negra apoiou a dissolução da Assembleia da República.

4 – Marcelo contra-ataca

Como era de esperar o “Processo Influencer” era uma mão cheia de nada que outro propósito não tinha que o de facilitar a saída de António Costa para um cargo europeu e de o preparar para voos mais altos. E tudo corria bem. Com a demissão de António Costa das funções de PM o seu envolvimento desceu do Supremo e a consistência do processo foi arrasada pelo juiz de instrução. António Costa surgia no papel de vítima enquanto Marcelo era suspeito de ter sido o autor moral, ou material do malogrado parágrafo.

Por essa altura a animosidade entre ambos estava ao rubro, ainda que para o publico em geral a imagem que transparecia era a de conforto mútuo. Quando Marcelo, sempre mais desabrido, dizia que as reuniões de quinta-feira eram num tom azulado que fazia chorar as pedras da calçada, eram momentos em que, citando o próprio – Marcelo confortava António Costa quando este se lamentava da demissão e este último confortava o Presidente quando este carpia o caso das gémeas. A cumplicidade era mútua, só que “confortar” não era provavelmente o verbo mais adequado.

Para António Costa os tempos eram de grande oportunidade. Desde o caso Sócrates tudo se alinhava conforme planeado numa enorme passadeira vermelha para o seu projeto pessoal. Tinham havido danos colaterais. Pedro Nuno Santos ficara à frente do PS, o PS tinha perdido as eleições, mas eram  danos colaterais, danos menores.

Contudo, Marcelo não dorme em serviço e apercebeu-se que “a montanha parira um rato”. O “Processo Influencer” mais não era que uma mão cheia de nada e que, mais grave ainda, toda aquela trapalhada ficar-lhe-ia para sempre imputada. Incomodado com esta perspetiva vê na nova AR e no seu presidente Aguiar Branco uma janela de oportunidade que não quis desperdiçar. E se assim pensou, mais rapidamente agiu sugerindo ao novo presidente da AR para que Lucília Gago fosse ouvida na AR e aí explicasse aos deputados e à nação os casos cujo mediatismo se arrastava na praça pública. Esperavam os promotores da audição que o comunicado da PGR fosse explicado e a autoria do último paragrafo, o que tinha “levado” à demissão de António Costa, fosse definitivamente esclarecido. A trama avoluma-se mas para novos desenvolvimentos temos de esperar pela segunda temporada.

5 – António Costa e a concorrência

A política não é um simples jogo de xadrez, comporta-se mais como uma partida de xadrez, mas jogada num “simultâneo” onde cada interveniente é obrigado a jogar em vários tabuleiros. É muito tabuleiro e tanto António Costa como Marcelo são exímios nesse jogo.

Pedro Sánchez Pérez-Castejón, Primeiro Ministro de Espanha desde 2018, sempre olhou para António Costa como um exemplo a seguir. António Costa fez um governo não tendo ganho as eleições e Pedro Sánchez seguiu-lhe os passos, António Costa fez acordos impensáveis com a esquerda, e Pedro Sánchez seguiu-lhe o processo. António Costa cedeu às políticas woke da extrema esquerda, Pedro Sánchez foi-lhe nas pegadas. Quando pode António Costa quis dispensar o apoio da extrema esquerda e Pedro Sánchez pensa copiá-lo para breve. António Costa preenche-lhe os arquétipos e constituí um modelo do seu superego. Talvez isso aconteça por o achar “fofo”, talvez por o ver como um “lento”, mas fosse lá pelo que fosse António Costa era modelo a seguir.

Conhecendo Marcelo esta fixação de Pedro Sánchez, pareceu-lhe adequado traçar um plano para dificultar a vida de António Costa e as aspirações políticas deste. E mal o gizou, de imediato pôs os pés a caminho para o concretizar. Mas atente o leitor mais descuidado que este pôr-os-pés a caminho é em sentido figurado, pois nem Marcelo se deslocou a Espanha, nem precisava de se envolver diretamente. Há muitas maneiras de se ser o “Negrão” do Eça. Marcelo sabia bem como vestir essa batina. Conhecendo Marcelo a admiração quase religiosa de Pedro Sánchez por António Costa, bastava fazer-lhe constar a forma como este último tinha lidado com a quebra de popularidade criando um facto político de vitimização, o “Processo Influencer” e o último parágrafo do comunicado. Como resultado obtivera a solidariedade dos conterrâneos, virara a página do desencanto e enquanto vítima pôde renascer legitimado para de novo tudo poder porque às vítimas tudo se permite.

Quando Pedro Sánches tomou conhecimento do maquiavélico plano de António Costa, quem por perto passava nos corredores do Palácio da Moncloa consta que  o terá ouvido exclamar – “joder”, p*** madre, este chico es um peligro. Vende a su madre sin pestanear”.

A Pedro Sánchez só foi preciso dar-lhe algumas notas da melodia para que ele de imediato lhes desse forma de letra. Precisava de encontrar uma comunicação social recetiva a uma história de corrupção. Ao contrário do urdido por António Costa, Pedro Sánches achou por bem não envolver outros ministros do seu governo. Era demasiado perigoso e tal como sucedera no caso português, atirar assim uma pedra esta podia sempre cair num telhado de vidro.

Tinha de improvisar. Matutou sobre o assunto e pensou ter achado a solução. Arranjaria forma de envolver a sua mulher, María Begoña Gómez, também conhecida como a “Melania espanhola”, num processo de corrupção. O tema seria tentador para os partidos de direita, que veem na corrupção uma iguaria política a que não são capazes de resistir e por aí ir-lhe-iam dar luta sem quartel. Se isto provocava agitação nas hostes à direita, para a esquerda, desde que as acusações fossem suficientemente calibradas, seriam sempre vistas como uma arma política. Daí a vitimizar-se era só um pequeno passo.

Pretendendo também ficar conhecido para história de Espanha como Pedro Sanches, “ o Lento”, ficou 5 dias em retiro domiciliário, deixando um assunto deste calibre em lume brando. Com uma boa dose de fermento, o “complot” só tinha como crescer. E podia crescer de duas formas. Se os brados à direita fossem suficientemente estridentes poderia sempre demitir-se, e vitimizando-se ficaria disponível para outros voos, para um cargo europeu quiçá! Se os vozeirões à esquerda fossem suficientemente vibrantes, poderia sempre retomar as suas funções de Primeiro-Ministro, vitimizado e como tal ressurgiria limpo de todos os pecados que até então tivesse acumulado.

Para o Negrão português, qualquer uma destas soluções seria útil. Numa António Costa teria efectivamente concorrência na Europa, na outra veria a sua estratégia copiada o que poderia levantar suspeitas.

Seis – Marcelo e o ocaso

Acontece às estrelas, só brilham enquanto têm carburante. Marcelo, também conhecido como o “maquiavélico” foi sempre um acelerado. Alguém que se arriscava a esgotar o carburante da vida, “a histamina”,  demasiado rápido. Era impossível acompanhá-lo e a melhor forma de o suportar era ter a atitude bonacheirona, algo oriental, de Pedro Mexia.

Ser acelerado era a marca de Marcelo Rebelo Sousa. Todos lhe reconheciam essa característica e às vezes quando fazia afirmações que chocavam ou pareciam descontextualizadas, o normal era que os seus interlocutores se questionassem sobre o que não estavam a entender. E foi assim que Marcelo foi acumulando uma série de afirmações que isoladamente pareciam politicamente incorretas, desconfortáveis, ou menos abonatórias. Isoladamente cada uma delas podia ser dada à adivinhação dos “auspices” do comentário político, mas o avolumar dos casos incomodava e muitos achavam que algo de errado se poderia passar.

O cúmulo das afirmações desconcertantes ocorreu durante um jantar com adidos de imprensa estrangeira em Portugal onde o Presidente teve alguns comentários mais desabridos sobre António Costa, Luís Montenegro e Lucília Gago. Se os comentários sobre estes últimos poderiam numa “dança-dos-leques” dar azo às mais rebuscadas teorias da conspiração, as suas afirmações sobre o filho Nuno Rebelo de Sousa, ou as das “reparações” às ex-colónias foram declarações que caíram como uma bomba numa nação de brandos costumes onde a família é uma bem inquestionável. Foram declarações sem qualquer justificação política. Algo de errado se passava!

Quando em 08 de novembro de 2024 num jantar em Tomar para celebrar os 22 anos da “Associação de Antigos Combatentes no Ultramar”, por entre abundantes brindes com tinto nacional, o Presidente usou a palavra, fê-lo para celebrar os 22 anos da associação e nessa, a exaltação de tudo o que era nacional como o tinto com que brindava. Acabou por apelar para que a nação recuperasse o orgulho perdido e pela força das armas tomasse Olivença. Acabrunhado que andava com as diabruras de António Costa, queria ficar para a história como Marcelo, o Conquistador. Aí as dúvidas, se as havia, esbateram-se e a necessidade de uma ressonância magnética passou a ser o tema central do comentariado nacional.

Epílogo“Turvaram as águas para as fazer parecer profundas” Friedrich Nietzsche in o “Crepúsculo dos Ídolos”